O oitavo episódio de Alien: Earth, intitulado “Os Monstros de Verdade”, encerra a 1ª temporada ao consolidar uma das maiores forças da série: a habilidade de transformar ficção científica em reflexão sobre humanidade, poder e identidade. Não se trata apenas de fechar arcos narrativos, mas de ampliar as discussões levantadas desde o início. A história chega ao seu ápice revelando que o verdadeiro perigo não está necessariamente nas criaturas alienígenas, mas nas escolhas humanas e nas consequências de suas ambições. Nada disso é necessariamente novo no campo do gênero e nem mesmo da própria franquia, mas expansão desse universo proposto por Noah Hawley e Maria Melnik, é o que torna essa série em alogo mais marcante que qualqer
A narrativa começa em um cenário de aprisionamento e desespero. Os híbridos permanecem confinados, Hermit (Alex Lawther) e Morrow (Babou Ceesay) também são mantidos em cela, e o controle de Boy Kavalier (Samuel Blenkin) parece intacto. Mas, ao contrário do que aparenta, as grades são apenas uma ilusão: Wendy já havia aceitado sua captura como parte de um plano maior. A partir daí, a série mostra sua capacidade de inverter expectativas sem recorrer ao acaso. O poder da protagonista não está apenas em sua habilidade de manipular máquinas e xenomorfos, mas em sua consciência de que cada movimento é uma jogada em um tabuleiro muito maior.
Essa virada narrativa transforma Wendy (Sydney Chandler) no centro absoluto da trama. Ela não é apenas mais uma peça entre humanos, híbridos e sintéticos; é a força que conecta e redefine todos eles. Ao liberar fechaduras, manipular câmeras e até submeter Atom Eins – o primeiro sintético criado por Kavalier – à sua vontade, ela rompe definitivamente a barreira entre criação e criador. A personagem que buscava compreender sua própria natureza assume, agora, o papel de arquiteta de uma nova ordem.
O episódio intensifica esse percurso com cenas que materializam o caos em transformação. O embate entre Kirsh (Timothy Olyphant) e Morrow simboliza o esgotamento de velhas hierarquias. E o monstro ocular, que finalmente encontra em Arthur (David Rysdahl) um novo hospedeiro, transforma em grotesco espetáculo o destino daquele que ainda carregava resquícios de ética dentro da ilha. Esses momentos, longe de serem apenas choque visual, compõem um mosaico sobre como diferentes formas de poder emergem e se sobrepõem.
O ponto de maior impacto, no entanto, acontece quando Wendy finalmente afirma: “Agora nós mandamos”. Essa frase carrega o peso de toda a temporada. Os Garotos Perdidos, usados como objetos de laboratório, assumem a liderança. O experimento escapa ao controle do cientista e inverte a lógica da submissão. Porém, o triunfo da protagonista é também uma semente de inquietação. Ao controlar os xenomorfos e utilizar as criaturas como armas, ela repete o mesmo padrão que condenava. A libertadora se aproxima perigosamente daquilo que criticava.

É nesse paradoxo que Os Monstros de Verdade encontra sua maior riqueza. Se o título sugere uma resposta direta, a trama mostra que a pergunta é mais complexa: quem, afinal, são os verdadeiros monstros? São as criaturas alienígenas, nascidas para matar, ou os humanos que as moldam para servir a seus próprios interesses? O episódio parece responder que a monstruosidade não está na biologia, mas na manipulação, no desejo de domínio e na incapacidade de enxergar limites éticos.
Esse raciocínio se reflete também na figura de Boy Kavalier. Antes visto como visionário ou mesmo um “Peter Pan” moderno, ele é despido de sua máscara. Não passa de um homem arrogante que moldou vidas como mercadorias. Sua derrota não vem com a morte, mas com a perda da autoridade diante das próprias criações. Esse rebaixamento é mais cruel e simbólico do que qualquer fim físico, pois o reduz àquilo que sempre negou: um ser humano comum, falível e vulnerável.

Ao mesmo tempo, o episódio preserva a sensação de que nada está definitivamente resolvido. O domínio de Wendy é apenas um instante de poder em um tabuleiro em constante movimento. Sua juventude, suas dúvidas e sua aproximação com os xenomorfos levantam a possibilidade de que ela mesma se torne um novo tipo de monstro. O futuro não pertence mais apenas às criaturas nem aos humanos, mas a essa figura híbrida, que carrega em si tanto a promessa de libertação quanto a ameaça de tirania.
Assim, o encerramento da temporada não busca o espetáculo da destruição ou a catarse da morte de personagens centrais. Ele aposta na lógica da consequência. Cada arco se desenrola até seu limite natural, sem atalhos ou choques. Se a ilha continua de pé, se todos os protagonistas sobrevivem, isso não significa falta de ousadia, mas a escolha de prolongar o conflito em novas camadas. A narrativa, afinal, nunca se tratou de matar monstros, mas de compreender o que significa ser um.
Os Monstros de Verdade confirma, portanto, que o coração de Alien: Earth não está apenas no terror cósmico ou na violência gráfica, mas nas reflexões que emergem dessas imagens. O episódio mostra que a linha entre vítima e algoz, humano e máquina, criador e criatura é muito mais tênue do que se imagina. E que talvez o maior horror esteja naquilo que nos espelha.
Quem, no fim das contas, merece ser chamado de monstro? Wendy, Kavalier, os Garotos Perdidos, os xenomorfos, ou todos eles ao mesmo tempo? A resposta, inquietante e ambígua, é deixada para o público carregar consigo.
Todos os episódios da 1ª temporada de Alien: Earth estão disponíveis, exclusivamente, na Disney+.
Leia sobre os episódios anteriores:
- Crítica | Alien: Earth 1×5 – Um retorno que redefine a série
- Primeiras Impressões | Alien: Earth começa querendo estabelecer um novo espaço dentro do universo
- Crítica | Alien: Earth 1×3 – Metamorfose segue expandindo, mas tropeça nos protagonistas
- Crítica | Alien: Earth 1×4 – O olhar perturbador de ‘Observação’
- Crítica | Alien: Earth 1×5 – Um retorno que redefine a série
- Crítica | Alien: Earth 1×6 – O voo sombrio rumo ao caos
- Crítica | Alien: Earth 1×7 – A encantadora de xenomorfo e o fim da humanidade
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