Crítica | Andor 2ª temporada - Primeiras Impressões
LucasFilm/Divulgação

Crítica | Andor 2ª temporada – Primeiras Impressões

Quando Andor estreou em 2022, a série surpreendeu ao abandonar o escapismo tradicional de Star Wars para mergulhar em uma narrativa política densa, onde heróis não brandem sabres de luz, mas sim convicções frágeis e dilemas morais. Agora, a 2ª temporada consolida essa identidade: não há jornadas épicas aqui, apenas pessoas comuns aprendendo a lutar — e a perder — em um universo que já as considerava insignificantes. Os três primeiros episódios, disponíveis, confirmam que a série permanece fiel ao seu DNA de thriller de espionagem, mas eleva as apostas com uma direção mais ousada.

A temporada abre um ano após os eventos do final da primeira fase, com Cassian Andor (Diego Luna) já integrado à rede rebelde de Luthen Rael (Stellan Skarsgård). Se antes ele era um sobrevivente, agora é um agente estratégico da resistência, roubando uma nave experimental: TIE Avenger, em uma sequência tensa que mistura “Onze Homens e um Segredo” com “Apocalypse Now”. A cena é um exercício de suspense clássico: planos fechados no suor de Cassian, cortes rápidos entre os soldados imperiais distraídos e a nave vulnerável. A direção de Toby Haynes (que também comandou episódios de Black Mirror) usa a falta de música para ampliar a tensão, até que o rugido dos motores da TIE quebra o silêncio como um grito de guerra.

Mas a coragem de Cassian não o torna invencível. Seu pouso forçado em uma lua jungle — revelada depois como Yavin 4, futuro quartel-general da Aliança Rebelde — expõe a desorganização dos grupos de resistência. Os rebeldes que encontra são caricaturas da ineficiência: brigam por liderança, jogam versões espaciais de “pedra, papel e tesoura” para decidir rumos e, ironicamente, capturam Cassian por desconfiança. A sequência é quase cômica, mas serve a um propósito narrativo claro: a Rebelião ainda é um sonho distante, não um exército. A escolha de saturar essas cenas com diálogos caóticos e tomadas desestabilizadas reforça a ideia de um movimento à beira do colapso—um contraste gritante com a máquina de precisão imperial.

Enquanto Cassian lida com a incompetência alheia, o roteiro paralelo mostra Bix (Adria Arjona), Brasso (Joplin Sibtain) e Wilmon (Muhannad Bhaier) tentando recomeçar em Mina-Rau, um planeta agrícola idílico. A fotografia aqui é pastoral, com planos abertos de campos dourados e silos flutuantes que lembram “Interstellar”, mas a paz é falsa. Bix, ainda traumatizada pela tortura do Dr. Gorst, vive entre pesadelos e a frágil rotina de consertar equipamentos. A série não poupa detalhes: suas mãos tremem, seus olhos evitam contato, e a câmera a persegue em closes que amplificam sua claustrofobia.

A chegada dos inspetores imperiais — em veículos que lembram half-tracks nazistas — desencadeia o conflito. Um tenente, já mostrado anteriormente como predador, tenta violar Bix em uma cena que particularmente considero a mais ousada da franquia. A violência sexual é rara em Star Wars, mas a decisão de incluí-la não é gratuita: serve para lembrar que o Império não é apenas “soldados de branco”, mas um sistema que corrompe até indivíduos medianos. A resistência de Bix, usando um martelo como arma, é filmada sem glamour; a câmera treme, os golpes são desesperados. É uma metáfora crua da resistência civil — improvisada, desigual, mas necessária.

Quando Cassian retorna para resgatá-los, já é tarde para Brasso, morto em uma emboscada. A despedida é rápida, quase cruel em sua brevidade: não há tempo para ritos fúnebres, apenas para fugir. A mensagem é clara: na guerra, até os lutos são um luxo.

Se os andares baixos da galáxia sangram, os altos conspiram. Em Coruscant, a oficial Dedra Meero (Denise Gough) e o ex-inspetor Syril Karn (Kyle Soller) formam um dos casais mais disfuncionais da saga. Sua dinâmica é um estudo de nuances: ela, criada em um “kinder-block” imperial, é produto puro do sistema; ele, um idealista patético, ainda acredita em regras. O jantar com a mãe de Syril (Kathryn Hunter, magistral) é uma aula de tensão subtextual, onde cada olhar e pausa revelam hierarquias domésticas que espelham o Império.

Enquanto isso, Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) encena a farsa de um casamento aristocrático em Chandrila. As cenas do matrimônio de sua filha Leida são uma explosão de cores e música, mas a direção usa contrastes para destacar a frieza: enquanto convidados dançam, Mon bebe para anestesiar a culpa por trair o amigo Tay (Ben Miles), condenado por Luthen para proteger a Rebelião. A montagem alternada entre a festa e a execução silenciosa de Tay — implícita, mas inevitável — é um golpe de mestre. A mensagem é óbvia: revolução exige sujeira nas mãos.

O maior trunfo da série está na construção de um Star Wars adulto sem abandonar o DNA da franquia. As referências históricas são óbvias (o censo em Mina-Rau ecoa perseguições nazistas; a propaganda imperial lembra Triumph of the Will), mas nunca didáticas. Até a polêmica cena de Bix evita o sensacionalismo—a câmera foca em seu rosto, não no corpo, transformando-a em sujeito, não objeto.

A escolha de usar vídeos (e não hologramas) para cenas como a reunião de Krennic pode parecer estranha, mas é um acerto. Ao mostrar imagens “reais” do planeta Ghorman, a série aproxima o Império de corporações modernas—a estética lembra prospectos turísticos de ditaduras, onde a opressão é vendida como progresso.

No final do terceiro episódio, Cassian olha para o corpo de Brasso e depois para o horizonte. Não há discurso, apenas a aceitação de que cada vitória exige um enterro. Essa é a essência de Andor: diferente de Luke Skywalker, seu herói não destrói uma estrela da morte com um tiro certeiro — ele falha, perde amigos e segue em frente porque não há alternativa. A série, como sua protagonista, entende que a verdadeira rebelião não está nos feitos heroicos, mas na persistência. E nesse aspecto, esses três episódios não são apenas uma continuação — são um manifesto.

Assim como Maarva Andor pediu em seu último discurso, a série não nos convida apenas a assistir, mas a lutar. Mesmo que, como Cassian, saibamos que o império sempre chega primeiro.

Os episódios novos da 2ª temporada de Andor são lançados todas as terças-feiras, exclusivamente no Disney+.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.