Invocável por décadas, Beetlejuice ou Besouro Suco (na versão brasileira) de Michael Keaton (“Flash”) retorna às telas após protagonizar o sucesso de Tim Burton (“Dumbo”), lançado em 1988. Na aguardada continuação, Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, de fato segue com o divertimento fantasmagórico excêntrico em 2024. As aventuras se pautam em Lydia Deetz (Winona Ryder), adulta, médium e apresentadora de uma atração sobre fantasmas, que guia o público a um questionamento: “Os vivos, os mortos… Eles podem coexistir?”. No elenco segue também Delia Deetz (Catherine O’Hara), que permanece a agraciar a história com uma série de alívios cômicos.
Beetlejuice
E a figura primordial, o travesso bio-exorcista Beetlejuice permeia sua aura “torta” com sua inquietude irreverente e traquina no segundo longa. Com este desenvolvimento, cabe uma leve alusão ao Brás Cubas Machadiano de sua persona e a perspectiva da morte por um defunto no pós-vida. No longa, esta espécie de Narrador Não Confiável usa a confusão e o humor para se auto beneficiar – desordem que ratifica a jornada dos personagens. Este carisma audacioso conquista o espectador, justamente pela perspicácia cativante.
Em termos narrativos, a premissa do primeiro filme consiste em o espírito ajudar os mortos (o casal Maitland) a expulsar os vivos (família Deetz) de sua casa. Já no segundo, não há uma objetividade clara, tampouco linearidade precisa de fatos. O que pode pecar no frescor da história. Mas ao meu ver, ainda sim, somos apresentados às motivações e as novas perspectivas para aqueles que assistiram ao original.
‘Comfort Movie’
Com um humor leve e divertido no “estilo Sessão da Tarde”, que é uma versão brasileira do conceito Comfort Movie (filme de conforto, em tradução livre), a nova aventura capitaneada por Beetlejuice dispensa a necessidade de uma complexidade narrativa adicional no segundo longa para engajar o público geral.
Por sua vez, personagens cômicos foram criados para abastecer esse ideal do “novo”, como o policial fantasma de Willem Dafoe, Rory (Justin Theroux) e Astrid (Jenna Ortega), filha de Lydia. Inclusive, embora a imagem de Ortega esteja constantemente atrelada a personagens míticos, como o sucesso em Wandinha (2022), mais uma vez a sua familiaridade com o gótico e a maestria em viver tais papéis são confirmadas em Beetlejuice 2. Há até uma alusão ao “mãozinha” em uma das cenas, outro ponto divertidíssimo.
Houve também a valorização de demais personagens secundários como os Bob’s – escolhidos simpáticos – que ganham maior protagonismo na segunda versão. O que é uma decisão marcante ao imaginário do universo do filme. Ainda continuação, Lydia está permeada por um conjunto de memórias e revisitações – conflitos que me levaram a uma reflexão que conversasse com a nostalgia que o filme evidentemente prioriza.
A nostalgia e a Geração Z
Se notarmos o desenlace nostálgico da franquia em Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, a Geração Z pode pouco se abismar pelo Expressionismo atônito de Burton. Mas sim, pelo “fim de uma Era… ”. Afinal, este itinerário entre a vida e a morte desbravou um universo (esgotável, talvez?) de possibilidades cinematográficas com uma estética marcante e uma subjetividade interpretativa – como de praxe do diretor. Agora, após 35 anos, dizemos Besouro Suco três vezes e vemos o público revisitar a obra no streaming, cinema… ou assisti-lá pela primeira vez, como eu.
Um apego que delega encanto, conexão, mas sobretudo, a reimaginação da “antiga” cultura pop e as experiências geracionais compartilhadas – tanto do público quanto de seus realizadores. O esmero dos cenários surrealistas “à mão” numa realidade onde “a tecnologia é como uma extensão do corpo humano” – segundo McLuhan – anuncia o clássico em novos moldes midiáticos e artísticos. A exemplo: o multiverso de Beetlejuice nos jogos; cinema; streaming e nos palcos teatrais.
O stop-motion incorporado ao live-action em contraposição ao cuidado artesanal, reafirma a maestria de Burton em diferentes técnicas em sua identidade cinematográfica. Não só em termos de cenários, mas vestimentas e penteados conversam com o tradicional gótico e vampiresco.
De novo, dialogamos com o clássico, esta revisitação de tendências corrobora com a natureza artística presente nas manifestações culturais literárias e fílmicas. Este suposto ciclo de “reciclagem” é uma divagação curiosa sobre o impacto dos fenômenos de consumo atuais que desejam desvencilhar da tecnologia como um certo respiro. Mensagem que interpretei diante da mobilização e discussões sobre a franquia nos últimos dias.
Comunidade e Conflito
A propósito, vale discorrer sobre o senso de comunidade despertado pelas divergências entre os vivos e os mortos na trama. Ambos os grupos desejam ter controle sobre seus espaços e, sobretudo, de sua vivacidade ou – ideia de -. Delores (Monica Bellucci) é a principal personificação desta necessidade. Mesmo morta, ela se mantém viva ao sugar as almas daqueles que habitam em seu plano. Diante disso, se avaliarmos intrinsecamente cada personagem, todos anseiam pelo pertencimento e buscam algo para satisfazê-los tanto na vida terrena quanto abaixo dela.
Embora o filme não trate a coletividade de forma convencional, a nova narrativa busca restaurar e formar as comunidades com mais afinco. As reações em coro na sala de cinema, bem como as emoções provocadas pela trama, envolvem o espectador a uma moral mais relatável por meio do humor. Se há um viés presente em sua segunda camada, acredito que esta é a premissa. Uma conexão profunda entre o espectador e a história novamente encoberta pelo espetáculo de uma fantasia única e, principalmente, memorável.
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