Crítica | Clube dos Vândalos reúne homens frustrados se fantasiando caras maus

Desde a primeira cena de Clube dos Vândalos, o diretor Jeff Nichols (“Loving”) se empenha em evocar uma era. Em uma abertura com um plano de foco profundo através da moldura da porta de um bar, Benny (Austin Butler), um motociclista, está sentado no balcão de costas para nós. A câmera se aproxima, revelando dois homens mais velhos se aproximando dele. Eles o oferecem duas alternativas: querem que ele tire suas “cores” — seu colete com emblemas — ou que saia do bar. Enquanto Benny assimila silenciosamente a exigência deles, nós absorvemos sua imagem: vemos os fios desgastados em sua jaqueta, o emblema de um crânio que indica sua filiação ao clube Chicago Vândalos e, claro, as feições angulosas de Butler. A fumaça do cigarro desliza pelo rosto de Benny; seu dedo bate no copo de uísque. “Vocês vão ter que me matar”, responde. É um pedido que esses dois homens estão felizes em atender. Eles o levam para a rua e começam a espancá-lo. Benny tira uma faca da bota e corta o rosto de um dos homens. Um sorriso sádico distorce suas feições robustas enquanto uma pá, empunhada pelo outro homem, se aproxima da parte de trás de sua cabeça. Congela a imagem.

É uma cena emocionante, rica em detalhes precisos da época, destinada a fornecer um transporte instantâneo de uma cultura e da aura de um homem. Quando o filme de Nichols funciona melhor, ele atua dessa forma dupla. Seguindo dicas do livro homônimo do fotógrafo Danny Lyon, que foi inspirado pela infiltração de Lyon em clubes de motociclistas do Meio-Oeste entre 1965 a 1973, o estudo de Nichols vacila sempre que ele esquece o homem no centro dessa subcultura. Clube dos Vândalos é um filme de estética que tenta evocar o espírito de um momento ao se parecer e soar como parte dele, mas sem nunca realmente sentir isso.

O filme tropeça primeiro ao carecer de uma grande ligação com algum personagem, visto que a proposta é brincar com a ideia de liberdade dos motociclistas, sem ter uma narrativa central tradicional. Nichols opta por Kathy (Jodie Comer) como nossa porta de entrada para esse mundo. Lyon (Mike Faist), que grava suas entrevistas ao longo do filme, a encontra pela primeira vez em uma lavanderia em 1965. Ela lembra uma noite em que uma amiga a levou para um bar dos Vândalos. Ela chegou vestida convencionalmente com uma calça branca e um suéter roxo. Esse bar rústico, cheio de homens aparentemente grosseiros, todos vestidos com couro e coletes de motociclistas de jeans, alguns sem camisa, alguns com brincos — não era exatamente ao estilo dp dela. Ela quer ir embora até ver Benny de pé em uma mesa de sinuca. A imagem desacelera e a lente do diretor de fotografia Adam Stone — que trabalhou em outros quatro longas de Nichols — captura Butler tentando ao máximo ser James Dean — e quase conseguindo. Como o espectador, Kathy é imediatamente atraída pelo que Benny representa: Liberdade.

Crítica | Clube dos Vândalos reúne homens frustrados se fantasiando caras maus
(Foto: Divulgação/Focus Features)

Kathy é uma forasteira nessa sociedade, confusa com suas regras, rituais e políticas. Aprendemos muito pouco sobre ela além de que vive em uma típica casa do Meio-Oeste com um marido operário, que Benny afugenta após estacionar sua moto em frente à casa deles durante a noite. Logo, Kathy nos apresenta ao resto do clube: o sensato Brucie (Damon Herriman), o amante de mecânica Cal (Boyd Holbrook), um letão instável, irritado por não ter ido para o Vietnã, chamado Zipco (Michael Shannon), o comedor de insetos apelidado de Cockroach (Emory Cohen), e outros. Ela também relembra a lenda de Johnny (Tom Hardy) fundando a gangue após assistir Marlon Brando em “O Selvagem” e a realidade do clube ter surgido simplesmente do amor dele por corridas.

De qualquer forma, Johnny, que trabalha em um emprego comum das 9 às 17 horas, que nunca vemos, e tem uma esposa e dois filhos, é como muitos dos outros homens apresentados através de belos quadros e endereços diretos. Ele quer pertencer a algum lugar, e os sonhos pós-guerra não significam muito, se é que significam algo para ele. Assim como Kathy, ele vê a liberdade que deseja na lealdade volátil de Benny.

(Foto: Divulgação/Focus Features)

Clube dos Vândalos é frequentemente mais forte quando estamos olhando para essa subcultura através dos olhos de Benny e Kathy. Eles são mais jovens que os homens da gangue, com desejos e aspirações diferentes dos deles. Através desse casal, assistimos aos Vândalos crescerem de um grupo amigável de esquisitos — que estão apenas experimentando as roupas da rebeldia como um escape da monotonia de suas vidas — para um clube com vários capítulos espalhados pelo Meio-Oeste.

Na primeira meia hora do filme, com trilha sonora de sucessos dos anos 1950, Nichols captura agudamente os dias áureos da cultura dos motociclistas. Mas ele luta para traçar sua degradação — como soldados afetados pelo estresse pós-traumático, retornando da Guerra do Vietnã e uma cultura juvenil violenta, alteraram o clima — mudando o foco de Kathy e Benny para Johnny e Kathy. Com sua postura encurvada e linhas de expressão no rosto, Hardy expressa vividamente as complicações que atormentam Johnny, mas Comer fica muito atrás. Não é apenas que seu sotaque do Meio-Oeste é tão autoconsciente — cada membro do elenco tenta sua própria versão regional com resultados variados — ; ela permanece uma caricatura, distraindo-nos da emotividade de muitas cenas com sua presença. Mais uma vez, não ajuda o fato de sua personagem ser mal concebida. Existem poucas cenas entre Kathy e Benny: como é exatamente a vida de casados deles?

A Guerra do Vietnã também é uma presença subdesenvolvida. Embora veteranos transformados em motociclistas logo surjam, diluindo o amor homossocial — relacionamento entre pessoas do mesmo gênero que não são de natureza romântica — desse grupo em uma entidade criminosa, a guerra em si nunca ocupa a televisão ou as estações de rádio ou os bairros meticulosamente construídos do Meio-Oeste pelos quais esses motociclistas rugem — sem cartazes de recrutamento ou soldados de uniforme nas esquinas — que teriam sido duramente atingidos pelo recrutamento militar. Dá-se a sensação de que o filme quer conectar a guerra com a juventude desiludida que ainda não serviu — especialmente um sinistro Toby Wallace — mas a conexão é, no máximo, estreita.

Confesso que, depois da sessão, fiquei morno com a atuação de Butler. Talvez porque, após interpretar o símbolo de uma era em “Elvis”, eu não estivesse muito empolgado em vê-lo fazer isso de novo, desta vez como um motociclista. Mas, dois dias após a sessão, enquanto esse texto vai sendo redigido, ele realmente é a figura central do filme. A câmera o ama, e ele sabe como se posicionar na luz, permitindo que ela molde suas feições para modular minuciosamente seu charme, tristeza e vulnerabilidade. Ele articula completamente o tipo de masculinidade exposta que Nichols está tão intrigado. Quando ele sai da tela, não apenas o grupo perde sua aura, mas o filme também. Nichols nunca encontra uma maneira de recapturar o interesse, porque a história e seu elenco de personagens são amplos demais, mal concebidos como figuras copiadas das fotos de Lyon para puxá-lo para a órbita deles.

Crítica | Clube dos Vândalos reúne homens frustrados se fantasiando caras maus
(Foto: Reprodução/Focus Features)

A segunda metade do filme, principalmente sem Butler, não se torna uma grande elegia para uma era mais pura que se foi. Ela se transforma em cenas vazias e artificiais de atores brincando de se fantasiar. Talvez essa artifício funcione em algum nível, especialmente em um filme sobre homens que decidiram interpretar o papel de figuras contraculturais em vez de acreditarem na miragem do sonho americano. Mas sem alguém como Butler para manter nossa atenção, o filme se torna muito decepcionante, muito desfocado para suscitar qualquer lamento pelo tempo que espera recriar.

E apenas se coloca minimamente em uma linha do tempo que nos evoca a “Sem Destino”. Com o fim da inocência, Clube dos Vândalos desaparece no pôr do sol, morrendo junto com ela.

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