O autor britânico Robert Harris, em 2016, lançou o livro Conclave, que explora de forma ficcional o processo de eleição de um novo papa. Esse thriller político, carregado de intrigas que poderiam fazer inveja aos personagens de Westeros, foi agora adaptado para o cinema por Edward Berger. O diretor, conhecido pelo premiado “Nada de Novo no Front” (2023), traz novamente seu talento visual e narrativo para as telonas.
O filme é protagonizado por Ralph Fiennes, que interpreta o cardeal Thomas Lawrence, decano do Vaticano. Cabe a ele liderar o conclave após a morte do papa. A trama gira em torno dos candidatos com chances de assumir o papado: o cardeal Bellini (Stanley Tucci), um progressista norte-americano que defende maior inclusão das mulheres e direitos LGBTQ+; o cardeal Tedesco (Sergio Castellitto), um italiano conservador que busca preservar as tradições ortodoxas; o moderado cardeal Tremblay (John Lithgow); e o conservador cardeal Adeyemi (Lucian Msamati), cuja origem africana traz nuances ao seu papel. Um inesperado visitante, o cardeal Benitez (Carlos Diehz), vindo de Cabul, adiciona mistério e tensão ao já complexo processo de escolha.
Para quem não está familiarizado, o conclave papal é uma eleição em que os cardeais se isolam no Vaticano até a escolha do novo papa, sinalizada pela famosa fumaça branca expelida da Capela Sistina. Antes disso, fumaça preta anuncia a falta de consenso, o que pode levar dias ou até semanas.
Desde a primeira cena, Conclave prende a atenção. A introdução estabelece mistérios e conflitos enquanto apresenta personagens intrigantes, acompanhada por uma trilha sonora marcante. A fotografia impressiona com enquadramentos precisos e evocativos, alternando entre grandiosidade e claustrofobia para intensificar a tensão.
Os pontos fortes incluem os vários conflitos internos e revelações sobre o passado dos personagens, que acontecem de forma natural e bem dosada. Lawrence, o protagonista, se destaca por sua serenidade e firmeza moral, enquanto Aldo, surpreende pela complexidade de suas intenções.
Apesar do desenvolvimento cuidadoso, alguns elementos decepcionam. O arco do cardeal Adeyemi e outras situações dependem demais de coincidências, acelerando o ritmo de maneira artificial. O filme segue uma estrutura clássica de “jornada do herói”, mas a reviravolta final traz um frescor inesperado para a narrativa.
Conclave não se limita a desvendar quem será o próximo papa, mas explora com habilidade as fofocas, alianças e rivalidades que permeiam os bastidores do Vaticano. A atuação de Fiennes, equilibrando dúvidas e convicções, sustenta o enredo. Embora o restante do elenco não tenha tanto destaque, Sergio Castellitto rouba as cenas com uma intensidade quase teatral.
No entanto, Stanley Tucci entrega mais do mesmo, e continuar com performances que o trazem segurança em sua atuação. Além disso, o desfecho apressado contrasta com o ritmo detalhista do restante do filme. Embora não comprometa a qualidade geral, deixa a sensação de que alguns momentos poderiam ter sido mais explorados.
Entre as temáticas abordadas estão a luta pelo poder, o papel submisso das mulheres na Igreja e os pecados capitais como ganância e vaidade. Isabella Rossellini interpreta a irmã Agnes com maestria, transmitindo em silêncios e expressões as humilhações sofridas pelas mulheres no clero.
Visualmente deslumbrante, Conclave leva o espectador por uma viagem às obras de arte do Vaticano. Berger faz uso habilidoso do silêncio e da música para realçar o peso das decisões. A direção cria uma experiência imersiva, mantendo a tensão e o mistério até o final.
Conclave é um fascinante exercício sobre fé, moralidade e o poder nas instituições religiosas. Com atuações sólidas, uma direção primorosa e uma abordagem reflexiva, o filme prende o espectador do início ao fim. Ele nos lembra que, no fim das contas, o poder nunca é tão sagrado quanto parece.
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