Coringa: Delírio a Dois | Imagem: Warner Bros./Divulgação
Coringa: Delírio a Dois | Imagem: Warner Bros./Divulgação

Crítica | Em Coringa 2 o delírio é pavorosamente maior do que o desejado

Coringa: Delírio a Dois chega aos cinemas para finalmente sanar as expectativas sobre a narrativa melódica do segundo filme. E sim, a obra é um musical e aflora o pedantismo do gênero no vilão. O teatro e o canto na história reforçam a empatia de Coringa pela música como uma extensão da dança no banheiro no primeiro longa.  No entanto, a face rebuscada do palhaço pavorosamente não inaugura capítulos atraentes à sequência do diretor Todd Phillips. Sendo então, uma proposta totalmente diferente de seu antecessor.

Nomeada de Folie à Deux, o título francês refere-se ao Transtorno Psicótico Induzido que, supostamente, encorajaria o público a antecipar o delírio e caos entre Coringa (Joaquin Phoenix) e Harleen “Lee” Quinzel (Lady Gaga). No entanto, a continuação foca somente em um leve romance entre os dois e enfatiza a persona “humana” – Arthur Fleck.

Lady Gaga e Joaquin Phoenix estrelam nova sequência de Todd Phillips
Lady Gaga e Joaquin Phoenix estrelam nova sequência de Todd Phillips | Imagem: divulgação Warner Bros.

O Arthur Fleck de Todd Phillips

Fleck sofre do Transtorno da Expressão Emocional Involuntária que, no caso do Coringa, impossibilita o controle de sua risada. O homem é apresentado com profunda instabilidade mental, insegurança e uma forte necessidade de aceitação. Embora a origem do Palhaço do Crime seja um mistério, alucinação e realidade mesclam frente às injustiças na vida de Arthur e exploram a sensibilidade do indivíduo por meio da vingança. As motivações são bem explícitas no primeiro filme e geram empatia ao personagem.  

À época, inclusive, o longa foi julgado provocador pelos temas sociais e de saúde mental tratados de forma crítica e contundente. O frescor ainda seguiu na fotografia e na performance de Phoenix – conjunto de fatores que consagraram sua autenticidade complexa para além das HQs. No entanto, em 2024, as “aparições públicas” de Coringa e Arthur Fleck se decompõem sem identidade. Isso porque as polêmicas e objeções que edificaram as duas personas se desintegraram da repulsa – predicados ruins, mas positivos e essenciais para este personagem. 

Ou seja, a maldade explícita e impiedosa da “sombra” dissipa artisticamente em canções solo de Coringa e duetos com Arlequina. Embora a trilha seja impecável, com timing certeiro para vocalização dos versos na narrativa, fatores como a repetição de música, a existência de um coral no Asilo Arkham de Gotham City e a quantidade de maços de cigarro no filme, tornam a experiência espalhafatosa – se não, cômica. Em duas horas e vinte, o público presencia vários momentos de música e suspenses escassos. Sendo este fator, com certeza, um dos principais desagrados para os que antecipam a êxtase do homicídio à là Murray.

Coringa (Joaquin Phoenix) | Foto: divulgação/ Warner Bros.
Coringa (Joaquin Phoenix) | Foto: divulgação/ Warner Bros.

Aparições públicas de Coringa no segundo filme

Após disparar contra um apresentador na TV ao vivo, as aparições públicas de Coringa foram sobre o julgamento de seus assassinatos que culminaram em sua prisão. Assim, o espectador ficou à par da disposição da Promotoria pela pena de morte ao criminoso; as fotografias da fuga de Arthur e Lee cantando; da entrevista em que Fleck busca provar ser “uma nova pessoa” e, para isso, canta – por que não? – e, então, a sua performance espalhafatosa no Tribunal. Curiosamente, todos estes casos evidenciam o seu lado “humano” em busca da redenção. O público, o vê sob esta nova roupagem – e aliás, sem muita maquiagem – e nós, acessamos os bastidores… Mas quem, na verdade, é este indivíduo?

Inclusive, faço um adendo às sessões. As ocasiões foram televisionadas e ovacionadas pelo público; o réu tornou o espaço cível num palco como Coringa e, então, iniciou seu estrelato em frente ao Juiz – e a tantos outros que o condenam.

Acreditei que a cartada final seria um espetáculo; a performance definitiva diante de seu protagonismo e influência. Deixei-me levar pela ambição e pela expectativa depositada em um indivíduo que, nem mesmo, conhece a si. De todo modo, me simpatizo com sua aura artística, que busca a redenção ao juntar os estilhaços e “equilibrar pratos” para configurar-se humano. Não pela ausência de sentimentos, mas por buscar uma parte de si perdida: o amor.

Arlequina e o verdadeiro delírio

Nesse sentido, focamos em Lee (a Arlequina), que aparece sem grandes delongas no coral. Apresentada como psiquiatra nesta versão, a relação entre a profissional e Coringa acontece repentinamente sem qualquer sofisticação. Com poucas falas, Lady Gaga vive a personagem por meio de performances de canto e dança – e maquiagem básica. É evidente seu interesse exclusivo na característica delirante que acomete Coringa. Sem qualquer background da personagem e trama instigante, assistimos apenas a dupla performar. 

Em contrapartida, a escolha de Gaga para esta proposta é muito boa – e, vale ressaltar, Phoenix também canta muito bem. O álbum acompanhante, Harlequin, de fato deixa as cenas mais ricas e interessantes aos ouvidos. Mas ao meu ver, seria melhor toda esta experiência em um teatro… ou até mesmo na Broadway. O design de produção, para a ambientação, bem como a direção de fotografia, continua impecável, mas mesmo assim, sigo o meu favoritismo pelo primeiro filme.

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Jornalista, Repórter de Cultura Pop e Crítica de Cinema | contatoliviasc@gmail.com