Saudada por seu estrelato em “Nasce Uma Estrela”, de 2018; neste ano Lady Gaga é destaque eminente em Coringa: Delírio a Dois, sequência de 2019 sobre o vilão Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) de Todd Phillips, com nuance de Arlequina (Lady Gaga). Neste longa, a extravagância insana da personagem floresce da veia artística da cantora. Isso porque a anti-heroína é tecida melodicamente pelo trovadorismo norte-americano do jazz/blues e do pop/rock teatral interpretado pela musicista.

Gaga à Folie à Deux
Isso porque sua conexão com Harleen “Lee” Quinzel, (ou Arlequina, no Brasil), a despertou tão criativamente a ponto de dedicar um álbum inteiro à personagem. A ideia de identidade dupla sempre fez parte da criação musical de Stefani Germanotta, profissionalmente conhecida como Lady Gaga. Ao avaliar a dualidade de Coringa como o bobo da corte e o louco, a cantora se reafirmou artisticamente em um filme que enuncia justamente esta transferência delirante: o Transtorno Delirante Compartilhado (TDC) – Folie à Deux.
O dégradé ilustra as 13 faixas do álbum Harlequin, lançado na última sexta-feira (27), e a afinidade da cantora com o jazz, após os duetos de clamor com Tony Bennett em sua discografia. Também chamado de “LG 6.5” por Gaga, o projeto antecede seu próximo lançamento e segue a ordem contextual das canções:
- 1- Good Morning
- 2- Get Happy (2024)
- 3- Oh, When The Saints
- 4- World On A String
- 5- If My Friends Could See Me Now
- 6- That’s Entertainment
- 7- Smile
- 8- The Joker
- 9- Folie à Deux
- 10- Gonna Build A Mountain
- 11- Close To You
- 12- Happy Mistake
- 13- That’s Life
Trovadorismo secular
O álbum é puramente lírico e caoticamente excêntrico. Aliás, Gaga admitiu que imprimiu na personagem uma parte dela que “talvez estivesse envergonhada de mostrar”. Por isso, a entrega pulsa na performance neurodivergente da artista de clássicos num trovadorismo moderno. A propósito, no cenário musical midiático atual é rara identidade que personifique dramaticamente tamanha peculiaridade. Uma obra absolutamente profunda e artística que desemboca na Broadway de Judy Garland, e também, no ritmo de Frank Sinatra.
Harlequin envolve o premiado produtor Andrew Watt, conhecido por trabalhar com nomes como Elton John, a banda The Rolling Stones e Justin Bieber; e também, os colaboradores de Gaga, Bloodpop e Benjamin Rice. O vintage pop do álbum reitera a tendência nostálgica aflorada desta era e, ao mesmo tempo, inova a personalidade da obra que possivelmente marcará novo sucesso de bilheteria.

Tracklist: “uma peça para acompanhar Coringa: Delírio a Dois”
- Good Morning (Bom dia)
A trilha sonora de Harlequin segue uma sequência contextual de faixas. A começar por Good Morning, notória em Singing In The Rain, de 1952. Os versos alterados “I’ve loved you from afar”; “Bang, you’re black and blue” e a repetição de “Good morning, good morning” simbolizam a rotina imprevisível e a relação caótica da dupla. A canção segue festiva como a original; artifício que exprime o amor, a felicidade e a esperança em Arlequina concomitante à destruição. Um ótimo convite ao caos.
- Get Happy (Fique Feliz)
Em Get Happy (2024) o enfoque religioso dos versos sugere uma reunião de almas perdidas e cansadas em busca da liberdade. O convite faz metáfora a atração de Arlequina pelo mundo caótico e libertador de Coringa numa tentativa de escapar de suas angústias. A euforia iminente da canção seguida por uma queda abrupta reflete a confluência emocional da relação da dupla. A música anteriormente foi associada à Judy Garland no filme Summer Stock, de 1950.
- Oh, When The Saints (Oh, Quando Os Santos)
Oh, When The Saints segue o tom espiritual em um hino cristão sobre o desejo de Arlequina estar entre os santos “saints”. Alguém que anseia pela redenção e luta pela sua identidade. A conversa com Deus e a referência ao diabo pode significar sua luta interna entre o bem e o mal. O demônio, representado por Coringa, exerce uma influência destrutiva sobre a personagem, que anseia dançar no céu — o que simboliza sua liberdade e felicidade. A faixa entoada por artistas de jazz é popularmente conhecida na voz de Louis Armstrong, feita em 1938.
- World On A String (Mundo Na Palma da Mão)
A seguir World On A String é uma canção popular gravada em 1953 por Frank Sinatra. A letra busca emitir, abismalmente, certo controle por meio da devoção de Arlequina ao Coringa. Uma mistura de poder e vulnerabilidade do fim do relacionamento enquanto sustenta-se a ideia de que a vida é bela.
- If My Friends Could See Me Now (Se Meus Amigos Pudessem Me Ver Agora)
A próxima faixa If My Friends Could See Me Now é uma canção do musical Sweet Charity, de 1969. A letra supõe a transição de Arlequina para uma figura poderosa. Em “All I can say is wow, just look at where I am”, reitera o novo status, algo que as pessoas jamais acreditariam. O triunfo parafraseado pela produção dirigida por Bob Fosse, um dos pilares da cultura pop moderna, revela sua autoestima e importância.
- That’s Entertainment (Isso É Entretenimento)
Já That ‘s Entertainment explora a ideia de que a vida é um espetáculo. A ideia de que performamos a todo instante me alude à Representação do eu na vida cotidiana, de Goffman, obra em que o sociólogo compara a vida social a uma performance teatral. A canção do musical de 1953, The Band Wagon, com Judy Garland, reflete a vida de ambos personagens assim como no teatro; altos e baixos da comédia à tragédia.
- Smile (Sorria)
Em Smile a proposta da dualidade segue ainda mais fiel ao caos. Originalmente gravada por Charles Chaplin em Tempos Modernos, de 1936, a canção sugere animar o ouvinte num convite ao sorriso diante das adversidades. A versão de Michael Jackson também foi muito aclamada, no entanto, para o conjunto da obra Coringa, a interpretação de Gaga torna-se honrosa.
- The Joker (O Coringa)
A canção The Joker, releitura do musical britânico The Roar Of The Greasepaint The Smell Of The Crowd, exprime o lamento do indivíduo visto pela sociedade como um bobo da corte e comediante. Os versos ilustram, com precisão, a aceitação de seu destino e reforça a identificação pessoal da narradora com a figura trágica.
- Folier à Deux (Delírio a Dois)
Chegamos a Folier à Deux, tema do filme. Escrita por Gaga, os versos exploram uma relação tóxica e codependente da dupla. A intérprete expressa uma súplica obsessiva para evidenciar que o amor insano é parte de sua atração – “insane in love with you”. A canção original remonta uma valsa glamourosa em uma mescla que transita como um alívio entre as faixas mais “pesadas”.
- Gonna Build A Mountain (Vou Construir Uma Montanha)
Na reta final da tracklist, nos deparamos com Gonna Build A Mountain, melodia clássica de Anthony Newley. O vocal fascinante de Gaga segue elevando a alma à explosão nos minutos finais da música. O drama destaca a ambição e a capacidade de transformar adversidades em oportunidade; mensagem encorajadora e otimista.
- Close To You (Perto De Você)
Um cover suave do single de sucesso dos Carpenters, Close To You, não parece totalmente coeso em um álbum tão ousado quanto Harlequin, mas Gaga consegue cravar seu pouso prestes a fechar o álbum. O refrão ressalta que todas as garotas desejam estar próximas de um homem (em alusão a Coringa), capturando a universalidade do amor e como essa presença transforma o mundo em um lugar mágico.
- Happy Mistake (Erro Feliz)
A segunda música autoral de Gaga, Happy Mistake, tem liderado o ranking nas plataformas digitais. Na canção a artista explora a luta repleta de expectativas e a pressão social, que leva as pessoas a esconderem sua vulnerabilidade simbolizada por meio da maquiagem. A imagem de “engarrafar um dia ensolarado” sugere a tentativa de capturar momentos de felicidade, enquanto a ideia de um “erro feliz” reflete a possibilidade de encontrar alegria nas falhas.
- That’s Life (Essa É A Vida)
A canção final That’s Life é mais uma reinterpretação do hit de Frank Sinatra. O cover praticamente inalterado inclina para uma de suas performances mais estrondosas em Harlequin para se despedir dos ouvintes. A artista destaca a pluralidade da experiência humana e a beleza na luta pela sobrevivência. No final, a aceitação das dores e alegrias da vida reforça que cada experiência molda nossa identidade, tornando a jornada digna de ser vivida.
Em resumo, Harlequin revela um diálogo revigorante entre a modernidade e a tradição. Há sempre um fresco em incorporar o drama aos clássicos musicais e gêneros influentes em uma obra emocionante. O álbum não só homenageia este vasto acervo musical, mas uma metalinguagem de auto expressão e inovação artística.
Leia Também:
Deixe uma resposta