Crítica | Deadpool & Wolverine: o fator de cura dos mutantes ainda não é suficiente para salvar o UCM

O retorno do mercenário tagarela e o melhor no que faz é hilária e empolgante, mas não acerta na emoção com a força que poderia.

O mais novo filme da Marvel Studios chegou com algumas tarefas hercúleas nas costas: continuar a franquia do Mercenário Tagarela com o selo Disney, respeitar o aclamado capítulo final de “Logan” e introduzir em larga escala o universo mutante no UCM.

Será então que Deadpool & Wolverine atendeu as modestas expectativas dos Marvetes?

Que fique de aviso, essa crítica contem spoilers!

Deadpool (Ryan Reynolds) e Wolverine (Hugh Jackman) juntos.

Ketchup, mostarda e outros condimentos

Deadpool

Nosso querido Deadpool (Ryan Reynolds) continua como sempre, não há como se decepcionar com isso; o filme está repleto de humor ácido, sarcasmos metatextuais, farpas trocadas com qualquer um que esteja perto, etc. Mesmo assim, esse filme parece ser, de alguma forma, mais engraçado que os outros por não apelar tanto para piadas sexuais ou para violência recreativa.

O protagonista aqui não mudou, seu maior motivador ainda parece ser seu grande amor: Vanessa (Morena Baccarin), que se encontra ausente de quase todo o filme, e sua moralidade continua suficientemente flexível. Wade Wilson continua sendo divertido e carismático assim como seu conflito e sua jornada emocionais continuam sendo fracos; esse não é o personagem que vai te fazer chorar pelas derrotas ou aplaudir pelas vitórias.

As quebras da quarta parede continuam como antes, divertidas mas sem serem aproveitadas ao máximo. Conversar com a audiência e comentar sobre o fato de estar em um filme como meio para zombar e ironizar os clichês que perpassa os filmes de super-herói é ótimo — desde que se proponha algo diferente.

Desde o primeiro Deadpool, esse potencial acaba meio perdido. Zombar da questão de termos que esperar até o terceiro ato para descobrir a origem desse Wolverine é engraçado e te faz lembrar o quanto esse clichê é velho e repetitivo; até você chegar no terceiro ato e perceber que o filme seguiu exatamente o clichê velho e repetitivo. Não dava para mudar um pouco?

Wolverine

Já seu parceiro, Wolverine (Hugh Jackman), se diverte em seu papel mais livre e digno das garras até então. Os dois formam um par que atende as expectativas: esse Logan usa e abusa da liberdade com o baixo calão em um bate e volta com Wade que não fica enjoativo. Aqui, o herói pode se soltar bem mais que em qualquer outro projeto.

Com a sua nova origem regada de mistério por grande parte do filme, somos levados a crer que esse Wolverine realmente não é o que conhecemos e talvez não possa ser confiável. O legado do outro Logan, dos outros filmes, serve como uma sombra para o novo Carcaju e o deixa cada vez mais envergonhado.

Embora uma inclusão mais explícita dos X-Men como equipe poderia ter sido frívola e gratuita, o drama do herói nesse filme perde grande parte do impacto que deveria ter por não nos mostrar o que o tornou “o pior Wolverine de todos”. Em vez disso, tudo o que temos são relatos vagos e uma conclusão menos vaga que só chega a pesar pelas atuações convincentes de Jackman e Corrin.

Por que não continuar aproveitando a classificação indicativa e mostrar o suposto “pecado imperdoável” de Wolverine? Isso não só nos daria mais motivo para duvidar dele e questionar seu caráter mas faria seu eventual heroísmo bem mais heroico. Vale dizer que sua motivação para usar o uniforme clássico é boa, mas também peca.

Hugh Jackman como Wolverine em seu traje clássico.

Cassandra Nova

Cassandra Nova (Emma Corrin) é uma escolha surpreendente para ser a grande vilã do filme. Não sendo uma personagem com conexões diretas a nenhum dos personagens-título e nem sendo uma reiteração de filmes passados; aqui ela representa uma figura odiosa e invejosa — seja ao direcionar isso ao Professor Xavier, a AVT ou a literalmente tudo.

Corrin consegue se manter na mesma frequência que Reynolds e Jackman — por vezes, até deixando as coisas mais intensas — e é cativante de assistir. O uso de seus poderes é visualmente provocativo e ela comanda bem suas cenas de ser “a vilã”. No entanto, suas motivações (as poucas que temos) são fracas e mesmo que sua origem seja basicamente a mesma que a de Sylvie de “Loki“, as ações de Cassandra parecem totalmente imprudentes e ilógicas.

Emma Corrin como Cassandra Nova.

O resto do elenco claramente se diverte, como era de se esperar. Os coadjuvantes não são de grande importância e não passam por jornadas próprias mas, em geral, servem seus propósitos; ajudar a dupla principal a avançar no Vazio, derrotar Cassandra e voltar para casa. Os amigos de Deadpool retornam nesse filme apenas como incentivador (especialmente Vanessa), muitos sequer ganham mais que duas falas e, assim, não participam ativamente do filme.

A farra multiversal

Mudando agora para a questão que não quer calar: o multiverso. Que bagunça, né? Desde que o conceito foi apresentado no UCM, as coisas vêm rolando ladeira abaixo e ninguém parece saber ao certo como usar esse conceito que é, literalmente, infinito.

Em “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura“, o conceito foi usado para batermos palmas por 10 segundos quando o John Krasinski encarnou Reed Richards por outros 10 segundos, sem qualquer repercussão relevante na trama ou nos personagens.

Já em Deadpool & Wolverine, infelizmente, não é muito diferente. Temos personagens que aparecem e nos deixam totalmente incrédulos, para terem um pouco de diálogo (mais que em Doutor Estranho) e uma bela cena de ação, só. Dito isso — essa execução meio gratuita em um filme do Deadpool faz bem mais sentido que com qualquer outro personagem e gera alguns bate e volta, no mínimo, bem-humorados.

Já outras participações, como a tropa dos Deadpool, também rendeu uma excelente cena de ação e uns figurinos divertidos. O filme não tenta fazer além de divertir com essas participações especiais — sem perder o respeito — mas não deixam de ser truques baratos que disfarçam a falta de substância de vários momentos.

É interessante notar o fato que, embora essa seja a introdução do mercenário e dos outros mutantes ao UCM, o filme é literalmente sobre os heróis tentando salvar o universo Fox deixado para trás, e até prestando homenagem a outros membros do universo fora os X-Men. Obviamente, o Deadpool sendo quem é, não deixa de zoar (muito) os fracassos e percalços no caminho; inclusive, os percalços atuais da própria Marvel Studios.

O legado dos outros filmes não é perdido, ao contrário, é honrado. Durante os créditos do filme somos apresentados a uma compilação de cenas e bastidores de todos os outros filmes da Fox, uma homenagem honrosa e respeitosa que não tira nada desse filme.

O orçamento foi bem gasto dessa vez?

Os efeitos especiais, ao contrário dos últimos filmes da Marvel Studios (sim, você mesmo, Thor), estão ótimos. O filme usa cenários reais em grande parte e não depende abusivamente de computação gráfica, prova que efeitos práticos são quase sempre superiores.

Os uniformes novos de todos estão incríveis e é genuinamente emocionante ver o Wolverine em sua glória amarela e azul, com poses dignas das HQs e tão feroz como deve ser.

As cenas de ação são da qualidade que se espera de uma produção de centenas de milhões de dólares, a coreografia está ótima, a violência é criativa na medida certa e não serve só para chocar. O filme usa um tanto exagerado de câmera lenta, efeito que aparece em certa dose nos últimos filmes mas aqui parece mais perceptível ainda. A trilha sonora original é bacana e serve seu propósito mas as músicas licenciadas continuam bem escolhidas e no tom perfeito para Wade Wilson.

Deadpool & Wolverine é uma jornada cômica e cheia das bizarrices que só podem acontecer com super-heróis de gibis. A inclusão dos heróis ao selo Disney estava destinada a transbordar de humor, referências, pegadinhas e autocríticas, mas também tinha muito potencial para atacar na jugular emocional (especialmente depois de “Logan“), potencial que não foi desenvolvido ao máximo.

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Tradutor, intérprete e redator do Conecta Geek. Especialidade (ou mero gosto) em jogos e HQs.