O 4º episódio de Demolidor: Renascido, intitulado “Sic Semper Sistema”, é um reflexo claro dos desafios enfrentados por uma série que passou por mudanças drásticas em sua produção. A temporada, que pode ser descrita como uma espécie de “Frankenstein narrativo”, tenta equilibrar o material originalmente filmado com as novas direções tomadas após as reformulações. Apesar disso, o episódio consegue entregar uma narrativa coesa, explorando temas como justiça, abuso de poder e a luta interna de Matt Murdock entre a lei e a vingança.
O título do episódio, Sic Semper Sistema, é uma referência à frase latina “sic semper tyrannis”, que significa “assim sempre aos tiranos”. Essa escolha não é casual: o episódio lida diretamente com abusos de poder, tanto no sistema policial quanto na esfera política, personificada por Wilson Fisk. A trama começa com as consequências do assassinato de Hector Ayala, o Tigre Branco, cuja morte no episódio anterior deixou Matt Murdock questionando sua fé no sistema legal. A cena inicial no necrotério, onde Matt encontra a sobrinha de Hector, Angela Del Toro, é carregada de raiva e desespero. Angela culpa os policiais corruptos pela morte do tio, e Matt, embora compartilhe dessa desconfiança, parece impotente diante da situação.
Essa impotência é um tema central do episódio. Matt, interpretado com maestria por Charlie Cox, está em um momento de crise existencial. Ele venceu o caso de Hector no tribunal, mas falhou em protegê-lo. Agora, ele precisa lidar com as consequências de suas escolhas, incluindo a exposição pública de Hector como um vigilante. A cena em que Matt confronta o policial Powell (Hamish Allan-Headley), é particularmente impactante. Matt usa sua audição aguçada para verificar se Powell está mentindo, mas o policial parece genuinamente inocente. Essa revelação leva Matt a investigar por conta própria, usando seus sentidos para encontrar um cartucho de bala com a marca do Justiceiro.

A reintrodução de Frank Castle, o Justiceiro, é um dos momentos mais aguardados do episódio. Jon Bernthal retorna ao papel com a mesma intensidade que marcou sua atuação na 2ª temporada da, agora antiga série do Demolidor. A cena entre Matt e Frank é uma das mais poderosas, não apenas pela química entre os atores, mas também pelo diálogo afiado que explora as diferenças filosóficas entre os dois personagens. Enquanto Matt insiste que Frank poderia usar suas habilidades para ajudar as pessoas, Frank rebate com uma análise da natureza violenta de Matt, lembrando-o de que ele também é movido por um desejo de vingança. A menção à morte de Foggy Nelson é particularmente dolorosa para Matt, que ainda carrega o peso de não ter feito o suficiente para proteger o melhor amigo.
Essa cena é uma alegoria clara para a luta interna de Matt entre a luz e a escuridão. Frank, com sua justiça brutal e direta, representa o lado sombrio que Matt tenta reprimir. No entanto, ao confrontar Frank, Matt acaba confrontando a si. A direção de Jeffrey Nachmanoff merece elogios aqui, com planos fechados que capturam a tensão crescente entre os dois personagens. A iluminação sombria e o uso de cores frias no esconderijo de Frank reforçam o clima de desespero e conflito.
Enquanto Matt lida com suas crises pessoais, o episódio também avança a trama de Wilson Fisk, agora prefeito de Nova York. Vincent D’Onofrio segue nessa linha tênue entre o temível e o frágil. Neste episódio, Fisk enfrenta um escândalo envolvendo lixo e sindicatos, mas o verdadeiro drama está em sua vida pessoal. A terapia com Vanessa (Ayelet Zure) e a terapeuta Heather Glenn (Margarita Levieva) revela mais sobre o relacionamento conturbado do casal, incluindo a infidelidade de Vanessa com um homem chamado Adam. A revelação de que Fisk mantém Adam preso em uma cela subterrânea é perturbadora, mas também alinhada com a natureza obsessiva e controladora do personagem.
No “núcleo de tribunal” da série Matt pega o caso de um homem sem-teto chamado Leroy Bradford, é uma das subtramas mais interessantes do episódio. Interpretado por Charlie Hudson III, Leroy é acusado de roubar pipoca caramelizada, um crime aparentemente trivial que serve como uma crítica contundente ao sistema prisional e à desigualdade social. A cena do tribunal, onde Matt usa seu charme e habilidades sensoriais para negociar uma sentença mais leve, é ao mesmo tempo engraçada e triste. Engraçada pela forma como Matt “cheira” o café da manhã da promotora para ganhar simpatia, e triste porque, no fim, Leroy ainda está preso em um ciclo de pobreza e encarceramento.

Essa trama secundária é eficaz em mostrar como o sistema falha com aqueles que mais precisam de ajuda. A fala de Leroy sobre o governo gastar mais para prendê-lo do que para alimentá-lo é uma crítica contundente à indústria prisional, um tema que a série, surpreendetemente, aborda com sensibilidade. No entanto, essa subtrama também serve para destacar a crescente frustração de Matt. Ele vence no tribunal, mas sente que perde na vida real. Esse sentimento de impotência o leva a buscar respostas em um lugar sombrio: o esconderijo de Frank Castle.
O episódio utiliza cortes paralelos de forma eficaz, especialmente na cena em que Matt treina no telhado enquanto Fisk reflete sobre perdão. Essa montagem destaca a dualidade entre os dois personagens: ambos estão presos em ciclos de violência e redenção, incapazes de escapar de seus próprios demônios.

A cena final do episódio, que apresenta o vilão Muso, é um golpe de mestre. Muso, um serial killer que usa sangue para criar arte, é uma adição macabra e fascinante ao elenco de vilões da série. Sua introdução, com uma máscara assustadora e uma agulha gigante, é visualmente impactante e promete trazer um novo nível de tensão para os episódios seguintes.
Os episódios novos da 1ª temporada de Demolidor: Renascido são lançados todas as terças-feiras, exclusivamente no Disney+.
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