Eu já vi a Pelados ao vivo algumas vezes – e, sinceramente, sempre me soou como “o som de uns playboys bem legal”. Não no sentido de esnobe, mas naquele humor meio vacilão, meio debochado, de quem está ali porque quer brincar com o som e não provar nada. Era uma espécie de festa clandestina sonora, e Contato chega como a trilha perfeita dessa sensação, o disco soa como um estoque de experimentos peculiares embalados com desejo, sarcasmo e aquela energia de laboratório caseiro.
Logo no primeiro acorde de “Os Pelados Sabem Demais”, dá para sentir que o negócio vai ser subversivo: “Vamos acabar com a MPB… Virar comediante do SBT… O planeta vai dançar, quero dançar também”. A letra parece quase um mantra contra a mesmice, mas é também um convite para não parar e isso dá o tom do resto do disco.
A produção do álbum, assinada em conjunto pelos integrantes, respira uma estética propositalmente torta – muito graças à pegada de Lauiz nos teclados e sintetizadores. Mas não pense que isso esmurra só pro caos: há um controle preciso nessa aparente confusão. O baixo da Helena Cruz, por exemplo, embasa tudo com uma firmeza quase silenciosa – ela parece tocar com o olhar, e bicho, isso me ganha fácil. E, falando nela, descobri outro universo: Helena faz vídeos usando loops sonoros dentro de algumas cozinhas e lavandeiras, batendo panelas, tampos, utensílios. Nada presente no disco, mas é um acréscimo valioso ao que a gente imagina quando escuta o som dela.
Em “Planeta OXXO”, com Felipe Vaqueiro (da excelente Tangolo Mangos), a Pelados transforma o deletar do comércio local em São Paulo num grito pop, com sintetizador tenso e refrão que gruda. É crítica urbana sem peso de manifesto, uma revoltinha no meio do funk indie. Provavelmene a minha preferida do disco.
Em uma inesperada homenagem ao craque croata Luka Modrić, a canção chamada… “Modrić” desmonta qualquer clichê de futebol com ironias tipo “o Modrić tá ficando velho… você perdeu… era camisa dez”, enquanto mistura rinite e propaganda de banco. É dor, mas com um sorriso torto de escárnio. E a bateria do Theo Ceccato ali, tentando segurar o irônico sem escorregar, eis um equilíbrio que chama atenção. Já em “Enel” tem um ar de tormento existencial, sucumbindo aos pequenos ruídos da vida urbana. Essa é uma banda que grita São Paulo, meo.
A Pelados tem esse truque de transformar pop esquisito em colagem pegajosa. “Estranho Efeito” é o exemplo perfeito. Há um minimalismo hipnótico que repete “Você… choques que parecem desastres… Você, um susto que eu gosto”. Parece uma mensagem no escuro, e quando você acorda, já está cantando junto. Uma música esquisita e grudenta, na dose certa.

“WhatsApp 2” traz o vício contemporâneo cabeado nos versos: “Você é chato, mas eu quero transar com você”. É o Tinder, o incômodo, o desejo – tudo num loop eletrônico com Helena e Manu Julian (com um vocal menos convencional, por vezes soando uma versão pop de Kim Gordon) entre sintetizadores e captação distante. É como se a música fosse uma DM emocional em forma de batida digital. Essa banda entende de acesso: sabe que esquisito não precisa ser inacessível.
Nas faixas finais, o disco parece se despregar um pouco da forma. “E aí, Beleza?” – referenciando “Hi, How Are”, de Daniel Johnston – e “Music Is Supposed To Be Fun” soam meio soltas, menos que narrativas e mais que riffs de insanidade. A Pelados espicha a forma até ela quase rasgar e fica bonito ver o esforço, os pedaços, a imperfeição como estética deliberada.
Todo esse mosaico de referências – do pop ultramoderno ao eletrônico experimental – rende um dos momentos mais acessíveis de “música esquisita” que ouvi este ano. Contato é esquisito, sim, mas acolhedor. Tem humor, afeto, desalinho. E sabe o que isso significa? Que essa trupe talvez escape da bolha indie da noite paulistana, como já faz sua banda prima, a Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo – que já traz na linha genética Vicente na guitarra e Theo nas baquetas.
No fim das contas, Contato tem aquele sabor de diversão casual, não é um disco que vai mudar o mundo, mas dá vontade de escutar de novo. Eles, com certeza, se divertiram fazendo essas canções – e fazendo esses títulos engraçadinhos –, e esse prazer transborda em cada clique de sintetizador e batida torta. Talvez não seja o disco mais sensacional que já ouvi, mas alguma faixa pode ficar remoendo na cabeça, nos pés, causando um impulso quase involuntário de fazer uma dancinha esquisita.
Leia sobre outros discos:
Deixe uma resposta