Crítica - Five Nights at Freddy’s é feita pra fãs e só pra eles
Universal Pisctures/Divulgação

Crítica | Five Nights at Freddy’s é feito pra fãs e só para eles

Inspirado na franquia de videogame conhecida por seus bonecos animatrônicos possuídos, teorias discutidas em fóruns na internet e uma legião de fãs, Five Nights at Freddy’s – O Pesadelo Sem Fim estreou na última quinta-feira (26), após uma longa e conturbada produção que durou 7 anos. Se por um lado, o produto final consegue ser suficiente para agradar os fãs, esse filme não foi feito para não iniciados.

Estrelado por Josh Hutcherson (“Jogos Vorazes”) como Mike, acompanhamos um jovem adulto atormentado por um trauma de sua infância que o faz revisitar o sequestro de seu irmão mais novo em seus sonhos todas noites. Sem emprego e ter condições para cuidar de sua irmã mais nova, Abby (Piper Rubio), ele aceita um emprego de segurança numa unidade abandonada da pizzaria Freddy Fazbear, cuja principal atração eram bonecos em tamanho real dos personagens da lanchonete. À noite, no entanto, os animatrônicos ganham vida e passam a atormentar qualquer humano que esteja no local.

Toda essa introdução é bem rápida e logo entramos ao que interessa. A ambientação da pizzaria desativada, a fotografia e até mesmo a visão do monitor que Mike monitora, são muito fiéis ao jogo. No entanto, a fidelidade visual acompanhou consigo uma necessidade dos realizadores de agradar os fãs da mitologia da franquia, logo em seu primeiro longa. Isso quer dizer que, nada de um filme de terror trash com animatronicos bizarros, mas um drama não muito convincente com atores, no mínimo, medianos.

Five Nights at Freddy’s é feito apenas para iniciados

Para quem está perdido nessa franquia de jogos de terror, saiba que Five Nights at Freddy’s Nasceu em 2014 e leva o jogador para sobreviver a ataques de animatrônicos possuídos. Com mecânicas simples e sustos impactantes – jumpscares – , o jogo inicial conquistou o YouTube e originou uma saga repleta de continuações, livros complementares, além de impulsionar uma comunidade fervorosa de teorias sobre a mitologia e até mesmo na criação de diversas fanfics.

Pois bem, para a adaptação da franquia para o cinema, o criador do jogo, Scott Cawthon, teve envolvimento direto no filme. Além de assinar a produção, ele também é um dos roteiristas do longa. Aliás, se a produção do filme foi tortuosa e demora é muito por conta de Cawthon, que recusou diversos roteiros até chegar a esse que assistimos em O Pesadelo Sem Fim.

Essa crítica é uma avaliação do filme, apenas sobre ele

Antes de avançar na crítica, é importante ressaltar que minha experiência com a franquia foi apenas ter jogado algumas horas do primeiro jogo e tomado alguns sustos. Ou seja, não sou um fã e tampouco conheço a fundo essa mitologia transmidiática de Five Nights at Freddy’s.

Para ser justo com esse texto entrei em contato com alguns fãs para entender melhor sobre a importância dessa franquia para o público mais jovem. O estudante de ciências da computação Leonardo Barros, de 18 anos, por exemplo, cresceu com a franquia. Ele conheceu aos 10 anos e foi jogando os jogos em paralelo que ia acompanhando canais de Youtube sobre a franquia. Com o passar dos anos ele começou a ouvir a banda The Living Tombstone, que é composta por outros fãs, além de ser um assíduo em acompanhar teorias de influencers de Five Nights at Freddy’s. Mais que um filme um novo filme de terror, para Barros, essa adaptação para o cinema é a realização do sonho de alguém que acompanha a franquia desde o fim da infância.

Tudo isso posto, posso dizer com toda a convicção que esse é um filme incapaz de genuinamente agradar o público que não está imerso neste universo. O que é uma pena, porque com os elementos apresentados, existia potencial para algumas abordagens diferentes e divertidas dentro do gênero.

Muito papo e pouca morte

A ideia de robôs que ganham vida e podem matar quem invade o restaurante não é nada inovadora, mas funciona como um jogo e funcionaria muito bem como um filme de terror. No entanto, para isso, o longa deveria abraçar de vez o trash que essa premissa emada, entregando cenas de mortes violentas e criativas e aquele gora que os fãs do gênero gosta.

Curiosamente, o filme de Emma Tammi – que também é uma das roteiristas – tem como principal interesse se aprofundar no trauma de Mike e seus dramas pessoais, dando assim mais tempo de tela em cenas de sonhos/pesadelos e dinâmicas fora da pizzaria, que no local mais interessante e supostamente mais assustador do filme.

Optando por essa direção, além de afastar do terror o filme passa a se tornar dependente das atuações. Avaliando com boa vontade, dá para ver um esforço de Hutcherson como protagonista do longa, mas evidentemente trata-se de um ator com limitações dramáticas, além de lhe faltar carisma. O resto do elenco é pior, pois além de atores fracos, eles são mal escritos.

Sem entrar em spoilers, as personagens de Mary Stuart Masterson (Aunt Jan) e Elizabeth Lail (Vanessa Monroe), que interpretam a tia Abby que briga pela guarda da criança e uma policial, respectivamente, servem apenas para preencher o tempo de tela, em detrimento aos robôs, o que realmente interessa.

Matthew Lillard (“Pânico”, “Scooby-Doo”) parece ser o único a entender que trata-se de um filme de robôs possuídos assassinos e nunca se leva tanto a sério. O que é uma pena, porque tanto o ator, quanto o trabalho da lendária equipe do Jim Henson’s Creature Shop (“Os Muppets”), que construiu os robôs de verdade para dar-lhes autenticidade, é incrível. Eles deveriam ser melhor utilizados.

Decisão comercial

Toda essa série de problemas listados acima são, na verdade, propositais. Os criadores dessa adaptação não se importaram com o produto como um filme que se sustenta por si, mas como mais uma mídia para consumo dos fãs da franquia, tanto que sua classificação indicativa de 14 anos – vale lembrar que a classificação indicativa dos jogos segue a mesma linha – permite com que grande parte do seu público vá aos cinemas. Essa decisão, evidentemente afeta no filme, que esconde as mortes e o sangue, mas é comercialmente coerente.

Eu prefiro a cópia

Mesmo compreendo os motivos comerciais, é frustrante uma produção de terror com um orçamento interessante para o gênero não se dar nem ao trabalho de entregar um produto bom. Se não pode ter sangue, Tammi poderia entregar momentos mais tensos em sua direção, trabalhar com a sugestão e o suspense. Mas esse é um filme de terror que não tem cena assustadora e sequer possuem cenas de susto boas.

Aliás, foi pensando no potencial desperdiçado de O Pesadelo Sem Fim que lembrei de “Willy’s Wonderland – Parque Maldito”, um filme que, veja só: é protagonizado por um zelador (interpretado por Nicolas Cage) de um parque de diversões desativado que é repleto de animatrônicos assassinos. Sim, essa filme é um plágio descarado de Five Nights at Freddy’s, e mesmo longe de ser uma maravilha, ele entrega diversão, algo que o original não consegue.

https://www.youtube.com/watch?v=-09kvTAvTUc

Se você é fã está tudo bem

De maneira geral, Five Nights at Freddy’s – O Pesadelo Sem Fim é o início de uma franquia em potencial, com prováveis novos filmes nos próximos anos. Se você é um fã franquia, não deixe de conferir a produção nos cinemas e tirar suas próprias conclusões. No entato, mas caso não seja, assista por sua conta em risco, pois trata-se de uma obras com maior potencial desperdiçado lançados em 2023.

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.