Crítica | FKA Twigs transforma o corpo e a alma em 'Eusexua'
Eusexua/Divulgação

Crítica | FKA Twigs transforma o corpo e a alma em ‘Eusexua’

FKA Twigs tem se destacado ao longo dos anos por sua abordagem ousada à música pop experimental. Sua habilidade em misturar sonoridades eletrônicas, movimentos visuais e temas de introspecção estabeleceu a cantora como uma das artistas mais criativas da sua geração. Com seu aguardado terceiro álbum de estúdio, Eusexua, Twigs vai ainda mais longe em sua exploração do corpo, do desejo e da transcendência, criando um trabalho profundamente imersivo que leva os ouvintes a um novo nível de experiência sensorial.

Desde o lançamento de “MAGDALENE” em 2019, FKA Twigs havia se distanciado um pouco das grandes produções para abraçar um caminho mais pessoal e introspectivo, especialmente com a mixtape “CAPRISONGS”, de 2022. Agora, com Eusexua, ela retorna a um território mais físico, pulsante e quase ritualístico, usando a pista de dança como um dos principais cenários de seu universo sonoro.

O disco é uma celebração do hedonismo e da autoexploração, onde o conceito de eusexua — um estado transcendental de euforia alcançado por meio de conexão física, seja através do sexo, da meditação ou da dança — se desdobra faixa a faixa, guiando a audiência por uma viagem de empoderamento e vulnerabilidade.

Hipnótica

Logo nas primeiras faixas, fica claro que Eusexua não é um álbum para ser ouvido de maneira passiva. A produção é uma das mais ousadas da carreira de Twigs, imersa em atmosferas densas e inebriantes. O título do álbum já define a vibe do projeto: uma celebração da sensualidade e da espiritualidade, que se torna mais concreta na combinação de batidas eletrônicas pulsantes com arranjos quase etéreos.

Em músicas como a faixa-título “Eusexua” e “Girl Feels Good”, a artista usa camadas de sintetizadores e percussões rítmicas para construir um ambiente que lembra uma cerimônia de dança, onde os corpos podem se perder e se encontrar no ritmo da música.

Com uma produção que mistura techno, house progressivo e sonoridades atmosféricas, o álbum evoca uma sensação de movimento constante. Cada faixa parece estar em constante transformação, como se estivesse tentando ultrapassar os limites do físico e do emocional. Em “Drums of Death”, a percussão industrial e a energia crua da música se combinam com letras desafiadoras, criando uma sensação de caos e libertação. Já “Room of Fools” desacelera o ritmo, com uma batida mais grave e um sub-bass que faz a música pulsar no fundo, enquanto a voz de Twigs flutua entre o real e o transcendente. A produção, de maneira geral, é uma mistura cuidadosa de texturas, onde o experimentalismo não esconde a força da narrativa emocional.

Libertação e vulnerabilidade

O conceito central de Eusexua gira em torno do empoderamento e da liberdade emocional e física. Cada faixa do álbum é uma meditação sobre os diferentes aspectos do desejo humano, com destaque para a vulnerabilidade que vem com a entrega ao outro — seja em um contexto amoroso ou sexual. Na faixa “Perfect Stranger”, por exemplo, Twigs brinca com a ideia de intimidade passageira, com uma batida leve e hipnótica que ressoa com um certo desapego, sugerindo que nem toda conexão precisa ser profunda para ser significativa. “I don’t know and I don’t care” (Não sei e não me importo, em tradução livre) canta ela com uma leveza cativante, celebrando a liberdade da experiência sem expectativas.

Essa libertação atinge seu ápice em “Girl Feels Good”, que surge como um verdadeiro hino de celebração do poder feminino. A música é direta em seu elogio ao prazer e à confiança, onde a artista canta: “When a girl feels good, it makes the world go ‘round” (Quando uma garota se sente bem, o mundo gira, em tradução livre). Essa afirmativa é um grito de empoderamento que reverbera ao longo do álbum, desafiando normas e quebrando tabus com uma energia sedutora e intensa.

Crítica | FKA Twigs transforma o corpo e a alma em 'Eusexua'
Youtube/Reprodução

Por outro lado, faixas como “Striptease” mostram a vulnerabilidade que surge ao nos abrirmos completamente para o outro. Aqui, a produção mais suave e envolvente cria um espaço onde a sensualidade e a introspecção se encontram, fazendo o ouvinte refletir sobre a dor e o prazer de se despir emocionalmente. “Me abrir é como um striptease”, canta Twigs, e a cada camada de som removida, mais ela se revela ao público — ao mesmo tempo em que cria uma distância segura entre ela e a audiência.

Colaborações

FKA Twigs sempre teve um cuidado especial com suas colaborações, e Eusexua não é diferente. Em “Drums of Death”, a parceria com o produtor e DJ Koreless se revela crucial para a construção de uma das faixas mais intensas do álbum. A produção de Koreless, que já é conhecida por seu trabalho no gênero eletrônico experimental, complementa perfeitamente a energia da música, criando um cenário sonoro que explora os limites da percussão e do caos controlado.

Além disso, “Childlike Things” marca uma colaboração inusitada com North West, filha do rapper Ye e da influenciadora Kim Kardashian. Sua participação traz um toque de mistério e leveza à faixa, especialmente com seus versos em japonês, que oferecem uma camada extra de exotismo e frescor ao som da música. Embora breve, sua colaboração serve como uma pausa poética e encantadora, ajudando a balancear a intensidade emocional do álbum.

A filosofia de Eusexua

Ao longo de todo o álbum, FKA Twigs cria um universo sonoro que se distancia da narrativa tradicional e se aproxima mais de uma experiência imersiva e emocional. O conceito de eusexua permeia a obra de maneira quase filosófica. Não é apenas sobre sexo ou dança, mas sobre o encontro consigo mesmo e com o outro de uma maneira intensa e sem restrições. A artista convida o ouvinte a se entregar a esse espaço de liberdade, sem medo de explorar as profundezas de seus desejos e emoções.

Eusexua é, portanto, mais que um álbum; é uma experiência sensorial. FKA Twigs reforça sua posição como uma das artistas mais inovadoras de sua geração, mais uma vez quebrando barreiras e desafiando as convenções da música pop e experimental. Eusexua não é apenas uma coleção de músicas, mas uma jornada emocional e física que exige ser vivida de forma plena. Como ela mesma canta na faixa final, Wanderlust: “You’ve one life to live do it freely” (Você só tem uma vida, viva livremente, em tradução livre). E é exatamente isso que Twigs nos oferece com este álbum: a chance de viver sem amarras, explorando os limites de quem somos e do que podemos ser.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.