O cineasta Leigh Whannell ficou conhecido por sua reinvenção do terror clássico “O Homem Invisível” ao dialogar o tema fantástico com uma abordagem voltada para o terror psicológico de relacionamentos abusivos. Cinco anos depois ele volta ao terreno do horror com uma proposta ambiciosa: atualizar o mito do Lobisomem.
Sua tentativa de trazer uma visão contemporânea da clássica criatura da Universal, em vez de nos envolver com uma reinterpretação aterrorizante, o filme parece escorregar em algumas das premissas que promete. O que se desenhava ser uma análise da luta interna de um homem contra sua própria monstruosidade se transforma em algo mais disperso, onde os efeitos práticos e as boas intenções não conseguem superar a falta de profundidade.
Transformação física e psicológica
Logo de início, o filme nos joga em uma narrativa que mistura o horror físico com o psicológico, propondo uma história de transformação – mas não aquela que estamos acostumados a ver nos filmes clássicos.
Em Lobisomem, a transformação não é apenas a transformação de Blake (Christopher Abbott) em um ser monstruoso, mas a transformação da própria dinâmica familiar. Ele, um homem que luta contra os efeitos de uma doença hereditária, se vê perdido entre os instintos humanos e os predadores animalescos que começam a se manifestar nele, uma metáfora clara de como as falhas de um indivíduo podem afetar os que estão ao seu redor.
O enredo é simples e direto. Blake e sua esposa, Charlotte (Julia Garner), viajam com a filha Ginger (Matilda Firth) para uma remota cidade de Oregon para lidar com os bens do pai falecido de Blake. Esse cenário isolado, por si, já nos coloca numa atmosfera estranha, quase de confinamento, onde cada movimento da câmera parece nos aproximar da loucura iminente.
Imersão na mente do protagonista
O grande trunfo de Whannell, aqui, está na maneira como ele utiliza a câmera para se aproximar de Blake, quase como se a lente fosse uma extensão de sua própria consciência, guiando o espectador para dentro de sua mente, enquanto ele começa a perceber que algo não está certo com seu corpo.
Há algo visceral e quase claustrofóbico na maneira como Whannell conduz as cenas, principalmente quando Blake começa a experimentar suas habilidades alteradas. Ele faz isso de forma brilhante, com a câmera oscilando, quase perdendo o equilíbrio junto com o protagonista, em momentos de desorientação.
Esse tipo de técnica, que pode parecer simples à primeira vista, acaba sendo uma forma extremamente eficaz de criar empatia com a dor física e emocional de Blake. Quando ele ouve algo à distância, a câmera se move na direção do som, imitando seu aumento de percepção. A luz também é trabalhada de maneira interessante: ela é excessiva, saturada, criando um efeito quase onírico, que remete a uma sensação de que as coisas estão se tornando irreais, como se a realidade estivesse sendo distorcida.
No entanto, o que começa com uma proposta promissora, onde o horror é imerso na atmosfera, começa a se perder conforme o filme avança. Quando Blake se vê confrontado com os primeiros sinais de sua transformação, o filme decide dar uma guinada mais explícita para o gore.
O body horror — horror corporal — , gênero tão poderoso quando bem explorado, aparece com uma força brutal. Os efeitos práticos são impressionantes, e a maquiagem de transformação do protagonista é de arrepiar. O problema, contudo, é que o filme parece mais interessado em mostrar o grotesco do que em construir uma conexão emocional com o público. A metamorfose de Blake é de fato horrível de se ver, mas falta-lhe a profundidade necessária para que o público se sinta verdadeiramente incomodado com a tragédia de sua situação.
Esse é o maior desafio de Lobisomem: a falta de um centro emocional forte. A trama se propõe a ser mais do que uma história de terror, querendo explorar a relação de Blake com sua família, mas acaba se perdendo nas reviravoltas e no ritmo acelerado de seus eventos. O relacionamento entre Blake e sua filha Ginger, que inicialmente parecia promissor, começa a esfriar à medida que o filme se desenrola.
O maior erro aqui é a forma como a esposa de Blake, Charlotte, é tratada. Ela se mantém uma espectadora passiva durante todo o processo, sendo uma figura que, mesmo diante da ameaça iminente, não parece ser muito mais do que uma espectadora da própria história que ela deveria estar ajudando a construir. Sua atuação e presença no enredo são tão vazias quanto a sua personagem, o que resulta em um grande desperdício de talento de Julia Garner.
Por mais que o filme tenha uma proposta interessante ao posicionar a doença de Blake como uma alegoria para o fracasso pessoal e familiar, ele não consegue ir além da superfície. Diminuindo o peso metafórico do corpo de Blake se tornando uma prisão para sua família – e a luta para controlar essa monstruosidade interna – poderia ser um excelente ponto de partida para uma reflexão profunda sobre a identidade, o medo da perda de controle e o instinto de autopreservação. No entanto, o que vemos é uma repetição de cenas de perseguição e tensão, um vaivém constante de fugir e confrontar, sem nunca criar algo realmente novo ou com uma carga emocional capaz de impactar de verdade.
Lobisomem de Whannell pode modernizar, mas não marca
Em uma tentativa de modernizar um clássico do terror, Whannell perde o ponto de equilíbrio entre o terror físico e psicológico. Em sua tentativa de reformular o monstro, ele acaba se afastando de suas próprias raízes, esquecendo-se de que a verdadeira transformação não está apenas no que se vê na tela, mas no que se sente ao olhar para aquele ser humano, agora monstruoso, em sua essência. Ao final, Lobisomem é um filme que se propõe a muito, mas que acaba sendo uma reflexão incompleta sobre a monstruosidade e o medo, como uma transformação que nunca chega a ser plena – uma metamorfose inacabada.
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