Crítica | Missão Impossível - O Acerto Final: Epopeia bagunçada se salva pela ação espetacular
Paramount Pictures/Divulgação

Crítica | Missão Impossível – O Acerto Final: Epopeia bagunçada se salva pela ação espetacular

Tom Cruise e Christopher McQuarrie já provaram, ao longo de sete filmes, que sabem como reinventar a franquia Missão Impossível sem perder sua essência: ação espetacular, personagens carismáticos e uma narrativa que, mesmo cheia de reviravoltas, nunca deixa o espectador se perder completamente. Em Missão Impossível – O Acerto Final, no entanto, a dupla parece ter sucumbido ao próprio peso da mitologia que criaram. O filme é um épico de quase três horas que tenta fechar todas as pontas soltas da saga, mas, no processo, acaba se perdendo em seu próprio deslumbramento.

Desde que McQuarrie assumiu as rédeas da franquia com “Missão Impossível – Nação Secreta” (2015), a série encontrou um equilíbrio quase perfeito entre espetáculo e storytelling. Os filmes eram complexos o suficiente para manter o público engajado, mas nunca perdiam o ritmo em meio a explicações labirínticas. Em O Acerto Final, porém, há uma mudança sensível de prioridades. O roteiro, assinado pelo próprio McQuarrie e Erik Jendresen, parece mais interessado em amarrar cada ponta solta da mitologia da série do que em entregar uma experiência coesa. O resultado é um filme que oscila entre momentos de puro êxtase cinematográfico e longos trechos de exposição cansativa.

A premissa, como quase sempre, é simples: Ethan Hunt (Cruise) e sua equipe precisam destruir a Entidade, uma Inteligência Artificial (IA) que ameaça controlar os sistemas nucleares do mundo. Se isso soa familiar, é porque O Acerto Final dá continuidade direta aos eventos de “Missão Impossível – Acerto de Contas Parte 1”. A diferença é que, enquanto o antecessor mantinha um tom ágil e quase despretensioso, este novo capítulo se esforça para ser um épico grandioso, repleto de discursos sobre destino, sacrifício e o peso das escolhas. Há uma ironia nisso, já que a franquia sempre se destacou justamente por evitar o tom solene de outras séries de espionagem.

Um dos problemas mais evidentes é a forma como o filme lida com sua própria mitologia. McQuarrie insiste em conectar eventos deste filme a momentos dos sete anteriores, muitas vezes de maneira forçada. Flashbacks recorrentes, montagens de cenas antigas e até mesmo diálogos que revisitam passagens obscuras da saga interrompem o fluxo da narrativa. Em um momento particularmente desnecessário, a data de lançamento do primeiro “Missão Impossível” (1996) é transformada em uma peça-chave do enredo. É como se o diretor não confiasse que o público lembrasse dos filmes anteriores — ou pior, como se ele mesmo não conseguisse deixar o passado para trás.

Essa obsessão em fechar todas as lacunas acaba minando um dos maiores trunfos da franquia: sua capacidade de reinventar-se a cada filme. Missão Impossível sempre foi sobre o presente, sobre a urgência de Ethan Hunt resolver uma crise agora, sem se preocupar demais com o que veio antes. Em O Acerto Final, no entanto, o peso do legado parece sufocar a energia que normalmente impulsiona a história. Até mesmo as cenas de ação, tradicionalmente o ponto alto da série, são interrompidas por explicações redundantes ou por cortes para personagens secundários discutindo consequências geopolíticas em salas fechadas.

Falando em ação, é aqui que o filme ainda consegue brilhar — quando permite. Existe uma sequência do biplano é um espetáculo à parte, filmado com uma clareza rara em blockbusters modernos. A câmera acompanha Cruise de forma quase documental, sem cortes bruscos ou efeitos digitais evidentes, reforçando a fisicalidade do momento.

Outro destaque é a cena no submarino naufragado, onde a fotografia de Fraser Taggart usa tons azulados e verdes para criar uma atmosfera, que muda de tom de acordo com os compartimentos que o protagonista vai entrando no veículo. Essa sessão do filme e mudança de tom de cores criam algo quase onírico, como se Ethan estivesse à beira de um abismo literal e metafórico.

Mas nem mesmo essas sequências escapam totalmente dos excessos narrativos. Enquanto em filmes anteriores as missões eram apresentadas de forma simples (“roube isso”, “capture aquele”), aqui cada plano é explicado em detalhes desnecessários, como se o roteiro temesse que o público não acompanhasse. Em certo ponto, há uma discussão de quase cinco minutos sobre um dispositivo que, no fim, funciona exatamente como qualquer espectador imaginaria. É um sintoma de um problema maior: O Acerto Final não parece confiar na inteligência do público, preferindo sobrecarregar a trama com informações supérfluas em vez de deixar a ação falar por si.

Os personagens também sofrem com essa abordagem. Ving Rhames e Simon Pegg, normalmente fontes de alívio cômico e humanidade, estão presos a diálogos expositivos ou a momentos de drama forçado. Hayley Atwell, que em Acerto de Contas Parte 1 trazia uma energia cativante ao grupo, aqui parece relegada a um papel mais reativo. Até mesmo Esai Morales, no papel do vilão Gabriel, acaba desperdiçado — sua performance é competente, mas o personagem oscila entre motivações vagas e um passado mal explorado com Ethan.

Curiosamente, o filme parece mais à vontade quando abraça seu próprio ridículo. Há uma cena em que Cruise, após sobreviver a pressão e o frio de um lago, emerge das águas, filmado de cabeça para baixo, em câmera lenta, como um herói renascido. É um momento tão exagerado que chega a ser divertido, e funciona justamente porque a franquia sempre soube equilibrar realismo e fantasia. O problema é que O Acerto Final muitas vezes tenta disfarçar esses excessos com um tom grave, como se cada frame precisasse carregar o peso de 30 anos de história.

Não ajuda o fato de que o filme, em sua ânsia de ser um épico global, acaba escorregando em um patriotismo deslocado. A inclusão de Israel na trama, por exemplo, parece mais um checklist geopolítico — no mínimo, problemático — do que uma escolha orgânica. São decisões que revelam uma certa falta de confiança no cerne da história: a luta de Ethan contra um sistema que sempre vê vidas como números em uma equação.

Talvez o maior paradoxo de O Acerto Final seja que, mesmo com todos esses problemas, ele ainda consegue ser um filme emocionante em vários momentos. Quando McQuarrie e Cruise focam no que sabem fazer melhor — sequências de ação inventivas, ritmo acelerado, personagens carismáticos em situações impossíveis —, o resultado é puro cinema pipoca. A cena final, em particular, é uma montanha-russa de tensão e resolução que justifica sozinha a ida ao cinema.

Mas é impossível ignorar a sensação de que a franquia, ao tentar se tornar algo maior, perdeu um pouco daquilo que a tornou especial. Missão Impossível nunca precisou ser “O Senhor dos Anéis” do cinema de espionagem — seu charme sempre esteve na simplicidade com que entregava complexidade. Em seu esforço para ser o capítulo definitivo, O Acerto Final acaba provando que, às vezes, menos realmente é mais.

No entanto, mesmo com todas as ressalvas, há algo admirável na teimosia com que Cruise e McQuarrie continuam desafiando as leis da física (e da lógica narrativa). Se este for mesmo o fim da jornada de Ethan Hunt, pelo menos ele sai com a mesma determinação com que começou: correndo, literalmente, contra o impossível.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.