Eu cresci assistindo aos filmes do Karatê Kid na Sessão da Tarde. Não era fã, mas tinha um certo carinho pela franquia – aquela simpatia despretensiosa que se forma quando algo faz parte da sua infância, mesmo sem te marcar profundamente. Lembro do encanto simples de ver Daniel LaRusso (Ralph Macchio) aprendendo a lavar carros e esfregar pisos enquanto, sem saber, treinava karatê. Lembro do soco no ar que eu dava, sozinho na sala, quando ele aplicava o golpe da garça no torneio final. Era um filme que não exigia demais da minha atenção, mas que, de alguma forma, ficou guardado na memória afetiva. Por isso, quando Karatê Kid: Lendas chegou, resolvi dar uma chance. Não era exatamente animação – afinal, como fã casual, não tinha expectativas altas – mas ainda assim, uma pequena esperança de que o filme capturasse um pouco daquele espírito simples e cativante dos originais. O que encontrei, porém, foi um produto que parece ter sido montado em linha de produção: rápido, eficiente e completamente sem alma.
A nostalgia, quando bem utilizada, pode ser uma ferramenta poderosa. Ela nos lembra do que amamos e, quando feita com cuidado, pode até expandir esse amor para algo novo. Mas quando mal executada, vira só um truque barato – um jeito fácil de esconder a falta de ideias originais. E é exatamente isso que acontece aqui. O filme não quer conversar comigo como espectador; só quer que eu reconheça referências e sinta um frio na espinha ao ouvir uma frase icônica repetida sem contexto. Pior: parece achar que isso basta.
E talvez baste para alguns. Afinal, franquias como essa não vivem de críticas, mas de fãs que consomem qualquer coisa com o nome Karatê Kid estampado. Só que, mesmo para alguém como eu – que nunca foi devoto da saga, mas que guarda um certo afeto por ela –, é difícil não sentir um pouco de decepção. Porque no fundo, mesmo sem ser fã, eu ainda queria que o filme fosse bom. Que me fizesse sentir um décimo do que senti quando criança. Mas, como o próprio Mr. Miyagi diria: “Não existe karatê ruim. Existe karatê sem coração.” E esse, infelizmente, é um filme sem coração.
Karatê Kid sempre foi construído sobre a figura do underdog. Desde Daniel LaRusso, o garoto que aprendeu karatê para se defender dos valentões, até Dre Parker (Jaden Smith), que enfrentou o desafio de ser um estrangeiro em Pequim, esses personagens carregam uma essência em comum: a busca por identidade e respeito através das artes marciais. O novo protagonista, Li Fong, interpretado por um ator com carisma (Ben Wang) mas pouco material para trabalhar, segue a mesma fórmula. No entanto, enquanto os filmes anteriores exploravam conflitos sociais e culturais de maneira orgânica, Lendas reduz seu drama a uma rivalidade amorosa e a um trauma mal desenvolvido – a morte do irmão de Li, um elemento que deveria ser emocionalmente impactante, mas que é tratado com a profundidade de uma nota de rodapé.
O vilão da vez, Connor Day (Aramis Knight) é mais uma tentativa frustrada de Johnny Lawrence. O cara é filho de um agiota barra pesada, ele resolve tudo na base da agressão, e claro, é o ex-namorado babaca de Mia (Sadie Stanley), a mocinha da vez.

Para ser justo, existe uma dinâmica boa entre Jackie Chan e Macchio, mas essa mistura das duas artes marciais pouco é funcional do que para um golpe em específico – que é bom – uma pena que o mesmo, quando executado no filme é extremamente mal dirigido, acabando com a própria construção dele durante a fase de treinamento.
Tecnicamente, o filme também peca por sua falta de identidade visual. As cenas de luta, que deveriam ser o grande atrativo, são filmadas e editadas de maneira caótica. Cortes rápidos, ângulos fechados e slow motions mal utilizados escondem mais do que revelam, deixando a impressão de que os realizadores não confiam na habilidade dos atores ou no interesse do público em acompanhar uma coreografia bem executada. Compare-se com o original, onde cada golpe tinha peso e cada movimento era filmado com clareza – mesmo que os movimentos sejam menos exigentes –, permitindo que o espectador sentisse a intensidade do confronto. Em Lendas, as lutas parecem montagens de vídeos de treino do YouTube – dinâmicas, mas vazias de emoção.
A fotografia, que poderia compensar algumas dessas falhas, também não ajuda. A escolha de uma paleta de cores frias e neutras dá ao filme um aspecto genérico, como se ele pudesse se passar em qualquer cidade do mundo. Nova Yorque, que deveria ser um cenário vibrante e cheio de personalidade, é reduzida a algumas tomadas de cartão postal, sem integrar-se de fato na narrativa. É uma pena, porque locações bem utilizadas podem enriquecer muito uma história – algo que o remake de 2010 soube fazer ao transformar Pequim em um personagem secundário, com seus becos, templos e contrastes culturais.

A de Jonathan Entwistle direção, por sua vez, parece mais preocupada em cumprir prazos do que em criar algo memorável. As cenas dramáticas são tratadas com uma pressa que beira o desleixo, com diálogos expositivos e close-ups prolongados que mais atrapalham do que aprofundam a conexão com os personagens. A trilha sonora, composta majoritariamente por sintetizadores genéricos, também não ajuda.
Um dos aspectos mais frustrantes do filme é sua tentativa de modernizar a linguagem cinematográfica de maneiras que mais distraem do que agregam. A decisão de incluir um placar durante as lutas, como se fossem partidas de eSports, é um exemplo claro disso. Em vez de mergulhar no conflito humano por trás dos golpes, o filme prefere transformar tudo em um jogo, como se o público não fosse capaz de se envolver sem esse artifício. O resultado são sequências que poderiam ser tensas e emocionantes, mas que acabam parecendo cutscenes de um jogo mobile – rápidas, coloridas e completamente descartáveis.
E então há a nostalgia, esse recurso tão poderoso quanto perigoso. Lendas não resiste à tentação de incluir referências e cameos, mas eles são tão mal integrados que mais parecem checklists de marketing do que elementos narrativos orgânicos. Quando um personagem clássico aparece, é menos para servir à história e mais para arrancar um suspiro de reconhecimento da plateia. E a cena pós-créditos, que tenta fazer uma piada sobre a industrialização do cinema, acaba soando como um acidente irônico – a franquia rindo de sua própria falta de originalidade, sem oferecer nada novo em troca.

Chegando nessa parte da crítica pode parecer que odiei e que minha experiência foi péssima, mas não, foi uma sessão até divertida, mas esse é justamente o maior problema de Karatê Kid: Lendas, ele é medíocre. Ele não falha de maneira estrondosa, mas também não acerta o suficiente para justificar sua existência. É um filme que parece ter sido feito por algoritmos, reunindo todos os elementos que teoricamente deveriam agradar aos fãs, mas sem a paixão ou o cuidado necessários para transformá-los em algo maior. E talvez essa seja a lição mais importante aqui: nostalgia pode ser um ponto de partida, mas nunca deve ser o destino. Se a franquia quiser continuar relevante, precisará encontrar uma maneira de honrar seu passado sem ficar presa a ele. Caso contrário, corre o risco de se tornar apenas mais uma lembrança desbotada em um mar de reboots e revivals esquecíveis.
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