Crítica | Thunderbolts* é o filme que o MCU merece, mas não precisa
Marvel Studios/Divulgação

Crítica | Thunderbolts* é o filme que o MCU merece, mas não precisa

Há uma cena em Thunderbolts* em que Florence Pugh, no papel da espiã russa Yelena Belova, encara um espelho embaçado e parece questionar não só seu lugar no mundo, mas o próprio propósito do filme em que está inserida. Essa cena, curiosa e involuntariamente metafórica, resume bem o que é a mais nova empreitada da Marvel Studios: uma tentativa de olhar para si mesma e encontrar algo que justifique sua existência. O resultado? Um prato requentado, com tempero novo, mas que ainda assim não disfarça o sabor de algo que já foi melhor quando fresco.

O Universo Cinematográfico Marvel (MCU), é claro, já foi sinônimo de evento cinematográfico inescapável. Os filmes eram aguardados com ansiedade, discutidos por meses, e cada pós-crédito era tratado como uma revelação divina. Hoje, porém, o MCU parece um viajante perdido no deserto, tentando desesperadamente reencontrar o caminho. Thunderbolts* é mais uma parada nessa jornada, um experimento que mistura anti-heróis secundários, temas de saúde mental e uma pitada de Esquadrão Suicida — tudo isso embrulhado no visual desbotado que virou padrão do estúdio.

O filme reúne personagens que, até então, ocupavam papéis coadjuvantes no universo Marvel: John Walker/Agente Americano (Wyatt Russell), Yelena Belova/Viúva Negra (Pugh), Alexei Alanovich Shostakov/Guardião Vermelho (David Harbour), Bucky Barnes/Soldado Invernal (Sebastian Stan), Fantasma (Hannah John-Kamen) e Treinadora (Olga Kurylenko). O grupo é reunido por Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus) — e o elenco ainda vai conta com Lewis Pullman como Bob/Sentinela.

Crítica | Thunderbolts* é o filme que o MCU merece, mas não precisa
Marvel Studios/Divulgação

A ideia, em tese, é interessante: um esquadrão de figuras moralmente ambíguas, unidas não por heroísmo, mas por interesses obscuros ou simples falta de opção. O problema é que, apesar do potencial, o grupo nunca realmente funciona. Além disso, essa fórmula, em 2025, depois de duas versões do Esquadrão Suicida e três filmes de Guardiões da Galáxia, está bem cansada.

Pugh carrega o filme com uma performance que oscila entre o melancólico e o sarcástico, mas os demais membros parecem estar ali por obrigação contratual, não por uma dinâmica orgânica. David Harbour repete o mesmo tom caricato de “Viúva Negra”, Stan parece ter sido transportado de outra narrativa sem muita cerimônia, e Wyatt Russell, apesar de competente, não consegue escapar da sombra do próprio personagem em “Falcão e o Soldado Invernal”.

Crítica | Thunderbolts* é o filme que o MCU merece, mas não precisa
Marvel Studios/Divulgação

Falta química, falta conflito genuíno, falta aquela centelha que fazia até os filmes mais fracos da Fase 3 do MCU funcionarem. Em vez disso, temos diálogos expositivos que soam como recados para o público — como se o roteiro não confiasse que os espectadores lembrassem do que aconteceu em obras lançadas anos atrás. Em certo momento, a Fantasma literalmente recita o arco de John Walker só para contextualizar quem não acompanhou a série. É um sintoma de um problema maior: o MCU já não consegue sustentar sua própria mitologia sem recorrer a explicações didáticas.

E então há a questão visual. Se há algo que define o MCU, é uma paleta de cores que parece ter sido filtrada por um lenço úmido. Thunderbolts* não foge à regra: seus tons são predominantemente acinzentados, azuis desbotados e pretos sem profundidade. Até mesmo cenas que deveriam ser impactantes — como uma sequência dentro da mente de um personagem, onde a depressão é literalizada como um vácuo escuro — são prejudicadas por uma iluminação que oscila entre o “escuro demais” e o “sem vida”. É curioso como até mesmo os filmes de James Gunn, conhecidos por seu visual mais ousado dentro do MCU, acabaram sucumbindo a essa estética pasteurizada quando inseridos no universo maior. Thunderbolts* tenta fugir um pouco disso com algumas ideias visuais interessantes, como planos zenitais (com a câmera posicionada acima do sujeito/objeto) que mostram os personagens refletindo sobre seus traumas, mas a execução é tão burocrática que essas tentativas se perdem em meio a uma direção sem pulso de Jake Schreier, que parece ter sido feita por algoritmo.

Crítica | Thunderbolts* é o filme que o MCU merece, mas não precisa
Marvel Studios/Divulgação

Falando em traumas, o filme coloca a depressão como um de seus eixos centrais. O Sentinela, interpretado por Pullman, é um Superman perturbado por uma entidade sombria chamada O Vazio — uma metáfora pesada para o transtorno mental e a autodestruição. Em teoria, um vilão fascinante. Na prática, um arquétipo raso, longe de algo como “Legião” — personagem que, aliás, é bem parecido com o Sentinela nos quadrinhos — série que explorou a saúde mental com profundidade, criatividade e ousadia visual. O filme tenta vender a dualidade do Bob/Sentinela como algo grandioso, mas a execução é tão literal que chega a ser ingênua.

Marvel Studios/Divulgação

E é aí que Thunderbolts* revela sua contradição mais interessante: ele tenta ser um filme sobre personagens quebrados, mas não consegue quebrar sua própria fórmula. A Marvel parece ter descoberto que “os jovens gostam de saúde mental” e resolveu incorporar isso da maneira mais esquemática possível. A solução do filme? O poder da amizade. Ou, mais especificamente, o poder da Florence Pugh abraçando alguém e dizendo algo emocionante. Não que isso seja ruim — na verdade, é um dos poucos momentos em que o filme consegue ser genuíno —, mas é difícil não sentir que tudo isso já foi feito antes, e com mais nuance.

E então há o asterisco no título. Thunderbolts*. Alguém na sala de roteiro deve ter achado isso profundamente significativo — talvez uma referência ao fato de que esse não é o verdadeiro esquadrão, ou uma pista para um twist futuro. Na prática, porém, é só mais uma tentativa da Marvel de criar hype com algo que, no fim, não importa tanto assim.

O que resta, então, é um filme que não é um desastre, mas também não é uma reinvenção. Funciona melhor quando abraça sua melancolia e deixa Pugh brilhar, mas ainda assim parece inseguro sobre o que quer ser. A cena pós-créditos anuncia outra grande conexão, mas, depois de tantos filmes que prometem “mudar tudo” e não mudam nada, fica difícil acreditar que algo realmente novo está por vir. Talvez o maior problema do MCU hoje não seja a falta de ideias, mas a incapacidade de abandonar o que já não funciona mais. E Thunderbolts* é a prova de que, às vezes, até mesmo um asterisco não basta para esconder as rachaduras.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.