Crítica | Naimaculada é a nova cara da vanguarda paulistana e 'A Cor Mais Próxima do Cinza' é a prova
Marcos Hermes/Divulgação

Crítica | Naimaculada é a nova cara da vanguarda paulistana; ‘A Cor Mais Próxima do Cinza’ é a prova

Fumaça, trânsito parado, relações líquidas e multidiversidade cultural. Esse conjunto de palavras pode muito bem representar a região metropolitana de São Paulo, mas também serve para sintetizar o que a Naimaculada traduziu musicalmente em A Cor Mais Próxima do Cinza, disco de estreia do quinteto. Um trabalho que, adianto, pode muito bem encabeçar uma nova geração na vanguarda paulistana.

Essa não é a primeira vez que escrevo sobre um disco composto por pessoas que conheço e convivo. Mas, diferente do meu texto sobre “Mesmo Lugar“, da Applegate, este é o álbum de estreia de um grupo muito jovem – com média de idade entre 20 e 21 anos – e que acompanhei em um número considerável de apresentações. Tanto que, enquanto rascunhava esta crítica, foi inevitável fazer comparações entre as versões de estúdio com as explosivas apresentações ao vivo das canções.

Antes de entrar no disco em si, é importante posicionar a Naimaculada. Se comecei o texto citando São Paulo e a vanguarda paulistana, A Cor Mais Próxima do Cinza, conceitualmente, pode lembrar trabalhos de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Tetê Espíndola. Musicalmente, porém, o grupo trafega entre o rock progressivo, o pós-punk e o jazz experimental. O resultado remete ao caos organizado do Black Midi e ao rock alternativo com saxofone dos dois primeiros discos do Black Country, New Road.

Essas influências ficam evidentes desde os primeiros segundos de “Epítome”, com o dedilhado da guitarra de Samuel Xavier servindo como ponte para a entrada elegante do sax de Gabriel Gadelha. A canção cresce a partir do momento em que o vocalista Ricardo Paes esbraveja repetidamente a frase “eu fujo de você”. A cozinha, formada pelo baixo de Luiz Viegas e pela bateria de Pietro Benedan, acelera, como se os instrumentos, desesperados, perseguissem o vocalista. Logo na faixa de abertura, a banda apresenta seu cartão de visitas do que é essa tal cor mais próxima do cinza.

Em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Choro de Outono” e na própria “A Cor Mais Próxima do Cinza”, a mesma dinâmica se repete, mas de formas diferentes, sempre dando grande destaque aos instrumentos. E quando falo em instrumentos, incluo também a voz de Paes, usada como elemento sonoro. Esse trio consegue, dentro das limitações do estúdio, reproduzir parte do que fez do show da Naimaculada um dos mais instigantes da noite paulistana no ano passado.

Já em “Quatro Quina”, a experiência é outra. Apesar da ótima linha de baixo que conduz a faixa inteira e do excelente solo de flauta, a versão soa como uma leitura light do que acontece ao vivo. Em contrapartida, a romântica “Eu Sei” revela o diferencial da banda. Talvez seja a composição mais simples em termos de escrita de todo o disco, mas sua precisão métrica, o instrumental bem encaixado – até sóbrio em comparação ao restante – e o refrão em coro, criaram uma canção com potencial de hit, capaz de catapultar a banda a outro patamar.

O grande destaque de A Cor Mais Próxima do Cinza, porém, é sem dúvidas “Luz/Se”. Com quase 12 minutos, o épico não deve nada aos primeiros discos do Genesis. Desde o título – que faz referência ao encontro das duas linhas de metrô mais lotadas no horário de pico da capital paulista – até a capa em preto e branco registrada por Marcos Hermes, que remete à icônica “Etazhi”, do Molchat Doma, tudo reforça a ambição da obra. Luz/Se é jazz, é MPB e é, sobretudo, a nova vanguarda paulistana.

Por fim, impossível não citar “A Arte É Culpada”, com participação de Cauã Aguiar. Trata-se de uma canção-manifesto sobre o que move artistas pretos e periféricos como Ricardo, que enfrentam diariamente o monstro que é São Paulo para, quem sabe, também viver de arte.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.