Há filmes que são como cupnoodles: você sabe que é um produto industrial de baixa qualidade, mas no meio da madrugada, sem opções melhores, você consegue apreciar essa porcaria. Novocaine: À Prova de Dor, dirigido por Dan Berk e Robert Olsen, é exatamente isso: uma experiência que oscila entre o ultraprocessado e o divertido, entre o previsível e o momentaneamente cativante. Não é um filme que vai mudar sua vida, mas pode ser uma companhia agradável para uma noite de sexta-feira, desde que você não espere muito além de uma narrativa que se apoia em clichês e piadas que, às vezes, funcionam mais por acidente do que por mérito próprio.
O filme gira em torno de Nathan, interpretado por Jack Quaid, um jovem que sofre de uma condição rara: ele tem Insensibilidade Congênita à Dor (CIPA). A premissa, em si, é interessante e poderia render uma história cheia de camadas, explorando não apenas as implicações físicas, mas também emocionais de viver sem sentir algo tão fundamental para a experiência humana. No entanto, o roteiro opta por um caminho mais seguro e menos ambicioso, transformando Nathan em um protagonista que, apesar de carismático, parece mais um dispositivo de enredo do que um personagem com profundidade. Sua jornada é basicamente a de um “perdedor simpático” que tenta conquistar uma garota (Amber Midthunder) enquanto se envolve em uma trama de ação que inclui assaltos, traições e cenas de luta coreografadas com competência, mas sem muita originalidade.
Aqui, é impossível não notar como o filme se apoia em fórmulas já desgastadas. Os vilões, por exemplo, são caricaturas que parecem ter saído de um manual de “como criar antagonistas sem esforço”. Ray Nicholson, no papel do principal antagonista, entrega uma atuação que beira o exagerado, como se estivesse tentando compensar a falta de material decente com pura energia. O resultado é um personagem que, em vez de ameaçador, acaba sendo cômico, mas não necessariamente de uma forma que o filme pretendia. É como se o diretor dissesse: “Ei, ele é malvado, olha como ele grita e faz caretas!” E, convenhamos, isso pode ser divertido por alguns segundos, mas rapidamente se torna cansativo.
Falando em diversão, é justo reconhecer que Novocaine tem seus momentos. As cenas de ação, embora não sejam revolucionárias, são bem executadas e mantêm o ritmo do filme. Há uma sequência em particular, onde Nathan usa seu braço quebrado como arma, que é claramente uma homenagem a “Mortal Kombat” (especificamente ao personagem Havik). É um daqueles momentos que fazem você pensar: “Isso é ridículo, mas eu gostei”. E talvez seja essa a essência do filme: ele sabe que é absurdo e abraça isso, mesmo que nem sempre de forma consistente.
No entanto, o filme peca ao tentar equilibrar o tom. Em um momento, estamos diante de uma cena de comédia pastelão, com piadas que variam entre o engraçado e o constrangedor; no outro, o filme tenta ser sério e emocional, pedindo que nos importemos com o relacionamento entre Nathan e Sherry (Midthunder). O problema é que essa relação é construída de forma tão apressada e superficial que fica difícil se envolver. Sherry é apresentada como uma mulher misteriosa e sedutora, mas sua química com Nathan, embora existente, não é suficiente para sustentar o peso emocional que o filme tenta atribuir a eles. E, cá entre nós, se eu estivesse no lugar de Nathan, provavelmente faria tudo o que ele fez por Amber Midthunder também – mas isso diz mais sobre a atriz do que sobre a força do roteiro.

Falando em roteiro, é aqui que Novocaine mais vacila. A trama é repleta de decisões que desafiam a lógica básica. Por exemplo, o plano de assalto ao banco, que depende inteiramente numa paixão entre pessoas que saíram apenas uma vez. E, se uma pessoa está envolvida nesse esquema desde o início, por que diabos ela usaria seu nome real? São detalhes que, quando você para para pensar, tiram um pouco do brilho do filme. Mas, novamente, se você estiver disposto a não pensar muito e apenas se deixar levar, é possível ignorar essas falhas e aproveitar o que o filme tem a oferecer.
Tecnicamente, Novocaine é competente, mas não excepcional. A direção de Berk e Olsen é funcional, com algumas escolhas interessantes, como o uso de planos fechados durante as cenas de luta para aumentar a sensação de impacto. No entanto, a edição e a montagem são um tanto convencionais, sem grandes ousadias ou inovações. A trilha sonora, por sua vez, é um ponto fraco. Ela soa genérica, como se tivesse sido retirada de uma biblioteca de músicas de fundo para trailers. É o tipo de música que você ouve, mas não se lembra cinco minutos depois.
Jack Quaid, que vem se especializando no papel de “bom moço”, faz o que pode com o material que tem. Ele é carismático e consegue transmitir a vulnerabilidade e a determinação de Nathan, mas há momentos em que sua atuação parece um pouco autoconsciente, como se ele estivesse constantemente ciente de que está em um filme. Isso não chega a arruinar a experiência, mas impede que o personagem se torne minimamente memorável. Amber Midthunder, por sua vez, é uma presença agradável na tela, mas seu personagem é tão mal desenvolvido que ela acaba sendo subutilizada.

Novocaine sabe o que é e não tenta ser mais do que isso. Ele não vai ganhar prêmios de originalidade ou profundidade, mas pode ser uma opção divertida para quem está procurando um entretenimento leve e despretensioso. É o tipo de filme que você assiste, ri em alguns momentos, revira os olhos em outros, e esquece no dia seguinte. E talvez isso não seja necessariamente ruim. Afinal, nem todo filme precisa ser uma obra-prima; às vezes, basta ser um enlatado para matar a fome.
E, falando em comida, é impossível não voltar àquela cena em que Nathan experimenta uma torta pela primeira vez. É um momento que encapsula o filme: um pouco exagerado, um pouco bobo, mas, no fim, até que gostoso de assistir. E, se você parar para pensar, talvez seja isso que Novocaine queria ser desde o início: uma experiência que, mesmo sem doer, ainda consegue deixar um gostinho agridoce na boca.
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