Fugindo dos tropos narrativos de filmes estadunidenses e indo de cabeça no ordinário e altamente relacionável, O Dia Que Te Conheci é uma daquelas pedras preciosas do cinema que ficam cravadas em nossa memória e muda o jogo. O novo filme de André Novais de Oliveira (“Temporada“) é uma comédia romântica calcada na rotina e na beleza das conexões que fazemos em meio as obrigações da vida adulta.
A espetacular vida ordinária
Acordar às 6 horas para pegar o ônibus e chegar cedo no trabalho, que fica do outro lado da cidade. Essa pode ser a rotina de muita gente, que no filme, é o desafio diário de Zeca (Renato Novaes). Ele chega a pedir que seu amigo tente despertá-lo da cama de todas as maneiras possíveis, mas nem dessa forma ele se levanta no horário. Após pegar o ônibus tarde e ainda ter a má sorte do veículo quebrar no caminho, acaba descobrindo, através da colega de trabalho Luísa (Grace Passô), que será demitido. A notícia ruim é seguida de uma carona para casa e, no caminho, Zeca encontra um novo motivo para acordar cedo.
De forma muito sutil e inteligente o diretor mostra o início de uma relação surgida ao acaso do cotidiano, fruto de uma demissão que Zeca acaba conhecendo Luísa, que na verdade, sempre esteve presente na escola no qual ele trabalhava, mas justamente por conta do trabalho e rotina pesada, eles não tinham oportunidade para se conhecerem.

Do encontro se desenha uma comédia romântica pontual, que vai de Betim ao Centro da capital mineira em minutos. Por ser conciso, o trabalho escancara a precisão de André Novais na direção, no não dito, que apresenta composições indispensáveis e muito bem interligados, além de deixar um gostinho de “quero mais” em quem assiste o causo dos dois.
A estrutura textual adotada pelo seu roteiro e maneira como ela é transposta para a direção tornam o filme uma descoberta gradual de sua própria natureza narrativa. O que parecia uma história de rotina de Zeca se revela uma das mais singelas, realistas e francas comédias românticas – e a presença cada vez maior de Grace Passô na segunda metade do longa toma conta da tela com a nova energia que o protagonista precisava em sua vida.
Um filme sobre o nada
Na grande maioria das cenas, a impressão que passa é que os atores não precisaram decorar palavra por palavra de um roteiro, mas sim saber suas linhas gerais e improvisar a partir daí. Para isso, o diretor usa muito de planos abertos sem cortes nos longos diálogos para que tudo possa fluir de forma que até parecem improvisos.
Nada contra comédias românticas mais tradicionais, na verdade, eles até costumam ser filmes de conforto, mas o que André Novais propõe em O Dia Que Te Conheci é buscar, dentro do que uma obra artística pode, de uma relação real – ou o mais próximo possível disso.

O que dizer da cena em que nosso herói do dia-a-dia conversa com outra personagem, sobre quem são quem as pessoas homenageadas num muro grafitado? Alguns podem achar que essa linha de diálogo foi uma desculpa colocar essa linda composição de cena no filme. Eu prefiro acreditar que o diretor não tá nem aí com as regrinhas de progressão narrativa. O compromisso do filme é mostrar as belezas e infortúnios da vida do proletariado médio.
Gente como a gente
Além da evidente química ente Renato Novaes e Grace Passô, outra coisa muito relacionável e tão difícil de encontrar no cinema é que os protagonistas são duas pessoas pretas e estão longe dos padrões estabelecidos pela indústria cinematográfica. Embora essa questão não ocupe uma linha de diálogo — até porque eles têm outros problemas para se preocuparem —, é muito reconfortante que pessoas que não pareçam modelos acatando o direito de ter uma história de amor no cinema.
Abrace e seja abraçado
Se você gosta de narrativas ágeis, com montagens complexas e história focada em um obstáculo e sua superação para progredir, O Dia Que Te Conheci não é pra você. Este longa se preocupa muito mais em trazer uma visão do cotidiano como ele é, quase sem cortes e evitando aceleração da montagem.
O Dia Que Te Conheci foi o filme que mais me atravessou em 2024 e provavelmente fará o mesmo para muitos outros brasileiros que permitirem sair da rotina como nossos protagonistas. Não sabemos se será eterno o relacionamento ou algo passageiro e não importa, o momento é o que importa.
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Eu vi uma indicação desse filme, mas fiquei com o pé atrás por causa da foto de divulgação kkkkk
Ai fui ver ler algumas críticas e caí de sem querer aqui. Eu amei o jeito que o crítico fala sobre como vê beleza no cotidiano, é muito legal ver brasileiro falando tão bem de filme brasileiro. Agora quero ver o Oeste Outra vez que vc disse ser o melhor filme do ano na crítica, pena que não tem sala na minha cidade. Obrigado pela indicação indireta e parabéns pelos textos