Profundidade e sensibilidade. Essas duas palavras definem com precisão o que Ruptura entregou em seu sétimo episódio, “Chikhai Bardo”. Faltando pouco para o fim da temporada, este capítulo mergulhou no relacionamento de Mark e Gemma, nos conduzindo por uma viagem temporal repleta de nuances e acontecimentos essenciais.
O brilho da cinematografia
Antes de aprofundar na trama, é impossível não destacar o trabalho de Jessica Lee Gagné na cinematografia deste episódio. Embora mantenha o padrão polido e preciso dos capítulos anteriores – como nas cenas de Gemma na Lumon –, a forma como os movimentos de câmera foram utilizados para sinalizar mudanças temporais e os glitches inseridos para representar a fragmentação do pensamento do personagem demonstram uma exatidão impressionante. Além disso, Gagné conseguiu capturar a intimidade com uma autenticidade tocante, nos levando a sentir raiva ao final do episódio, mesmo apreciando sua execução.

O coração pulsante
Mark e Gemma foram a alma desta narrativa, não apenas por seu relacionamento e os eventos que precederam o acidente de Gemma, mas também pelo aprofundamento individual de suas personalidades. Vimos um Mark descontraído, alegre, romântico e espirituoso, contrastando com a versão robotizada, certinha e, às vezes, apática que conhecíamos até então. Gemma, por sua vez, deixou de ser apenas um fantasma do passado e ganhou vida própria, revelando-se engraçada, leitora assídua e apaixonada. Esse aprofundamento trouxe uma humanização necessária aos personagens, que antes pareciam se fundir ao ambiente frio da Lumon.
Em apenas 50 minutos, acompanhamos um relacionamento florescer, evoluir e quase desaparecer. Mark e Gemma se conheceram em uma doação de sangue e, desde o primeiro momento, a conexão foi instantânea. As cenas seguintes mostram um casal apaixonado iniciando uma jornada juntos. Em seguida, somos apresentados à dolorosa tentativa de expandir a família, frustrada por um aborto espontâneo. A dor e o luto de Gemma são quase palpáveis, assim como a exaustão do casal após sucessivas tentativas – possivelmente por meio de fertilização. A série, nesse momento, faz um retrato sensível de uma experiência vivida por muitas famílias no mundo real.
Horrores conhecidos, porém mais profundos
Paralelamente, descobrimos detalhes perturbadores sobre os procedimentos realizados em Gemma dentro da Lumon. A princípio, parecia que as cenas se passavam antes de seu encontro com Mark, sugerindo que a empresa pudesse ter orquestrado essa união. Contudo, conforme os eventos se desenrolam, percebe-se que essas experiências ocorreram após o acidente – um evento que, muito possivelmente, foi causado pela própria Lumon para justificar seu desaparecimento. A empresa, como de costume, se aproveitou de um momento de vulnerabilidade para recrutá-la e exercer seu poder de forma abusiva.




As personalidades da Ruptura foram testadas em Gemma para comprovar a eficácia do procedimento, a enviando para diferentes salas, com cenários e situações distintas. No entanto, um elemento se repetia em todas elas: Dr. Mauer (Robby Benson). Após cada experiência, ele a submetia a um questionário para avaliar suas lembranças. No início, sua presença em todos os cenários era apenas intrigante, mas, ao vê-lo ao lado do Sr. Drummond (Ólafur Darri Ólafsson) observando os funcionários ligados ao Cold Harbor, tudo passou a fazer sentido.
A indignação cresce ao longo do episódio, culminando no momento em que Gemma pergunta se poderá voltar para Mark após o processo e recebe a cruel resposta de que ele se casou e tem uma filha. A brutalidade dessa revelação é imensa, especialmente porque, presumivelmente, foi sua busca por ter um filho que a levou até ali. Depois de tudo pelo que passou, vê-la tratada como uma peça descartável só reforça a desumanidade da Lumon.

O Significado de “Chikhai Bardo”
Além da trama central, o episódio nos apresenta um conjunto de cartas sobre o qual Mark faz pouco caso após uma breve explicação de Gemma: “É o mesmo cara lutando contra si mesmo, derrotando sua própria psique. Morte do Ego.” Embora pareça uma novidade, essas cartas já haviam sido mostradas anteriormente, quando Dylan as roubou do setor de Burt.
A carta em questão, que dá nome ao episódio, é Chikhai Bardo. Mas o que isso significa? Durante pesquisas, encontrei uma explicação simples e acessível:
O budismo tibetano divide o ciclo de existência em seis estados, chamados bardos. Cada bardo representa um estágio diferente de vida, morte e renascimento. Chikhai Bardo é o quarto estágio — o bardo da morte. Isso começa quando o corpo interna e externamente detecta sinais de que a morte está próxima e resulta no que é conhecido como a “luz clara da morte”. O objetivo em meio à luz clara da morte é manter a lucidez, mas muitos apagam durante o processo. Meditação e treinamento ajudam com a lucidez acima mencionada, mas, em última análise, não é algo que todos possam alcançar.
– João Paes e Amélia Emberwing, IGN Brasil
Em Ruptura, essa analogia simboliza a forma como os personagens confrontam verdades ocultas sobre si mesmos e sobre a Lumon, enfrentando desafios internos que podem levá-los à libertação ou à estagnação. A transição e a busca por significado permeiam toda a narrativa.
O início do fim
“Chikhai Bardo” não apenas aprofunda o drama de Mark e Gemma, mas também reafirma a brutalidade da Lumon e sua capacidade de manipulação. O episódio nos leva ao auge da revolta, preparando o terreno para um desfecho inevitável. Se há algo que aprendemos com Ruptura, é que toda descoberta vem com um preço — e estamos prestes a descobrir o quão alto ele pode ser.
Leia as críticas dos episódios anteriores:
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