Desde sua 1ª temporada, diferente de séries famosas – que provavelmente você já deve ter assistido – como “The Office”, “Suits”, “House of Cards” ou “Billions”, Ruptura veio construindo uma trama cheia de mistérios bem colocados, na atmosfera fria e calculista do mundo corporativo. A inserção de mistério e investigação trouxe um tom diferente das séries que já estamos acostumados, e talvez isso tenha sido um dos fatores que colaboraram para o sucesso que a série alcançou. As declarações dos criadores e diretores de que sabiam quando e onde parar foram uma das partes que mais me animaram, pois a quantidade de séries que erraram a mão onde já deveria existir um ponto final forma uma lista gigante – o retorno de “Ted Lasso” talvez seja até um exemplo palpável.
Em sua season finale, último episódio da 2ª temporada de Ruptura, “Cold Harbor” chegou com respostas, intensidade e um tom sombrio. O episódio veio cheio de camadas, me prendendo imóvel e atenta aos detalhes durante os seus 76 minutos. Tal qual uma cebola, em Cold Harbor foi possível ir retirando as camadas conforme os minutos passavam. Mas será que o que encontramos em seu interior – ou final – foi satisfatório?

Um abrigo seguro, mas frio
Uma questão que permeia toda a atmosfera do episódio, após ser colocada na mesa, é como as duas personalidades de Mark (Adam Scott) irão coexistir em um só corpo. Sabe aquele momento em que tomamos uma decisão sem parar para pensar na coisa mais óbvia que pode acontecer? Foi exatamente isso. Durante a 2ª temporada, todos se movimentaram em prol do resgate de Gemma (Dichen Lachman), da descoberta dos segredos que permeiam a ruptura e da exposição da Lumon. Mas nenhum deles parou para pensar no que iria acontecer com todos os innies e como isso afetaria suas “vidas”. E, bom, uma hora esse momento iria chegar. E ele chegou em uma cena bem produzida e de uma profundidade visível.
Com uma aflição crescente, Mark tem um diálogo intenso com seu innie através de uma câmera, sobre o sacrifício necessário para resgatar Gemma. Mas, ao contrário do esperado, seu innie não concorda tão facilmente. Afinal, ele até quer ajudar no resgate de Gemma, mas ter que “morrer” para que isso aconteça já é ir longe demais. É muito interessante como essa cena me fez tentar entender o lado dos dois personagens, mas ao mesmo tempo querer defender um lado. Numa visão mais psicológica, é quase como encarar de frente os desejos do seu eu interior – ou talvez até de uma outra versão de si mesmo, se você tivesse feito uma escolha diferente em alguma decisão (é o tal do “e se?”).
Depois de todo o estresse, Cobel (Patricia Arquette) tenta intervir, tendo uma conversa sincera com o innie de Mark. Essa conversa nos dá respostas e confirma algumas das teorias mais interessantes da série. Sim, Mark, e todo o RMD, faziam refinamento das personalidades de Gemma. Cada pasta correspondia a uma personalidade, e cada caixa preenchida dentro dessa pasta era referente ao humor dela. Após a última pasta, Cold Harbor, nem Gemma nem Mark seriam mais úteis para a Lumon, já que eles teriam alcançado o que queriam. Mesmo com toda essa informação, o innie de Mark não se sente convencido o suficiente – ou pelo menos não aparenta no momento.

Entre amor e identidade
Enquanto toda a tensão gira em torno da finalização do arquivo Cold Harbor, o plot de Dylan (Zach Cherry) ganha um desfecho. No episódio anterior, seu innie pede demissão, após toda a história com a esposa de seu outtie, Gretchen (Merritt Wever). Neste episódio, vemos que, além de negar a demissão, Dylan deixa um bilhete para o seu innie com a explicação. Apesar de estar extremamente irritado com o ocorrido, ele diz entender seu innie – afinal, ele também é apaixonado por Gretchen – e deseja que, em algum momento, ela possa enxergar nele o que viu em sua versão lá de dentro.
Gosto da sensibilidade como a série retrata bastante os incômodos gerados entre a versão que somos, e a versão que pensamos ser melhor e que gostaríamos de ser. O plot de Dylan, apesar de parecer desencaixado em alguns momentos, serve como um bom ponto de reflexão sobre a visão que temos de nós mesmos, a visão que o outro, e as expectativas do que queremos ser. Quando eu falo em voz alta parece até um problema de existencialismo.
Além da finalização do trio amoroso – será que podemos considerar assim? –, não podemos deixar de falar sobre a performance do Sr. Milchick (Tramell Tillman) neste episódio. As nuances e facetas de Milchick em Cold Harbor foram de cômicas e desconfortáveis a intensas e furiosas, tudo em um episódio só. Primeiro, temos o momento em que ele entrega o envelope para Dylan e sai correndo – isso me arrancou uma risada muito sincera. Logo depois, temos sua faceta de apresentador de talk show com o Kier, passando para um dançarino ágil com a banda do Coreografia & Divertimento. E, como se não bastasse, sua fúria crescente ao ser preso no banheiro por Helly (Britt Lower), com suas tentativas de escapar, colocou uma pequena cereja em cima de um bolo bem estruturado.



O tempo acaba, mas a ruptura não
Assim como em “O Nós Que Nós Somos”, season finale da 1ª temporada, em Cold Harbor os momentos finais dão uma sensação de correria e de “opa, está acontecendo”, principalmente com os cortes para a apresentação de uma música extremamente agitada pela banda do C&D.
Gemma finalmente visita a sala Cold Harbor. Lá, uma versão de sua innie encontra um berço e recebe a instrução de desmontá-lo, enquanto James Eagan (Michael Siberry) e o Dr. Mauer (Robby Benson) assistem deleitosamente. Enquanto Mark corre para encontrar o corredor secreto, temos uma cena pra lá de excêntrica, de um dos cordeiros do Mamíferos Nutritivos indo para o abate. E, por fim, temos aqui uma Helly triste com o que irá acontecer, mas ajudando a qualquer custo Mark a cumprir seu objetivo – e Dylan também ajuda, tá? – Ufa, ainda não acabou.
Mark encontra Gemma. Sim, esse momento finalmente aconteceu, e entre transições e mais transições do innie e outtie de ambos, eles finalmente chegam à escada da “liberdade”. E, sinto te desapontar, mas o innie de Mark não escolheu dar lugar ao outtie. Segundos de respiração presa culminaram na escolha de seguir com Helly, mesmo que por um caminho incerto. O innie de Mark escolheu lutar pela sua vida – e pelo amor de sua vida.

Entre respostas e mais mistérios
Cold Harbor é aquele tipo de episódio que, ao mesmo tempo que gera comoção pelas migalhas de respostas dadas, deixa um final aberto para uma próxima temporada. Neste momento, confesso que fiquei com a sensação de que o final seria diferente, mas com toda a aclamação, acompanhamento do público e até mesmo os rumores que permearam a confirmação de uma 3ª temporada, optaram por alterar.
Apesar de uma temporada bem estruturada, Ruptura deixou algumas pontas soltas que, provavelmente, não serão respondidas na 3ª temporada. E nem vou citar as várias outras perguntas geradas com esse episódio. Mas agora me pego pensando: eles nunca nos prometeram respostas. Essa nunca foi a premissa de Ruptura. Desde seu início, tudo é sobre o que você consegue entender nas entrelinhas.
Foi maravilhoso acompanhar as reviravoltas dessa temporada e que a próxima sejam ainda mais empolgantes.
Leia as críticas dos episódios anteriores:
- Crítica | Ruptura – 2×01: A ansiedade pela verdade em ritmo calculado
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