Crítica | Sing Sing: emoção calculada, realidade diluída
A24/Divulgação

Crítica | Sing Sing: emoção calculada, realidade diluída

Imagine um filme que promete ser um retrato cru e comovente da vida na prisão, mas que, no final, se revela um álbum de figurinhas bem-comportadas. Sing Sing, dirigido por Greg Kwedar e escrito com Clint Bentley, é exatamente isso: uma obra que tenta vender redenção, mas se contenta em ficar na superfície, como um turista que tira selfies na porta de uma favela sem nunca entrar.

A premissa é sedutora: detentos encontram na arte uma forma de se reconectar com sua humanidade. O programa de teatro da prisão de Sing Sing, que inspirou o filme, é real e já transformou vidas. Mas o filme, ao contrário do programa, parece mais interessado em nos fazer sentir bem do que em nos fazer pensar. E é aí que mora o problema.

Crítica | Sing Sing: emoção calculada, realidade diluída
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A primeira coisa que chama a atenção é a escolha de Colman Domingo como protagonista. Domingo, um ator talentoso e versátil, interpreta Divine G, um detento inocente que se torna o centro da narrativa. A inocência de Divine é um recurso narrativo que soa mais como uma muleta do que como uma escolha artística. É como se os roteiristas dissessem: “Olha, ele é um cara bom, então você pode gostar dele sem culpa.” Mas e os outros? E aqueles que cometeram crimes mesmo? Eles não merecem empatia?

Aqui, Sing Sing escorrega feio. Ao focar em um protagonista inocente, o filme evita as questões mais espinhosas sobre redenção e reforma. É fácil simpatizar com alguém que foi injustamente condenado, mas e aqueles que erraram? Eles também são humanos, e suas histórias poderiam ser muito mais interessantes. Em vez disso, o filme nos apresenta um elenco de personagens que parecem saídos de um comercial de margarina: todos bons, todos redimidos, todos prontos para nos fazer chorar.

A fotografia em 16mm, com sua textura suave e cores terrosas, é um dos poucos aspectos que salvam o filme. Ela confere uma atmosfera nostálgica e íntima, como se estivéssemos folheando um álbum de memórias. Mas esse recurso visual não é suficiente para compensar as falhas narrativas. O roteiro, que poderia ter explorado as contradições e desafios do sistema prisional, acaba se contentando com uma abordagem superficial. A redenção dos personagens é anunciada, mas nunca verdadeiramente mostrada.

Já a trilha sonora de Sing Sing, assim como sua narrativa, parece caminhar na linha tênue entre o emocional e o superficial. Composta por Bryce Dessner, ela oscila entre momentos de delicada melancolia e acordes esperançosos, quase como um reflexo da dualidade do filme: enquanto tenta capturar a beleza da redenção através da arte, acaba soando mais como um pano de fundo genérico do que como uma força narrativa por si só. A música, embora competente, é definitivamente, um dos pontos mais irritantes do filme. Não há sutileza, os acordes vão crescendo subitamente em momentos que o filme quer que você chore. Claro, isso pode funcionar para alguns, mas no meu caso, só me causou raiva mesmo.

Um dos momentos mais frustrantes do filme é um monólogo em que um dos detentos declara: “Estamos aqui para nos tornar humanos novamente!” A fala é entregue com convicção, mas soa mais como uma declaração de intenções do que como uma conclusão orgânica da trama. É como se os roteiristas estivessem dizendo: “Olha, eles estão se redimindo, acredite na gente!” Mas redenção não é algo que se anuncia; é algo que se constrói, cena após cena, diálogo após diálogo.

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Aqui, Sing Sing peca por falta de coragem. Despolitizar o sistema prisional, sobretudo o dos Estados Unidos é, além de covarde, desrespeitoso com o público e até mesmo com quase todo elenco, visto que eles tiveram a vivência atrás das grandes e isso não era atuação. A prisão é retratada quase como um acampamento de férias, com cenas em que os detentos caminham livremente pelo pátio, sem a presença de guardas ou a tensão constante que caracteriza a vida nessas condições. Essa visão romantizada pode ser interpretada como uma tentativa de humanizar os personagens, mas acaba por ignorar as duras realidades do sistema prisional.

A atuação de Colman Domingo é, como sempre, competente, mas ele parece limitado por um roteiro que não permite que seu personagem mostre falhas ou complexidades. Divine G é quase perfeito demais para ser verdade, o que diminui o impacto de sua jornada. Em contraste, Clarence Maclin e os outros membros do elenco trazem uma autenticidade que ressalta o potencial desperdiçado do filme. Suas performances são tão convincentes que nos fazem questionar por que não foram dadas a eles papéis mais centrais.

É impossível não entrar no campo racial num filme como esse. Após a sessão, procurei uma foto do diretor só para constatar algo que não parava de pensar: “esse é um filme de gente branca para agradar gente branca”. E, convenhamos, esse é o tipo de filme e abordagem que agrada quem quer se sentir bem. Não atoa que o longa está concorrendo a três Oscars.

A mensagem de que a arte pode transformar vidas é importante, mas poderia ter sido transmitida de forma mais poderosa e menos simplista. Visto que, assim como o teatro, o cinema tem o poder de transformar. Mas, para que isso aconteça, é preciso mais do que boas intenções e belas imagens. É preciso coragem para enfrentar as sombras, tanto dentro quanto fora das celas. E é essa coragem que, infelizmente, falta em Sing Sing.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.