Crítica | Transe é uma ode ou uma crítica à esquerda de 2018?

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imagem de três pessoas em um bar do filme transe de 2022

Historicamente a arte é utilizada como um instrumento de resistência. No caso do cinema brasileiro e de boa parte da América Latina, esse instrumento se tornou ainda mais necessário depois de passarmos por ditaduras militares.

Transe nasce como um herdeiro contemporâneo de movimentos como o Cinema Novo e Cinema Marginal, no entanto o longa de Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães, não foi bem recebido pelo público por sua falta de profundidade e excesso de caricaturas. Mas afinal, qual foi a proposta do filme?

O que você precisa saber sobre Transe

Transe segue a história de Luisa (Luisa Arraes), uma jovem atriz, Ravel (Ravel Andrade), um músico, e Johnny (Johnny Massaro), um jovem de espírito livre, que se encontram em meio a uma complexa turbulência eleitoral que pode colocar o futuro de todos em risco. Em meio a incertezas sobre seus futuros, o trio busca entender o mundo, quem são e como viver um amor livre, quando tudo ao seu redor aponta para o outro lado.

Transe é um filme que pretende retornar às eleições de 2018 na perspectiva da “resistência” da época. Afundados em sua própria bolha, o trisal se assusta com a quantidade esmagadora de conservadores que desejam votar no Bolsonaro.

Assista ao trailer:

De modo geral, a atuação de Transe é convincente em nos passar a imagem de um grupo, ao mesmo tempo, paralisado e desesperado. Durante o filme, é possível fazer esse retorno ao passado, lembrando do modus operandi da esquerda da época: Luisa, por exemplo, abraça a figura de uma feminista liberal em todos os sentidos; dos ideais aos hábitos e gostos. Isso pode contribuir com o estereótipo do que é ser uma feminista, confirmando as críticas às caricaturas presentes no filme, mas não podemos dizer que a atuação foi ruim nesse sentido.

Os “bolsonaristas” presentes no filme também abraçam suas personagens. Os diálogos são repletos de expectativa de mudança. O voto no Bolsonaro indicava uma espécie de transformação radical que impactaria todas as esferas do Brasil. Ao se deparar com isso, Luisa se vê incrédula e, talvez pela primeira vez, ao furar sua bolha, percebe que nem todos os seus amigos enxergam as mesmas soluções para os problemas do país.

Além disso, toda a cinematografia deixa óbvia a polarização muito presente na época. São bandeiras e outras formas de expressão que indicavam em que lado cada um estava. As ambientações também entregam isso: o trisal frequenta lugares como bares, em tese, “tradicionais”, “brasileiros”, indicando essa tentativa de se aproximar do “povo”, o que também contribui para o estereótipo de “esquerda de apartamento” que se esforça para fazer parte da classe trabalhadora mais pobre.

Crítica | Transe é uma ode ou uma crítica à esquerda de 2018?
Luisa Arraes em cena de Transe (Foto: Divulgação/Primeiro Plano)

A influência do movimento hippie na esquerda de 2010’s

Nesse contexto de incertezas, o trisal busca se engajar politicamente na intenção de reverter os votos, tentativa essa que não obteve sucesso. Dentre suas estratégias, estavam: participar de debates, fazer as clássicas conversas de bar e ir em igrejas buscando argumentar com os possíveis eleitores de Bolsonaro.

Na época do “ninguém solta a mão de ninguém” e do “ele não”, o trisal contava com um discurso que pretendia falar sobre amor, empatia e igualdade, somando isso aos seus hábitos de vida alternativos – incluindo a forma como se relacionam e também sua “espiritualidade” advindas do Oriente que, nesse contexto, pintam a imagem de uma esquerda hippie, como adianta Martine Xiberras:

Ao analisar de perto, ao ler as histórias de vida dos atores e de suas aventuras comunitárias, o movimento reivindica raízes longínquas e diversas: o cristianismo primitivo, o fourierismo, o orientalismo… […] Outro marco daí em diante célebre, Make love, no war, Faça amor, não faça guerra, permite resumir os princípios éticos para o grande público que compreendem mal essa nova forma de contestação. As diferentes regras que daí resultam se instituirão pouco a pouco, a ponto de ficarem como rituais.

Há, nesse sentido, uma retomada das antigas crenças e costumes, reinventados aqui para caber em um estilo de vida que busca sua própria “desconstrução”. Essa busca que, a princípio, pode ser positiva, revela-se como a razão pela qual o grupo parece se desvencilhar da realidade, ficando desamparados quando precisam lutar pelos seus direitos e ideais.

O que Transe pretende ser?

Nesse sentido, há quem diga que Transe é uma esquerda “de apartamento” ou “caviar”, enquanto há quem diga se tratar de uma crítica à esquerda da época que, congelada diante da situação, não teve forças para lidar com o conservadorismo em ascensão.

Pode ser difícil chegar a uma conclusão. Afinal, Transe retrata uma esquerda que, com o constante aumento de discursos conservadores – mesmo entre os jovens –, muitos sentem falta. Por outro lado, também retrata uma esquerda reduzida em sua própria bolha, ingênua e que sonhava com uma utopia ainda muito longe de nossa realidade.

Dessa forma, é possível que Transe seja um retorno reflexivo sobre esse passado que sinalizou uma derrota e, por consequência, sinalizou também que algo deveria mudar: que o estudo, as fontes e, principalmente, a forma de se lutar contra o conservadorismo deveria ser mais forte e profunda. Na realidade, a própria diretora, Caroline Jabor, afirma que seu objetivo é enfatizar a ingenuidade progressista da época.

De qualquer modo, é possível afirmar que o objetivo não obteve sucesso, visto que a interpretação geral é a de que o longa é superficial e faz uso de caricaturas para representar suas personagens.

Ainda assim, há uma discussão em aberto: como fazer uma oposição organizada e ouvida hoje em dia?

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