Crítica | Zé tenta criar um mártir, mas ele não era qualquer Zé
Embaúba Filmes/Divulgação

Crítica | Zé tenta criar um mártir, mas ele não era qualquer Zé

, o novo e mais politicamente frontal filme de Rafael Conde (“A Hora Vagabunda”), é um adaptação do livro homônimo de Samarone Lima. De maneira linear, o longa é uma história sobre a busca por liberdade dentro em contexto de regime militar no Brasil. Somos apresentados a um grupo de resistência intelectual contra a opressão política, encabeçado por Zé (Caio Horowicz), um líder do Movimento Estudantil Brasileiro, que se abriga na clandestinidade para manter suas forças ideológicas preservadas perante ao regime.

Acredito que o título Zé tem um forte apelo por se tratar de um nome extremamente comum e relacionável. Existe um esforço na produção para que a gente sinta empatia pelo protagonista e seus amigos durante todo o filme.

No entanto, ao focar na família do Zé somos lembrados esse Zé não se trata de qualquer um. Por mais que ele tenha sofrido bastante durante toda sua trajetória de luta, as condições de vida e perigos que correu foram resultados de escolhas individuais do protagonista.

A ideia de construção de um mártir político é um problema, principalmente por muitas outras figuras, como estudantes de origem humilde, professores e jornalistas, acabaram virando estatística nesse período.

Não sei se o problema se originou no livro ou está no roteiro, mas existem momentos constrangedores do protagonista, como quando Zé explica a realidade financeira da maioria dos brasileiros vivendo com um salário mínimo para seus parentes. Parece que ele está fazendo um laboratório em como ser pobre, que tudo aquilo é um capricho de um menino mimado por pais politizados.

Afinal, o que é a militância?

Crítica | Zé tenta criar um mártir, mas ele não era qualquer Zé
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Tirando o elefante branco da sala, algo menos pessoal, mas não menos problemático no longa se dá com uma montagem com um péssimo ritmo. A narrativa, ao melhor estilo filme biográfico de historinha, já sofre por caminhar numa nada empolgante linearidade, mas que sofre não delimitando um bom recorte na vida do protagonista, blocando o longa em recortes muito óbvios e sem nada muito grandioso a dizer, além de que ditadura é muito ruim e muitas pessoas sofreram durante esse período.

Isso tira o peso de alguns bons enquadramentos mais frontais do Conde, onde até em cenas de puro dinamismo, como perseguições, ele mantém uma câmera bastante intimista e devotada nos closes, porém esse instrumento estético não vai para além da superficialidade argumentativa do enredo.

A escolha em não focar nos horrores gráficos nem mesmo se justificam pelo fato do filme repetir o mesmo problema de “Marighella”: não se aprofundam na vivência da militância.

Não entendemos muito bem qual é o trabalho de base que Zé está fazendo. As poucas cenas que mostram esse trabalho de campo parece mais como uma panfletagem não muito diferente das que vemos no dia a dia de gente querendo comprar ouro na rua.

As cartas de Zé

Crítica | Zé tenta criar um mártir, mas ele não era qualquer Zé
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O longa parece parece um amontoados de comentários feitos à distancia – de uma classe média alta – de forma melodramática, que não se sustenta, tampouco corroboram no discernimento da tese social que o filme propõe, fazendo na maior das virtudes, uma maneira lúdica de representar as cartas do Zé para a sua família, onde ele mesmo as conta num processo de desmascarar a vida em clandestinidade de forma quase poética.

De forma acidental, o longa parece ser uma representação de um problema das alas progressistas do Brasil de 2024, no qual são encabeçados por intelectuais de classe média num país com sérios problemas de comunicação entre as diversas regiões e suas peculiaridades, mas creio que tido isso não tenha sido a intenção de Conde.

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