Paisagem montanhosa com uma cabine telefônica vermelha e energia misteriosa ao fundo.
Atomfall

Review | Atomfall: Uma distopia charmosa

Lançado oficialmente em 27 de Março de 2024, Atomfall o aguardado jogo da Rebellion chegou com a promessa de nos mergulhar em uma Grã-Bretanha alternativa, devastada por um acidente nuclear nos anos 50.

Disponível para Xbox One, Xbox Series X/S, PlayStation 4, PlayStation 5 e PC, o título estreou diretamente no Xbox Game Pass, o que, sem dúvida, deu um empurrãozinho para que muitos mergulhassem nessa distopia radioativa desde o primeiro dia.

Trailer oficial de lançamento de Atomfall

O jogo nos insere em uma Grã-Bretanha alternativa e devastada, logo após o desastre nuclear de Windscale, ocorrido em 1957, um acidente real e muitas vezes esquecido, que foi, à época, o pior da história do Reino Unido. Em Atomfall, esse evento é o ponto de partida para um universo sombrio, paranoico e, ao mesmo tempo, estranhamente belo.

Um mundo radioativo de detalhes incríveis

Logo ao pisar no mapa contaminado de Atomfall, a primeira coisa que salta aos olhos são os gráficos marcantes. O ambiente pós-nuclear combina ruínas bucólicas com áreas estranhamente serenas, quase poéticas, contrastando com a tensão que paira no ar. Visualmente, o jogo impressiona com uma paleta de cores que foge dos tons excessivamente escuros comuns ao gênero pós-apocalíptico.

Em vez disso, opta por uma estética quase melancólica, onde o céu encoberto, o verde opaco da vegetação e a poeira suspensa criam uma atmosfera única. Além disso, o trabalho com texturas faciais demonstra esmero: as rugas, cicatrizes e imperfeições dos NPCs ajudam a contar histórias antes mesmo de qualquer diálogo.

As expressões faciais, embora por vezes discretas, são eficazes em transmitir medo, desconfiança ou desespero, sentimentos constantes nesse mundo onde ninguém é exatamente confiável.

Atomfall opta por não incluir um sistema de fast travel. Em vez disso, aposta deliberadamente no backtracking como elemento central da experiência de jogo. Com isso, fui levado a memorizar rotas estratégicas que facilitavam o acesso a áreas anteriormente visitadas, seja para recuperar informações, desbloquear novos caminhos ou explorar locais que antes estavam inacessíveis.

Narrativa em frangalhos, liberdade absoluta

Diferente da maioria dos jogos de mundo aberto, Atomfall permite que você aborde cada situação de inúmeras maneiras: é possível invadir um complexo à força, ou tentar se infiltrar sorrateiramente. No entanto, embora a proposta de furtividade exista, ela carece de refinamento. Os inimigos possuem padrões de patrulha inconsistentes, a detecção é por vezes arbitrária, e as ferramentas de stealth são pouco eficazes.

Outras opções incluem se aliar a uma facção ou trair todas elas. Quer invadir uma base sem disparar um único tiro? Pode. Prefere explodir tudo? Vá em frente. Conflitos podem ser resolvidos com carisma, inteligência ou pura brutalidade. Atomfall não entrega uma missão principal clara. Em vez disso, ele oferece múltiplos caminhos, todos convergindo para um objetivo maior.

Não há uma linha reta a seguir, essa estrutura narrativa descentralizada é um convite para a exploração e para a curiosidade. Em vez de um GPS apontando o próximo ponto de interesse, o jogo te faz pensar, questionar, investigar.

E é aí que o sistema de pistas brilha. Sem dúvida, um dos maiores acertos do jogo é o seu sistema de pistas. Em um mundo onde a linearidade foi abandonada, a mecânica de utilizar informações encontradas em anotações, escutas de rádio, bilhetes e até mesmo conversas casuais transformam a exploração em algo mais intuitivo e realista.

Não se trata apenas de “ir até o ponto B”, mas de entender por que aquele ponto B importa, e como você descobriu que ele existe. Isso torna a progressão extremamente recompensadora.

A lei da troca equivalente

O sistema de venda e troca em Atomfall é, sem exagero, uma joia escondida, daquelas que você só valoriza de verdade depois de entender sua lógica. Em vez de seguir o caminho batido de moedas, créditos ou qualquer outra forma de dinheiro, o jogo aposta em algo muito mais imersivo: a “lei da troca equivalente”. Sim, quase dá pra ouvir o Edward Elric sussurrando isso ao fundo.

Aqui, tudo gira em torno do equilíbrio de valor entre itens. Para adquirir algo de um NPC, você precisa oferecer algo de valor igual, e não é só uma questão simbólica. O jogo literalmente calcula o “peso” (valor) de cada item e só aceita a troca quando os dois lados estão devidamente balanceados. Nada de inflar seu inventário com lixo inútil para vender depois: cada objeto importa, cada recurso pode ser a chave para conseguir algo vital.

Essa mecânica transforma simples interações de comércio em pequenos quebra-cabeças estratégicos. Às vezes, você se pega vasculhando sua mochila, tentando encontrar uma combinação de objetos que se iguale ao que deseja, e o processo é surpreendentemente satisfatório.

Um item aparentemente trivial pode se revelar valioso dependendo da situação ou da necessidade do momento. Além disso, a escassez e imprevisibilidade do mundo de Atomfall tornam essa abordagem ainda mais significativa.

Cambaleia no combate, mas se mantém de pé

Se há um ponto onde Atomfall me deixou na mão, foi no combate. A expectativa era de um sistema profundo, dada toda a atenção ao resto da mecânica do jogo, mas o que temos é funcional, e só. Falta profundidade, falta fluidez. O que mais senti falta foi de um sistema de defesa mais robusto, algo como bloqueios e esquivas.

Sem isso, o combate se resume a ataques diretos e se afastar dos inimigos antes de receber um golpe, o que enfraquece os confrontos mais intensos. Por outro lado, a inteligência artificial no geral cumpre bem seu papel. Os inimigos sabem se posicionar, se proteger e se organizar para interceptar o jogador, principalmente em combates mais abertos.

No entanto, em momentos de patrulha ou rotina, percebem-se falhas. Alguns NPCs entram em loops estranhos, como levantar de um banco, dar dois passos e sentar novamente…no mesmo banco. Pequenos deslizes que tiram um pouco da imersão, mas que não comprometem a experiência como um todo.

Facções e figuras marcantes

Ao longo da jornada, o jogador encontrará personagens marcantes que, embora não sigam scripts tradicionais, têm motivações complexas e relacionamentos que se desenvolvem conforme suas ações. Entre os nomes mais importantes, destaca-se o Capitão Sims, um militar endurecido pelo tempo e pelos traumas do pós-catástrofe.

Ele representa o braço armado do Protocolo, uma facção autoritária que tenta manter a ordem a qualquer custo, mesmo que isso signifique suprimir liberdades e recorrer a medidas extremas. Por outro lado, temos figuras como Mãe Jago, líder carismática dos Druidas, um grupo místico que vê a radiação como uma espécie de redenção espiritual.

A presença dela simboliza a resistência ao racionalismo extremo da ciência e ao autoritarismo militar, oferecendo uma alternativa que mistura fé, natureza e uma dose de fanatismo. Na esfera científica, Dra. Garrow e Dr. Holder são membros centrais da B.A.R.D, uma organização responsável por grande parte das pesquisas que antecederam e causaram o desastre nuclear.

Enquanto Holder representa uma postura mais ética e preocupada com as consequências humanas da ciência, Garrow é mais hostil e o típico cientista obcecado pelo conhecimento, disposto a tudo em nome do progresso. Já Joyce Tanner se destaca como uma figura ambígua e estratégica. Com um passado nebuloso e conexões que deixam um gancho para uma sequência ou DLC.

Uma jornada imperfeita, mas divertida

Atomfall é imperfeito, mas ousado. Trata-se daquele tipo de jogo que, embora não agrade a todos, tem o potencial de marcar profundamente quem se permitir envolver por sua proposta. Sua ambientação densa, a narrativa fragmentada e o sistema de exploração baseado em pistas compõem uma ótima experiência.

Quanto ao futuro, o horizonte é promissor. Até o momento, dois DLCs já estão planejados, cada um levando a narrativa por rumos bastante distintos. Essas expansões prometem não apenas aprofundar o enredo, mas também oferecer novas perspectivas e enriquecer ainda mais o universo do jogo.

Embora a falta de refinamento no combate e os tropeços ocasionais da inteligência artificial sejam perceptíveis, eles não chegam a apagar o brilho do que foi construído aqui. Se você procura um título de ação que confie em sua capacidade de montar o quebra-cabeça narrativo e que tenha coragem de seguir por caminhos menos convencionais, Atomfall pode ser exatamente o que você estava esperando.

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Gamer apaixonado | Viciado em boas histórias | Explorador de mundos. Entre batalhas épicas, reviravoltas de tirar o fôlego e mundos fascinantes, estou sempre em busca da próxima grande aventura.