Desenvolvido por Odd Meter e publicado pela mesma publisher que o aclamado FrostPunk, a 11bit Studios, Indika chamou a atenção desde antes do seu lançamento. O game que causou controvérsias entre os interessados, é um divisor de águas na reflexão religiosa e questionamentos teológicos.
Diferente do costume de começar uma review sobre a história, começarei a falar sobre outros pontos e a deixarei por último. A sua narrativa pode ser mel para alguns e fel para outros; dissertarei com os meus pontos de vista e o que o game me fez sentir e questionar, coisas que podem ser diferentes para cada pessoa que jogar.
Jogo conversa
O ponto extremamente negativo de Indika, que pode fazer os players menos interessados por suas reflexões droparem, é o seguinte: a sua jogabilidade é chata. Sim. O que você mais vai fazer é andar e ouvir a conversa dos personagens – esse é o seu maior pecado e maior acerto -, entrar em espaços, pegar colecionáveis e ouvir mais conversas. E até mesmo os colecionáveis e pontos que você conquistar não vão valer de nada, o próprio game avisa que eles não importam e que você não precisa perder tempo com isso. Uma atitude que prova a confiança dos desenvolvedores na história que estão criando.
O game vai te colocar em situações em que o demônio começa a provocar e você precisa rezar para acalmar. Quando ele está te provocando, o mundo se quebra e você pode ter uma visão do inferno na terra. Com filtro avermelhado, rachaduras pelo universo, e discursos destrutivos sobre a personagem Indika. Você vai precisar usar disso para atravessar certos pontos do mapa, transitando entre a permissão de deixar o demônio atazanar quando precisar, e rezar quando for necessário o expulsar.
Em alguns momentos você vai se deparar com puzzles, mas não se preocupe. Eles são muito simples. Simples até demais. Você vai ver coisas óbvias e pensar “Não pode ser isso, vou testar outra coisa para não perder tempo”. Perde o tempo fazendo tentativas complicadas de resolução do puzzle e no final percebe que a solução era a coisa mais simples e mais óbvia que você tinha pensado, logo de primeira. Nos primeiros puzzles que enfrentei, saí em busca de formas complicadas de resolver, me estressando e perdendo tempo. Depois, fui fazendo o óbvio e passando. Indika tem um ótimo game design de ambientação e montagem dos níveis, mas acaba julgando os players como “bobos” ao entregar “desafios” tão simples.
Outro ponto que anda de mãos dadas com a ambientação e entrega um resultado excepcional são os gráficos. O game é lindo. O cenário gélido, as grandes construções, os vazios ensurdecedores e os ambientes lotados de expressões de fé demonstram toda a dualidade do game: o Deus e o diabo, o tudo e o nada e a solidão à dois.
Até os mais desatentos dos gamers vão parar por um momento e observar o cenário, tirar fotos, escutar o vento batendo, o som dos passos na neve, as madeiras rangendo, tudo parece conversar e fluir como um mundo realmente vivo.
O interessante é que em certos momentos o game deixa de ser em 3D e passa a ser pixel art. Nesses momentos a jogabilidade também muda, trazendo minigames de plataforma para passar da fase. A parte triste disso tudo é que mesmo fora dos momentos de pixel art, o game mantém uma trilha que lembra muito os games em bits, isso, infelizmente, diverge um pouco do que se espera para as cenas, incomodando mais do que imergindo.
A dualidade de Indika é a nossa
A dualidade refletida nos pensamentos e traumas de Indika podem ser uma certa reflexão ou até mesmo um convite ao player à discussões pessoais sobre a vida, o propósito, o universo e a existência de um ser superior.
O jogo se inicia com a freira ortodoxa, Indika, em um convento em pleno século 19. Logo percebemos que ela não é muito bem vista pelas outras freiras. Passamos a ouvir um narrador falando sobre a sua vida e de como ela tenta, sem sucesso, ser vista com mais dignidade pelas companheiras. Em certo momento, Indika vai receber a benção de um padre e se assusta com uma visão bizarra. Causa um efeito dominó onde todos ao seu redor também ficam incomodados com a situação. Dá a entender que Indika sofre frequentemente desses transtornos e o motivo de receber tanta desfeita deve ser esse.
A história avança e Indika recebe a missão de levar uma carta para um padre e aproveita para iniciar a sua jornada de autodescobrimento pessoal e de fé. Durante a sua caminhada fora do convento acabamos por descobrir que o tal narrador na verdade é o demônio e Indika escuta exatamente a mesma coisa que nós. Ela está sendo tentada pelo mochilinha de criança e, quando ele se torna forte a ponto de alterar a sua visão do mundo, Indika põe-se a rezar. Percebemos que as suas mãos estão marcadas pelas contas do terço, provavelmente pela força que ela coloca ao apertá-lo durante a reza.
Prosseguindo a sua caminhada, Indika encontra um fugitivo machucado chamado Illya. O seu braço está atrofiado e apodrecido. Indika diz que ele precisa amputar antes que piore e o leve à morte, mas Illya conta que isso já deveria ter acontecido há tempos e que conversa com Deus sobre isso. Deixando a entender que a cura divina cai sobre ele que a sua vida é um milagre.
É aqui que acontece o ponto de ruptura, onde começamos a compreender melhor a complexidade dos personagens. Illya é o fator do questionamento de fé (ou da falta de fé) de Indika. O fato é que a freira não entrou para o convento por que quis, apenas aconteceu. Isso indica que Indika não entende se realmente possui alguma fé sobre algo. Ela tenta sempre afastar o diabo (o mal) e tenta usar isso como prova de que Deus existe. Se o mal está ali o bem também deve estar, são causa e efeito, assim com a luz e a escuridão.
O diabo coloca ainda mais lenha na fogueira da dúvida e Indika passa a pensar ainda mais sobre os caminhos que o universo toma; questiona as punições divinas e se realmente existe livre arbítrio. Por que é tão falado sobre o sofrimento do inferno e pouco se sabe sobre as graças do céu?
O que mais me fez pensar nesse momento foi a argumentação se Indika deve ou não ler a carta que carrega. Ela diz que é pecado, mas o diabo começa a questionar o quão pecado é. Se matar tem um peso pecaminoso maior do que o determinado por se ler uma carta de outra pessoa, quantas cartas são necessárias para se ter o mesmo peso? Um carteiro que perde uma mochila cheia de cartas passa a ter o mesmo peso que o de um assassino? Indika se colocou a pensar, assim como eu.
A história, as conversas e questionamentos são, de longe, a melhor coisa do game. É uma porta de entrada para um autodescobrimento do próprio player. Enquanto jogava, me permiti questionar coisas que evitava por conta da minha bagagem religiosa pessoal. É interessante pensar que a hipocrisia de Indika também é a nossa. O seu medo de não saber o seu destino e depositar esperanças em situações que não são propriamente feitas para entregar respostas me fez sentir como se estivesse na sua pele. Os discursos, as réplicas e as tréplicas são jogadas ao ar e me faziam querer estar na discussão, tentar argumentar e entregar as minhas próprias soluções.
Creio que Indika seja como um belo livro escrito com palavras diferentes para cada um que for ler. São interpretações, leituras e conclusões diferentes para cada um de nós e isso é impressionante no game. Ele é completamente linear, mas o final vai ser diferente para cada um, pois o que vai definir a experiência é o que você sentiu e concluiu na própria linha de pensamentos.
Indika ou não “indika” para jogar?
Indika é um espetáculo discursivo e sentimental. Se não fosse por suas outras questões de jogabilidade, com certeza teria um impacto muito maior. Contudo, é uma ótima surpresa e ganha um cantinho especial na minha prateleira.
No momento em que escrevo essa review, o game está com promoção de lançamento (até 16 de maio), saindo por R$66,59 no Steam. Para os gamers de console (Playstation 5 e Xbox Series), o game só será lançado no dia 17 de maio.
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