Refeito pela Bloober Team e lançado no dia 08 de outubro, Silent Hill 2 era um jogo que preocupava bastante gente por motivos justos, precisa de bastante coragem e experiencia para fazer um remake de um clássico tão querido quanto ele.
Mas a Konami e a Bloober Team conseguiram? Eu estou bem convicto e bem surpreso que sim, eles conseguiram.
Contextualizando Silent Hill e o remake:
A Konami devia e muito um jogo digno para a franquia, pois vários projetos oscilaram em sua qualidade sem a Team Silent – os desenvolvedores dos 4 jogos originais.
Tivemos o Origins, que é bem mais ou menos, Shattered Memories, que apesar de suas falhas, é um jogo muito bom, e tivemos só tranqueiras, como Homecoming (que tem uma trilha sonora excelente apesar de tudo), além de Downpour – um jogo cheio de boas ideias, mas bem medíocre.
E nem vamos falar do cancelamento de Silent Hills do Hideo Kojima agora, pois essa ferida ainda não se fechou totalmente.
Silent Hill simplesmente não era a mesma sem a Team Silent, e os desenvolvedores, que tentaram por suas mãos na cidade, parecem que não entendiam o que fazia Silent Hill ser tão única e especial.
A franquia, enfim, estava desaparecendo em torno de sua névoa, até que a Konami decidiu tentar mais uma traze-la de volta mais uma vez.
Com a ressurgência de jogos de terror e as famosas franquias do gênero (como Resident Evil) voltando às suas origens de horror com o 7 e o Remake do 2 em terceira pessoa, estava na hora da Konami tentar algo com Silent Hill, até mesmo a EA trouxe Dead Space de volta e Alan Wake finalmente teve sua continuação, enfim, Konami fez um stream especial para a franquia, onde ela compartilhou vários anuncios novos, e entre eles estava Silent Hill 2 refeito pela Bloober Team.
Com colaboração de alguns membros do Team Silent, como o Masahiro Ito – responsável pelo design de personagens, monstros, e etc, e Akira Yamaoka – o compositor das icônicas músicas da série e responsável por seus efeitos sonoros.
Ainda assim, o projeto não passava nenhuma confiança.Silent Hill 2 é um dos jogos mais consagrados no mundo dos games em geral, a devoção a ele é tanta que ele é quase considerado imaculado para muitos, então um anúncio de um Remake desse clássico foi no mínimo perturbador. A Konami em geral estava com um saldo negativo (ainda está pra ser sincero) com o público, e não ajudou em nada que a desenvolvedora era a Bloober Team – que tem algumas polêmicas em seu nome, e jogos de gosto bem duvidoso, e ajudou menos ainda que o primeiro trailer era simplesmente desastroso.
Silent Hill passa uma atmosfera cheia de sutilezas e é bastante “dream-like” que faz ele ser um pouco desconexo da realidade, o primeiro trailer era tudo menos sutil e muito menos dream-like, parecia aqueles projetos amadores feitos na unreal engine que todo mundo brinca dizendo “Nintendo, contrate esse homem!”, simplesmente horroroso, e o James dele logo virou meme na comunidade de tão exageradamente miserável que ele aparentava ser, mas a Bloober jurou que aquilo era só o trailer inicial e que muito ainda iria mudar, e que ia levar em conta também o feedback dos fãs, e claro que ninguém acreditou nisso na época, porque sempre é muito raro acreditar que os devs vão mesmo fazer alguma mudança no projeto.
Pois bem, passa-se os meses e os anos, e temos mais e mais novidades sobre o remake, e aí a coisa já começa a mudar de cena, parece que a Bloober levou mesmo em conta o feedback, e pouco a pouco o remake foi ganhando uma cara que condiz mais com o clássico.
Eu continuei com minhas dúvidas, mas meu nível de preocupação já havia abaixado drasticamente, e ele quase deixou de existir quando revelaram o trailer excelente de história, enfim, aqui estou, com o remake finalizado com dois finais, e estou bastante surpreso com ele.
Morbido e intrigante como sempre foi:
Em Silent Hill 2 controlamos James Sunderland, um homem que aparenta ter pelo menos uns 30 anos, que recebeu recentemente uma carta de sua esposa morta a 3 anos, dizendo que ela está á sua espera na pequena cidade de Silent Hill, onde ambos passaram ótimos momentos juntos no passado, e que claramente é um lugar especial para os dois.
James então faz sua jornada na cidade coberta de névoa, cheia de mistérios e descobertas, que pouco a pouco vai se revelando ser um verdadeiro terror, não só fisicamente mas subconscientemente, ao longo de sua trajetória ele conhece figuras como Angela Orosco, que é uma garota extremamente desconexa da realidade, Eddie Dombrowski, que é uma figura estranha, Laura que é uma menina que aparentemente não dá a mínima pros “perigos da cidade”, e Maria, que é extremamente parecida com Mary – a esposa morta de James, quase como um próprio espelho da mesma, só que um pouco mais extrovertida e sensual.
Todos os personagens de Silent Hill 2 são curiosos e possuem um background que vai se revelando aos poucos no decorrer da história, pouco a pouco as peças vão se encaixando no lugar, e não é uma experiência nada agradavél.
A Bloober não mudou o conceito inicial da história, mas surpreendeu e colocou ótimas adições nela, aqui temos mais diálogos entre os personagens, novas falas, e até mesmo alguns novos cenários no jogo, por exemplo: o James agora não se recorda totalmente onde é o “lugar especial” dele e de Mary, e isso cria um cenário onde James explora um pouco a cidade para se recordar dos tempos que ele passou com Mary na cidade, isso cria um gancho de exploração nela onde precisamos reunir um disco de vinil quebrado para ouvir uma música e desencadear uma memória em seu subconsciente.
Eu achei isso muito bom, e em momento algum eles são desrespeitosos a narrativa original, eles apenas adicionam camadas a mais, algumas partes eles até melhoraram bastante.
Tenho que ressaltar aqui que eu adorei os novos dubladores, em especial os atores de James e Angela, que fizeram um trabalho excepcional e um dos mais impressionantes que eu já vi em videogames, James passa um ar altruísta mas cheio de melancolia e insegurança.
Angela é bem desconexa e você consegue sentir dela um medo e tristeza genuíno, a atriz que a interpeta é muito boa, e pontos para os detalhes do modelo da personagem, se você conseguir analisar bem as unhas dos dedos de Angela, vão ver que elas estão roídas e machucadas, um detalhe importante para quem sofre com ansiedade e passa por bastante estresse na vida.
O mesmo pode se dizer dos outros personagens, eles têm o mesmo cuidado e carinho em suas retratações, se eu precisar apontar a atuação mais fraca em Silent Hill 2, vai para a atriz de Mary, ela não é tão boa quanto a dubladora original mas mesmo assim, está longe de ser ruim.
Outro ponto negativo a se notar, é que a direção de algumas cenas não passam o mesmo impacto que a original, a cena da primeira aparição do nosso querido Red Pyramid Thing – ou Pyramid Head, é um bom exemplo disso, enquanto a cena do original é claustrofóbica e desesperadora, e passa aquele sentimento de ter entrado por acidente em um terrível pesadelo, a cena no remake é mais contida, porém, ainda consegue ser perturbadora do seu jeitinho.
Enfim, em história, direção e narrativa, a Bloober está de parabéns, conseguiram manter bem a sutileza e o “feeling” do original, os novos dubladores são excelentes e as adições são escolhas certeiras para contribuir para a narrativa do jogo, quem já tem história com o jogo original pode sair muito surpreso com o remake.
A beleza aterrorizante de Silent Hill:
O visual do jogo é impressionante, a cidade tem um número gigantesco de detalhes nos cenários e nos seus itens interativos, a névoa em Silent Hill nunca esteve tão densa e misteriosa, e isso sem falar nas mudanças de cenário, a Bloober Team conseguiu recriar a cidade da época do PS2 e conseguiu adicionar muito bem novidades nele. Aqui você vai sentir aquele medo de se deparar com alguma coisa estranha no meio da névoa, e vai se apavorar pelos cantos escuros que tem dentro dos edifícios da cidade.
Vale ressaltar que agora temos mais lugares exploráveis dentro de Silent Hill. Temos mais bares, lojas, e apartamentos para nos adentrarmos e explorarmos, e todos eles têm uma fidelidade gráfica impressionante, ele não deve em nada no número de detalhes impressionantes que a Team Silent fazia na época do PlayStation 2.
O modelo dos personagens e dos inimigos também é de cair o queixo, o número de detalhes neles é de outro mundo, e complementa bastante a atuação e o mo-cap feito, podemos ver claramente traços de expressão nos personagens, e por conta disso, algumas cenas não necessitam muito de falas pois os modelos conseguem expressar bem os sentimentos dos personagens, você consegue ver sem seus rostos o que eles querem dizer e como eles querem dizer.
Continuando nos detalhes dos modelos podemos ver coisas mais sutis, como por exemplo a que eu já citei acima com a Angela, a barba rala de James é bastante visível sua pele é muito detalhada, e também podemos ver que ao avançar do jogo, o estado mental e físico de James vai piorando por conta dessa fidelidade gráfica, seus olhos vão ficando com olheiras e ele aparenta estar mais cansado.
É lindo o quão bem detalhado os modelos dos personagens são, e é claro que precisamos falar dos inimigos.
Os inimigos estão mais bizarros do que nunca, suas movimentações são agoniantes e é impossível não sentir essa aflição mesmo depois de horas e horas os enfrentando, foi ótimo ter o Masahiro Ito de volta, pois ele não só reproduziu o visual clássico dos inimigos com uma fidelidade absurda, como também adicionou mais em seus designs.
Dá até um pouco de pena saber que tanto esforço foi colocado nesses inimigos e eu mal consigo olhar direito pra eles.
Os detalhes nos danos também é impressionante, o James fica com ferimentos dependendo do tanto de dano que ele recebe, e os inimigos idem, eles ficam ensanguentados ou com marcas das balas das armas.
Visualmente falando, esse jogo é quase um sonho, e foi a melhor forma de reproduzir uma Silent Hill clássica na era 4K que estamos.
Jogabilidade moderna e refinada:
A Jogabilidade foi uma das mais discutidas por muita gente, porque uma coisa todos nós temos que admitir, o gameplay do Silent Hill 2 original era ruim, quase risivelmente ruim, mas o gameplay dele não atrapalhava a experiência, pelo contrário, ele até adicionava nela, e por isso ela nunca me incomodou.
E isso também faz sentido no jogo, pois o James não é um soldado, um polícial, nem coisa do tipo, ele é um cara normal que meio que usa suas armas no puro instinto, ele parece ter só um conhecimento básico de armas de fogo, apenas o suficiente para pelo menos manusear elas, e por conta disso eu sempre achei impressionante ele conseguir utilizar um rifle daqueles no jogo original, e isso continua nesse remake.
A câmera agora é em terceira pessoa sob o ombro do personagem, como todo bom jogo da sétima geração ao invés da câmera semi-fixa / dinâmica que utilizavam na época do PS2. E apesar de amar essa câmera dinâmica clássica e seus ângulos malucos, foi uma mudança necessária para modernizar o jogo, e devo dizer que explorar Silent Hill com camera no ombro é um deleite, podemos ver o dobro de detalhes pelo alcance e manuseio que ela nos permite ter.
Antes de prosseguir eu quero falar das opções de acessibilidade que o jogo tem, permitindo o jogador a customizar variadas opções a seu gosto, como por exemplo, podemos tirar a tela vermelha que fica ao redor quando James está ferido, podemos tirar o número de balas que aparecem na tela, podemos diminuir os pontos de interação, tirar os prompts de QTE, e assim vai.
Eu acredito que a melhor forma de experimentar Silent Hill é deixando a hud praticamente sem nada na tela, então eu tirei o contador de munição, tirei os tipos de mira e deixei apenas um ponto minúsculo na tela para poder ao menos ter uma noção de onde eu estou apontando no inimigo, e também tirei as dicas visuais da interface que o jogo dá quando James fica ferido, deixando apenas que a luz do dual sense e os ferimentos em tempo real do James me guiem pra saber o estado de saúde que ele está.
Resumindo: eu deixei o jogo um pouco mais propositalmente difícil para passar essa sensação de despreparo, e aumentar a minha imersão.
Já que estamos falando da mira, vamos falar mais sobre o combate do jogo, e ele melhorou bastante.
Aqui temos mais opções de movimentação em comparação ao antigo, agora temos um botão de esquiva que deixa o combate mais intenso, e confesso que eu estranhei bastante alguém como o James fazer esquivas ala lutador de boxe, mas mesmo assim, o jogo ainda passa bem essa sensação que o ele não sabe lutar como um agente especial, ele só tenta se defender no instinto.
Temos as armas melee que ele balança visceralmente apertando R2, e o combate corpo a corpo contra os inimigos é bastante intenso e desesperador, então é bem difícil você sentir conforto aqui como é possível em jogos como The Last of Us, cada balanço da arma mostra o desespero de James na situação, e o áudio do jogo com gritos e sons dos inimigos ajuda bastante.
Já as armas de fogo como eu disse, James aparenta ter apenas conhecimento básico sobre elas, ele não as manuseia tão bem assim, ele treme e balança bastante ao mirar, e dependendo de como você usa a mira pode errar bastante o alvo, o jogo passa bem a sensação de peso da arma ao aponta-la, e mesmo podendo andar e atirar ao mesmo tempo, os inimigos não facilitam para você, se movimentando e avançando bastante.
Fora de combate, temos novas adições na exploração, podemos quebrar vidros de lojas ou carros para conseguirmos um extra de recursos, e como eu citei, temos o dobro para explorar na cidade, James agora não tem stamina limitada como ele tinha no original para permitir uma exploração menos frustrante para os jogadores.
O clássico rádio faz um retorno aqui, e ele nos avisa quando um inimigo hostil está se aproximando, uma mecânica clássica que agora voltou com tudo, pois o som do rádio sai pelo dual sense, aumentando a imersão no jogo.
E temos também a volta do mapa, porque não é Silent Hill sem você checar o mapa a cada 50 segundos para verificar onde você está.
Para finalizar, eu preciso falar dos puzzles, e aqui eles são tão interessantes quanto os do clássico.
Eles são bem desafiadores e requer que o jogador quebre de verdade a cabeça para solucioná-los, eles variam de puzzles de exploração com puzzles onde você precisa prestar atenção no que ele mostra e diz, como por exemplo: um bom puzzle de exploração requer que você explore a fase para pegar coisa X, em seguida ir em outro lugar, pegar outro item preso dentro de uma sala com algum segredo ou código, combinar eles e, enfim, utilizar em lugar Y. Isso é clássico de Silent Hill e é uma marca da série, além de suas queridas portas trancadas.
Eu me diverti horrores fazendo os puzzles, e eles não dão dicas tão óbvias para o jogador, testando de verdade a sua atenção e conhecimento.
Assim como no jogo clássico aqui temos modos de dificuldade no combate e no puzzle, é muito bom ter isso de volta pois sempre melhora replays no jogo e mostra o quanto os desenvolvedores pensaram neles, Silent Hill foi a única franquia que eu vi que tem modo hard para puzzles, e eu sempre achei isso bem maneiro.
Trilha e efeitos sonoros assombrosos:
Akira Yamaoka retorna com tudo, ele rearranjou várias das músicas clássicas de Silent Hill 2, e cada novo arranjo das músicas tem algo novo pra se admirar ouvindo, ela também mostra como ele amadureceu como compositor nesse tempo.
Tem músicas que não mudaram drasticamente, mas outras que tem belas mudanças em seus arranjos.
Já nos efeitos sonoros o jogo consegue amedrontar como nunca, esses sons esquisitos e as trilhas sonoras dignas de pesadelo são elementos fortíssimos que fazem Silent Hill ser o que é, pois bem, aqui os efeitos sonoros dão o medo necessário para você ter pesadelos reais com o jogo e sentir a tensão na carne.
O som dos monstros, dos cenários, do rádio, e até mesmo alguns sons aleatórios como sussurros e gritos são de uma qualidade assustadora, jogar com ou sem fone, não importa, você vai sentir medo do mesmo jeito.
O design de áudio 3D foi um dos grandes destaques de novidade nesse remake, e não é atoa que divulgaram isso em comerciais, é sem dúvidas um dos grandes destaques do jogo, e respeita insanamente bem a atmosfera de Silent Hill 2.
Considerações Finais:
O remake da Bloober foi uma das melhores surpresas que eu tive não só do ano, como da geração, e como eu maculava Silent Hill 2 estava bastante apreensivo com esse remake, e estou muito feliz que eu acabei adorando ele.
O remake me passou uma sensação que eu não sentia a muito tempo com videogames, ele me deu medo genuíno, medo real, que era algo que eu não sentia a muito tempo.
Chegou ao ponto que eu fiquei aliviado em terminar uma sessão de jogo durante o dia, por causa do tanto de estresse e apreensão que eu senti jogando ele, e sinceramente? Era isso que eu queria.
Até relógio quebrado acerta as horas as vezes, e dessa vez a Konami está acertando bastante, na verdade isso já tem a um tempo, suas coletâneas de Castlevania são ótimas, ela anunciou o Remake de Metal Gear Solid 3 que parece muito agradável, e eu estou aguardando empolgado que nem uma criança pelo remaster de Suikoden 1 e 2, que de longe parecem os melhores JRPG HD-2D que eu já vi na vida.
A Konami está pendente para um lado positivo, vamos ver se ela mantém essa consistência, não só com Silent Hill mas também com esses jogos que ela anunciou, e estou no aguardo de Silent Hill f, o novo jogo da franquia que tem bastante gente promissória em seu desenvolvimento.
No mais, parabéns aos envolvidos do Remake, conseguiram refazer um clássico absoluto ser mais mórbido e assustador, que é um feito e tanto.
Contudo, deixo aqui também a minha recomendação ao jogo original de 2001, que apesar de mostrar sua idade, ainda é um dos melhores jogos já feitos e que é um lindo jogo. Uma pena que não tivemos uma remasterização digna dele e nem um bom relançamento, mas existem formas de jogar boas de jogar ele além de ligar um PS2 em uma TV de tubo.
No PC, um grupo de fãs fizeram o Silent Hill 2: Enhanced Edition, que ainda teve atualizações recentes, eles se encarregaram de deixar a versão de PC totalmente remasterizada e corrigida, então é sem sombra de duvidas a melhor forma atual de jogar Silent Hill 2 original.
Joguem-no pois apesar do remake ser excelente, ele não substitui o jogo original de forma alguma.
Um grande agradecimento a Nuuvem por ter nos disponibilizado o código para essa review de Silent Hill 2.
Silent Hill 2 está disponível para PlayStation 5 e PC.
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