O gênero terror, na superfície, pode ser visto como um tipo de filme que apenas diverte e dando sustos controlados no espectador. Embora isso seja verdade, um filme decente consegue trabalhar temas e conceitos que se alinhem bem com o gênero e, assim, tornando a história interessante. Por exemplo, “28 Dias Depois” é um filme de zumbis frenéticos que se passa na Inglaterra no início dos anos 2000. Vendo de longe, o longa é mais uma história de mortos-vivos, mas ao entender a trama dar para identificar outros assuntos que eram relevantes tanto na época que foi lançado quanto hoje, como pandemia, pânico na sociedade, isolamento e, especificamente, raiva social.
Em tese, raiva social é um estado de hostilidade causado pelo sensacionalismo na mídia, crises econômicas ou qualquer forma de intolerância. Em 28 dias depois, vemos isso na prática quando um vírus, denominado “Vírus da Raiva”, destrói um país em menos de um mês ao transformar seus cidadãos em maníacos ensandecidos. Mesmo sendo um terror de zumbis, a narrativa carrega críticas sobre nossa sociedade como um todo.
Assim, Imaculada também traz temas e assuntos presentes da atualidade sob um olhar horrível e macabro. Não apenas na religião, mas na ciência e como a humanidade pode justificar os mais terríveis atos em nome do bem maior. Em uma atuação fenomenal como a noviça Cecília Jones, Sidney Sweeney nos apresenta uma expressão de horror tão convincente que não parece que seu maior sucesso antes foi na comédia romântica “Todos Menos Você” como a amável Bea. Trabalhando também como produtora de Imaculada, Sidney adaptou o roteiro após o filme ter caído em development hell – termo para produção parada indeterminadamente -, abordando temas mais próximos a ela e as expectativas do público.
Nem todo milagre é uma benção
Cecília, a protagonista de Imaculada, recebe uma proposta de viver em um convento no interior da Itália, conhecido por abrigar freiras idosas, onde ela trabalharia como uma enfermeira. Seu novo lar parece bonito, suas colegas são amigáveis e seus superiores gentis, mas o convento abriga terríveis segredos. Após alguns dias, ela descobre que está grávida mesmo não tendo tido uma relação sexual. O que parece um milagre para as outras freiras se torna um terror para Cecília e ela irá descobrir se é uma benção ou uma maldição.
Além de Sidney Sweeney, o filme conta com a participação de Álvaro Morte (“La Casa de Papel”), fazendo padre Sal Tadeschi. Fora os dois atores, o resto do elenco são artistas italianos, como Dora Romano (“Bang Bang Baby”), Benedetta Porcarolli (“Baby”) e Giorgio Colangeli (“Mindemic”). A produção escolheu para filmar em Roma, na Itália, e apresenta muitas cenas das construções antigas e pastos da região. A caracterização foi bem trabalhada em mostrar um típico convento antigo, com uma arquitetura romana antiga, catacumbas e com pouca iluminação.
Bebendo nos clássicos, como no tom soturno que mistura horror e clamor religioso de “A Profecia”, Will Bates (“The Voyeurs”) constrói a trilha sonora do filme de forma que nos dá a sensação de medo e temor por Cecília, seja no extremo silêncio ou em cenas filmadas nos corredores escuros do convento. Somado com o ranger das portas antigas, o espectador pode sentir a mesma aflição que a personagem passa durante a história.
No convento, as freiras variam entre as jovens enfermeiras e as idosas enfermas, que podem apresentar estados de demência e outras doenças ligadas a idade avançada. Este elemento na narrativa colabora com o clima de apreensão e terror, apresentando algo imprevisível para a história e nos deixando em estado de alerta sempre quando uma senhora aparece em cena.
Embora não tenha nudez explícita, os tema sobre sexo e atração sexual estão presentes em Imaculada. Seja em cenas de banho, close-ups na troca de roupa ou comentários sobre as aparências das jovens freiras, estes assuntos vêm acompanhados com formas de agressão e repressão contra a mulher durante o longa.
Como a Virgem Maria
O diretor Michael Mohan (“The Voyeurs”) tem uma ideia fixa do longa e reforça essa temática evidente nas produções de nunsploitation, um subgênero de filmes que exploram o conceitos das freiras em sua natureza religiosa ou sexual. Neste caso, o aspecto sexual é mais abordado em Imaculada, seja em comentários sobre a beleza de Cecília ou no passado de suas colegas. Sobretudo, também leva em questão ao título do filme, já que “Imaculada” também o epitéfio de Maria, mãe de Jesus, querendo dizer “pura”, “castiça”, “virgem”.
Contudo, o filme aborda o debate sobre a liberdade da mulher quanto ao seu corpo, o discurso pró-vida de grupos religiosos e o aborto. Durante a trama, vemos que a chegada da notícia do bebê “milagroso” de Cecília é comparada com a chegada de Jesus Cristo, mas também está trazendo angústias e temores da protagonista que o que está em seu ventre pode não ser algo bom ou mesmo humano. A pergunta se ela realmente deve ter o bebê é trazida por outras personagens e a reação dos superiores do covento se torna estranhamente similiar com a realidade. Para a madre superiora e o cardinal, a criança deve nascer mesmo que a mãe morra. Aquelas que se pronunciem ao contrário? Blasfêmia.
Acima de tudo, Imaculada consegue impressionar o espectador com o horror do fanatismo religioso e seu efeitos nas mulheres sem a intenção de dar uma lição de moral. Ainda assim, sem se segurar em fazer uma crítica em um cenário hipotético: “Se uma mulher está para parir um demônio, a igreja aprovaria um aborto?”.
Sem dar muito spoiler, o longa também traz a ponderação dos limites entre ciência e religião e os limites morais e éticos na manipulação da vida. Se temos a capacidade de brincar de deus, nós deviamos? Mesmo se nossas intenções são boas? O horror dessas perguntas é amplamente explorada em Imaculada, contendo um final um tanto chocante para essas questões.
Dessa maneira, acredito que se terá muito que falar com o filme de Imaculada. O projeto de Sidney Sweeney, no mínimo, mostrou que ela tem um repertório amplo como atriz e que não tem medo de aborda questões polêmicas como aborto e infanticídio. É um filme que mostra o horror não sobrenatural ou fantasioso, mas os aspectos mais cruéis e desumanos que a humanidade apresenta. Para os tempos que vivemos, é um filme que precisamos ver e colocar o debate em dia.
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