A 3ª temporada de Invencível chegou com a expectativa de um aprofundamento mais significativo nas dinâmicas dos personagens e nas consequências de suas escolhas, e, ao contrário do que alguns poderiam temer, a série entrega exatamente isso. Com um hiato relativamente curto entre o lançamento da segunda metade da 2ª temporada e os primeiros episódios do novo ano, a sensação é que a produção foi mais ágil, mas sem perder o cuidado em manter a qualidade tanto na narrativa – mas nem tanto na animação. A promessa, que era um tanto nebulosa após o final dramático da temporada anterior, se cumpre, já que os três primeiros episódios dessa nova leva de capítulos conseguem ser tão consistentes e emocionantes quanto a proposta da série exige.
Os episódios iniciais, “Vocês Não Estão Mais Rindo” (3×01), “Pacto com o Diabo” (3×02) e “Você Quer um Uniforme de Verdade, Né?” (3×03), servem como uma transição natural para a nova fase de Invencível, onde o protagonista Mark Grayson começa a lidar com as complexas questões de poder, moralidade e responsabilidade que o cercam.
Essa não é mais a história de um jovem descobrindo suas habilidades, mas de um homem tentando se entender em meio a forças muito maiores do que ele. O tom, portanto, vai de um misto de ação e desespero para uma jornada de reflexão, algo que faz o público questionar: até onde podemos ir em nome do bem?
A conflitante jornada de Mark Grayson
No início dessa temporada, três meses se passaram após o turbulento confronto de Mark contra Angstrom Levy, e o jovem herói segue se preparando para o inevitável embate com os Viltrumitas, uma raça alienígena com um só objetivo: conquistar a Terra. Ao longo desses episódios, percebemos que a maior batalha de Mark não está apenas no combate físico, mas na forma como ele começa a questionar o que realmente significa ser um herói.
Em Vocês Não Estão Mais Rindo, o foco está na evolução de Mark como protagonista, agora com um amadurecimento mais evidente. A narrativa, embora possa soar um pouco mais lenta em seu começo, é uma oportunidade para organizar e colocar em prática os dilemas que moldarão o rumo da temporada. A relação de Mark com Cecil (o líder da Agência de Defesa Global) e a introdução de Oliver, seu meio-irmão com poderes semelhantes aos de Omni-Man, deixam claro que a série vai além de um simples conflito entre heróis e vilões.
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Aqui, o peso das decisões e a linha tênue entre ser um herói ou um vilão ganham destaque. As trocas entre Cecil e Mark, em especial, ilustram o quanto cada um desses personagens se vê de forma diferente no espelho da moralidade. Essa troca de perspectivas é uma das maiores forças do roteiro, e o modo como as decisões de Mark vão tomando rumos inesperados, colocando sua moralidade à prova, é o que torna a série única em sua abordagem.
Uma das melhores qualidades de Invencível é como ele lida com a vulnerabilidade de seu protagonista. Mark, com suas inseguranças, falhas e erros, reflete muito mais o espectador. Em um dos momentos mais emblemáticos, o protagonista toma decisões impensadas, que geram consequências devastadoras, e aqui vemos uma das maiores virtudes da temporada: os roteiristas são implacáveis ao mostrar que a busca pela perfeição no universo heroico pode ser, de fato, um caminho repleto de dificuldades, e que os maiores inimigos podem, muitas vezes, ser as próprias decisões pessoais.
O jogo da moralidade
Essa moralidade é abordada com maior profundidade no segundo episódio, “Pacto com o Diabo”. Aqui, a série traz uma das discussões mais interessantes do universo de Invencível: os fins justificam os meios? A relação entre Mark e Cecil, e os dilemas ideológicos entre ambos, tornam o episódio um dos mais envolventes até o momento. Ao apresentar o passado de Cecil e sua transformação, o episódio não apenas expande o caráter do líder da Agência de Defesa Global, mas também reforça o tema central da temporada: o poder é uma faca de dois gumes. Quando se trata de salvar o mundo, até onde se pode ir? A série aborda essa questão sem cair na tentação de um maniqueísmo fácil, oferecendo visões que fazem sentido para ambos os lados, com a audiência sendo desafiada a entender a ambiguidade de cada escolha.
O episódio também não se esquece de introduzir cenas de ação que são uma marca registrada da animação. Embora a série seja famosa por suas batalhas sangrentas e intensas, é a maneira como as lutas são entrelaçadas com os dilemas internos dos personagens que tornam a experiência tão envolvente. Cada soco e explosão não são apenas físicos, mas também psicológicos, refletindo os conflitos morais que os personagens enfrentam.
O despertar de um novo herói?
Mas não é apenas Mark que ganha profundidade nesta temporada. A chegada de Oliver, o meio-irmão de Mark, promete modificar ainda mais as dinâmicas da família Grayson. Oliver, com seu rápido envelhecimento e poderes heróicos, é uma representação do fardo da hereditariedade que Mark tão desesperadamente tenta evitar. Enquanto Mark tenta salvar o mundo com uma abordagem equilibrada e ética, Oliver, sem compreensão das consequências de seus atos, age impulsivamente, o que gera uma tensão crescente entre os dois.
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O contraste entre os irmãos, um tentando redirecionar o curso de sua vida e o outro em pleno despertar de suas habilidades, é uma das maiores forças emocionais dos episódios. Quando Oliver mata Maulers sem hesitar e sem remorso, vemos a gravidade do conflito entre herói e vilão se desmaterializando. Aqui, a questão central se torna: até onde devemos deixar um herói ir para evitar que ele se torne algo semelhante ao que combate? Isso alimenta ainda mais a tensão da temporada, e é através dessa relação que a série mergulha em um território moral mais obscuro e complexo.
Abuso do poder
A série, como sempre, também oferece um comentário sutil sobre as questões sociais e políticas que, frequentemente, passam despercebidas em produções do gênero. A manipulação do poder, a desigualdade e a corrupção institucional são temáticas que permeiam toda a temporada. A analogia entre o poder absoluto dos Viltrumitas e os sistemas de autoridade falhos em nossa sociedade é uma crítica clara e incisiva. Bebendo da mesma fonte de “Miracleman”, de Alan Moore, a série de Robert Kirkman não se limita a apenas questionar o conceito de heroísmo, mas também como o poder pode ser distorcido em nome de um bem maior.
Ao final desses três primeiros episódios, a 3ª temporada de Invencível não só retoma o que fez a série ser tão aclamada, como também aprofunda ainda mais as questões centrais que a tornaram o quadrinho adaptado um marco no gênero de super-heróis nos anos 2000. O trabalho de animação, ainda com algumas inconsistências, não perde o impacto visual e a qualidade que o público espera, e a transição de uma série de ação para um drama psicológico é feita de maneira inteligente e fluida.
Invencível continua a ser uma das produções mais ousadas e impactantes do gênero. Se o que vimos até agora é um reflexo do que está por vir, a guerra contra os Viltrumitas e os desafios internos dos personagens prometem mais emoções, dilemas e, claro, muitas surpresas.
Invencível ganha episódios inéditos às quintas-feiras, no Prime Video.
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