Capitão Pátria, 4ª temporada da série The Boys. Créditos: The Boys, Prime Video.
Primeiras impressões da 4ª temporada de The Boys

Primeiras impressões | 4ª temporada de The Boys ataca um ‘espantalho’ bastante vivo e real

Dos copos de leite às bandeiras ideológicas, a 4ª temporada de The Boys chegou com muitos símbolos uma e crítica cada vez mais escancarada ao conservadorismo. Em apenas três episódios, tivemos um verdadeiro bombardeio de novos acontecimentos e personagens. O que conhecemos, continua: a violência explícita, conteúdo sexual e muita acidez por frame. Até que ponto, porém, a série consegue sustentar seus objetivos?

O que, realmente, está acontecendo?

A 4ª temporada trouxe várias surpresas.

Aqui, mais do que nunca, a série é política. Se antes o foco estava em criticar o capitalismo e as grandes empresas, aqui o foco está na polarização social e política. Victoria Neuman está conquistando o apreço do público, recebendo votos e, claro, sendo pressionada pelo Capitão.

De outro lado, temos os “The Boys”, em busca de derrubar Neuman e descobrindo que sua filha é uma Super no processo. Tudo começa a ficar mais complicado. Em meio a tantas situações angustiantes, Bruto fica cada vez mais doente e é expulso do grupo.

Então, somos introduzidos a um Capitão Pátria cada vez mais entediado e frustrado com sua equipe, o que faz com que ele procure pela Mana Sábia, uma Super com o poder de ser a “pessoa mais inteligente do mundo”. E é nesse momento em que o que estava ruim, piora.

Com essa aliada, o Capitão, que até então estava em julgamento por assassinato, joga o jogo contra a Luz-Estrela, ou Annie, atribuindo três assassinatos à ela. A polarização aumenta. O discurso conservador também. Não demora muito para conhecermos a Espoleta, uma Super e comentadora conservadora que começa a fazer parte dos Sete por meio da Mana Sábia.

Enquanto tudo isso acontece, acompanhamos uma possível redenção do Trem-Bala, que parece estar cansado da Vought e dos Sete, auxiliando, aqui e ali, o grupo de Hughie. Além disso, Bruto tenta se aproximar novamente de Ryan, que parece reconhecer as mentiras e exageros presentes na Vought, contrariando seu pai muitas vezes nesses três episódios.

Ah, e claro: de repente, um novo Black Noir faz parte da equipe. E ele fala.

Agora, vamos ser mais específicos:

Uma crítica difícil de comprar: a comédia e o exagero em The Boys

The Boys, 4 temporada da série com personagens lutando na imagem.
Créditos: Prime Video.

Falar sobre comédia é, grande parte das vezes, falar sobre exagero. Seria injusto julgar “The Boys” por suas caricaturas.

Os personagens exagerados já são comuns desde a comédia grega. Aliás, a comédia foi arquitetada para representar pessoas que não deveríamos ser, enquanto a tragédia trazia personagens-modelos. Mais para frente, Molière fez suas sátiras com personagens exagerados em suas peças.

Alguns séculos mais tarde, The Boys surgiu como uma sátira sobre o capitalismo, grandes empresas, super-heróis e conservadorismo, como disse a Terra:

A parceria dos heróis com a Vought International, uma empresa multimilionária com uma influência cultural significativa, é uma crítica direta aos bilionários e ao uso da riqueza e do poder para controle social.

Há, porém, uma falha na verossimilhança, não na fantasia da série, mas nos elementos políticos e sociais que ela se dispõe criticar: não é, no mínimo, esquisito e contraditório uma série da Prime Video, da Amazon, criticar empresas multimilionárias? Aparentemente, é lucrativo que grandes empresas façam uma espécie de autocrítica.

Isso, claro, não diminui a qualidade e potencial de entretenimento que a série possui. Mas é um ponto bastante curioso.

Indo além da crítica ao capitalismo, a série agora dedica-se em desenvolver a caricatura de seus personagens conservadores. Na 4ª temporada, encontramos incontáveis conspiracionistas, liberais que sonham com uma América “higienizada” e sem depravação — que eles mesmos usufruem. A hipocrisia é jogada em nossa cara, e a zombaria também.

Em dado momento da série, a Espoleta diz: “espere até os terraplanistas chegarem”, dando a entender que ela enxerga essas pessoas apenas como peões capazes de carregá-la para onde ela deseja. Depois, ela é questionada pela Mana Sábia se acredita mesmo no que diz.

Todo esse conjunto de acontecimentos me faz pensar que a série estava atacando um espantalho: uma ideia de conservador que não existe, um exagero tão exagerado que deixa de se levar a sério — e de ser levado a sério. Afinal, realmente existe uma massa conservadora tão imbecil assim? Realmente existem pessoas que buscam o poder, traindo seus ideais e sua classe dessa forma?

Então, olhei ao redor.

Um retrato da realidade

Uma coisa é certa: The Boys acertou em sua crítica zombeteira no aspecto político.

Atualmente, o crescimento de partidos de extrema-direita é uma realidade. Discursos que, há pouco, pensávamos ter superado, estão voltando com força.

Com uma similaridade, ao mesmo tempo, assustadora e cômica, The Boys parece ter feito a lição de casa quando escreveram seus personagens. O foco da crítica da 4ª temporada também não parece ter surgido por acaso, mas em um momento muito conveniente.

Simbologias e ideologias: o poder em The Boys

O leite já é um elemento muito presente na dieta de vilões. Pode-se dizer que um dos personagens mais icônicos, e que deve vir à mente de muitos quando falamos sobre o assunto, é Alex, de Laranja Mecânica.

A simbologia do copo de leite, Laranja Mecânica, 1971.
Laranja Mecânica, 1971

Quem tem poder, bebe leite

O copo de leite é um elemento presente em filmes e séries para representar o poder de determinado personagem. O copo de leite é uma alusão à fragilidades dos demais personagens, evidenciando a autoridade de quem bebe. Esse elemento não é inovador e nem é difícil de ser percebido na série, mas não deixa de ter o seu valor.

Em ‘The Boys’, o Capitão Pátria já demonstra sua obsessão por leite desde a 1ª temporada, e essa obsessão continua. Contudo, a série parece pretender infantilizar o significado do leite, tornando o Capitão uma espécie de adulto birrento que necessita de uma mamadeira, literalmente, para se acalmar ou se sentir melhor consido mesmo.

Porém, na 4ª temporada, o Capitão aparece tomando leite em um copo, juntamente com seu filho, que ele continuamente busca trazer ao seu lado. Todo esse comportamento é rodeado de discursos supremassistas, em que o Capitão assume que os seres-humanos são como brinquedos. Claro, nada disso é por acaso.

Um retorno aos grandes Impérios

Além do copo de leite, outros elementos presentes há muito tempo na série, e agora parecem ser ainda mais evidenciados, são as estátuas e alusões aos grandes impérios do passado.

Do Império Romano ao Napoleão, os grandes nomes fazem parte do imaginário masculino sobre como exercer o poder. As grandes e majestosas estátuas representam o corpo perfeito, bem como a linguagem corporal própria de uma autoridade.

Em uma de suas conversas com a Mana Sábia, o Capitão chega à conclusão de que deve agir como César, o imperador Romano. O que, à primeira vista, parece ser apenas uma “simples” alusão ao poder, demonstra ser mais complexo que isso: Mussolini, por exemplo, apoiou-se no Mito Romano para dar forma ao fascismo.

Assim, conclui-se que tudo faz parte de um ritual e estética que deseja comunicar algo, juntamente com o discurso conservador que permeia todo o personagem do Capitão e seus aliados.

O conservadorismo liberal em sua forma mais avançada

São muitos os símbolos presentes, mas outro que chama a atenção é a bandeira do anarcocapitalismo presente em um dos discursos da nova heroína, Espoleta. De alguns tempos para cá, o “anarquismo” deixou de ser parte do espectro político esquerdo para se unir à direita. Daí, nasce o anarcocapitalismo.

Na série, o “ancapismo” é muito bem-colocado no lugar de conspiracionista conservador e, claro, promíscuo. Não por acaso, uma das maiores porta-vozes da ideologia, Espoleta, foi muito bem-desenhada como a mulher conservadora, diferentes das outras, mas que acaba cedendo às roupas “chamativas” para conquistar alguma validação masculina. E consegue, garantindo seus capachos.

Apesar de odiar o termo, é impossível não qualificá-la como uma pick me girl, moldando a si mesma para receber atenção de terceiros.

Os clichês da temporada

Em certos momentos, quando a série quer ser mais sentimental, parece que seus diálogos foram escritos pelo John Green, autor de “A Culpa é das Estrelas”. “Eu tenho essa mania de afastar as pessoas porque sou um cara mau”, disse Bruto. Esse é o tipo de frase que eu espero encontrar no Tumblr de um adolescente melancólico.

Além disso, a série parece cair em certo “deadpoolismo cultural” diversas vezes. Aliás, esse parece ser o papel do Black Noir, um personagem que, até o momento, serviu como alívio cômico com piadocas muito semelhantes às que encontramos em filmes da Marvel. O início da temporada, com a recuperação da Kimiko e sua queda seca no chão também tem um “quê” de Deadpool.

Outro ponto que não convence é a cena da patinação no gelo, em que o Capitão Pátria descobre que Hughie está por ali e, por um feito do Leitinho, acaba matando uma dançarina. No desespero, todos correm e muitos acabam gravemente feridos ou mortos. Quando vi, pensei estar assistindo a Premonição.

Mais tarde, o diálogo entre a Espoleta e Annie me fez pensar: você é chamada de gorda na infância, então decide ser porta-voz do conservadorismo?

Não acredito que essa seja a única razão pela qual a Espoleta abraçou esse lado, mas, além do clichê, falta entender um pouco mais de suas intenções. Assim como falta entender o porquê da pessoa mais inteligente do mundo estar aliada à Vought, aos Sete e ao conservadorismo.

Se for um plano quebrar a empresa e os Super supremacistas, ainda é difícil comprar que a personificação da sabedoria justifica o fim pelos meios. Maquiavel não é lá tão legal quanto pensam.

Mas isso nós veremos nos próximos episódios. Acompanhe as atualizações por aqui!

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Estudante de Tradução e redatora há mais de 2 anos.