Crítica | Jadsa mergulha num 'big buraco' e ressurge com o melhor disco de 2025 até aqui
Capa big buraco/Divulgação

Crítica | Jadsa mergulha num ‘big buraco’ e ressurge com o melhor disco de 2025 até aqui

Quatro anos depois de “Olho de Vidro”, álbum de estreia que a colocou no radar como uma das vozes mais originais da música brasileira contemporânea, Jadsa volta com big buraco – e não é exagero dizer: é o disco mais vibrante, emocionante e tecnicamente brilhante do ano até aqui. A artista baiana, que integra uma leva de nomes como Josyara e Giovani Cidreira (que também saíram da Bahia para fazer música em São Paulo), não apenas consolida seu lugar nessa nova onda da MPB, mas dá um salto criativo raro. Se em Olho de Vidro ela explorava camadas densas e experimentais, aqui ela afia o pop, o samba, o neo-soul e até o hip-hop em canções que soam ao mesmo tempo urgentes e atemporais.

O primeiro acerto do álbum está na produção, assinada por Jadsa e pelo multi-instrumentista carioca Antônio Neves. Gravado em apenas sete dias no Estúdio Wolf, no Rio, o disco tem a energia crua do improviso, mas a precisão de quem sabe exatamente o que quer. As bases são ricas: teclados que remetem aos anos 1970, sopros que evocam o melhor do samba-jazz, batidas suingadas e até scratches de hip-hop. Tudo isso sem perder a organicidade. Em “tremedêra”, por exemplo, o arranjo de metais dialoga com um groove de baixo que parece saído de uma jam session, enquanto a voz de Jadsa flutua entre o sussurro e o grito. É música popular brasileira feita com o rigor do jazz e a alma do pop.

Crítica | Jadsa mergulha num 'big buraco' e ressurge com o melhor disco de 2025 até aqui
Foto: Liz Dórea/Divulgação

A escolha por um som mais “acessível” poderia, em outras mãos, resultar em algo raso. Mas Jadsa não abre mão da complexidade emocional – algo que os caras do Boogarins já fizeram ano passado em “Bacuri”. Prova disso é na faixa “no pain”, faixa que já havia aparecido em versão mais crua no projeto “TAXIDERMIA”, ela transforma uma melodia aparentemente simples em um mantra sobre resistência. A letra — “dor que não dói / é só mais um nó” – ganha força com um arranjo minimalista de teclado e percussão, até explodir com sopros que parecem um abraço coletivo. É como se ela pegasse a herança de Elis Regina (especialmente o álbum “Elis”, de 1971) e a misturasse com a inventividade contemporânea de uma Arca ou até de uma Björk.

E essa é a grande sacada de big buraco: Jadsa não tem medo de contradições. Ela canta sobre amor e mar em “1000 sensations”, com uma levada quase como um reggae que remete ao sol da Bahia, mas também escancara a violência do Brasil na faixa final que desmonta qualquer ilusão de festa. A letra – “big fuzil / big Brazil” – é dita quase como um sussurro, sobre um piano dissonante, antes de mergulhar em um silêncio girante. É um disco que sabe ser doce e ácido, solar e sombrio, sem nunca perder o fio narrativo.

Destaque também para as colaborações. Antônio Neves não apenas co-produz, como parece entender perfeitamente o universo da artista. Os músicos convidados – muitos deles improvisando arranjos na hora — entregam performances que soam frescas, quase como se estivéssemos ouvindo o disco sendo criado. Em “Big Bang”, os sopros surgem como um segundo verso, respondendo à voz de Jadsa como em uma conversa íntima. Já em “Zelena” (sim, uma releitura do EP que fez com Yma), a guitarra ganha um tratamento quase dream pop, mostrando que ela não teme revisitar seu próprio passado.

É difícil não ouvir big buraco e não pensar: “por que a MPB não soava assim há tempos?”. Jadsa pega elementos conhecidos – a batida do samba, o lirismo da canção popular, a irreverência do tropicalismo – e os coloca em uma perspectiva totalmente nova. Se Olho de Vidro já a anunciava como uma artista singular, este disco a coloca em outro patamar. E o mais incrível? Ela faz isso sem se render a fórmulas algorítmicas ou concessões.

O título do álbum é quase uma ironia. Por mais big que seja o buraco – seja ele artístico, político ou existencial –, Jadsa não apenas cai nele, como transforma a queda em um vôo. E nós, sortudos, estamos aqui para ouvi-la cantar durante a descida. Se há justiça no mundo, este disco será lembrado como um marco. Porque, no cenário atual da música brasileira, poucos são tão ousados, tão talentosos quanto ela.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.