Quando João Gomes começou a aparecer nos vídeos do TikTok, muita gente parou para perguntar quem era aquele menino de voz rouca que cantava sobre amor, saudade e vaquejada como se tivesse vivido três vidas. De calça jeans, camisa simples e sem a pose dos artistas pop, ele chegou como quem não quer nada e, de repente, já estava entre os mais ouvidos do país. O que parecia ser mais um sucesso passageiro virou um fenômeno cultural difícil de ignorar.
Natural de Serrita, no interior de Pernambuco, João tem só 22 anos, mas canta como se carregasse o sertão inteiro dentro do peito. Com letras diretas e melodias que misturam o antigo e o novo, ele resgatou o forró de vaquejada e o colocou nas playlists de uma geração que cresceu entre memes e streamings, mas ainda se emociona com músicas sobre a vida real. Seu som virou trilha para amores adolescentes, reencontros de família, desabafos online e até para quem sente saudade de casa sem nunca ter saído dela.
Mais do que um artista em ascensão, João Gomes representa uma mudança de olhar. Ele ajudou a tirar o forró das caixinhas em que foi colocado — regional, brega, velho — e mostrou que o que vem do interior também pode ser pop, também pode ser cool. Sem suavizar o sotaque, sem mudar a forma de cantar, ele conquistou um espaço que antes parecia reservado a artistas com outra estética, outro discurso, outro lugar de origem.
É nessa mistura de vaquejada e geração Z, de teclado e TikTok, que João constrói sua trajetória. Um percurso que começou nas rádios pequenas do sertão, passou pelas redes sociais e chegou aos maiores palcos do país. E o mais interessante é que, mesmo no centro de tudo, ele continua sendo o mesmo João: o garoto tímido de voz marcante, que canta sobre o que sente e, por isso, muita gente sente junto.
E são músicas como “Dengo”, “Eu Tenho a Senha”, “Aquelas Coisas”, “Metade de Mim” e “Seu Vazamento” que ajudam a compor esse repertório que emociona e aproxima, misturando romantismo, sofrência e a autenticidade do interior.
João Gomes nasceu e cresceu em Serrita, cidade sertaneja de Pernambuco conhecida como a capital da vaquejada. Lá, a música não é pano de fundo, ela faz parte da rotina, das festas, das despedidas, das comemorações e até do silêncio das tardes quentes. Desde pequeno, João escutava forró e xote nas rádios locais, nos alto-falantes das feiras e nas festas de família. Era uma trilha sonora constante, que falava de saudade, de chão rachado, de vaqueiros e de fé. Aquilo tudo foi se enraizando nele sem ele perceber.
Essa convivência com a música do sertão foi formando seu gosto e, mais que isso, seu senso de pertencimento. Quando começou a cantar, João não precisou inventar um personagem ou buscar referências distantes, ele apenas colocou em voz o que fazia parte da vida dele desde sempre. E isso se tornou um diferencial. Seu repertório é íntimo e, ao mesmo tempo, universal. Ele canta sobre amor e ausência com a tranquilidade de quem sabe o valor das pequenas coisas. Mesmo muito novo, soa como alguém que já viveu bastante.
Com a chegada da adolescência e o acesso à internet, João foi descobrindo outras sonoridades, outros caminhos. Mas, em vez de abandonar o forró de vaquejada, ele resolveu somar. Entraram na mistura o piseiro, ritmo que crescia nas periferias e paredões, elementos eletrônicos, batidas mais marcadas. O resultado é uma sonoridade que preserva o tom melancólico do forró, mas com uma energia que convida para dançar. É raiz com ritmo, tradição com tempero de novidade.
Esse equilíbrio entre o que é antigo e o que é atual é o que torna João Gomes tão potente. Ele não quis se adaptar a um mercado, fez o mercado olhar para ele. Enquanto muita gente da indústria ainda tratava o forró como coisa do interior, João mostrou que esse som tinha apelo nacional, que dava para emocionar e viralizar ao mesmo tempo. E tudo isso sem deixar de ser quem sempre foi.
Entre a voz madura e o coração jovem: como João Gomes traduziu sentimentos universais com uma estética simples e direta
Uma das primeiras coisas que chama a atenção em João Gomes é sua voz. Grave, rouca, com um peso que parece não combinar com a pouca idade. É o tipo de voz que carrega a sensação de que tudo o que ele canta já foi vivido. Mas, ao contrário do que muitos pensam, ele não fala sobre grandes histórias de vida ou dramas distantes. João canta o cotidiano com simplicidade, como se estivesse conversando com um amigo, contando o que sente sem precisar florear. E isso é o que torna sua música tão próxima do público jovem.
As letras tratam de temas que todo mundo já experimentou: a paixão que não deu certo, a saudade de alguém, o amor que começa e termina rápido, a vontade de voltar para casa. São emoções universais, mas que ele traduz com uma leveza que lembra a música de antigamente, aquela que não precisava de várias palavras pra dizer muito. Em vez de buscar metáforas complexas ou frases de efeito, João aposta na honestidade. E talvez por isso tanta gente se veja nas histórias que ele canta.
Visualmente, ele também rompe com os padrões que dominam a cena pop atual. Não usa figurinos mirabolantes, não força uma estética de tendência. João aparece nos clipes e nos palcos como ele é no dia a dia: de chapéu, camisa xadrez e calça jeans. Nada ali parece montado, e não é. Esse visual simples reforça a autenticidade que ele transmite na música. É como se dissesse: “o importante aqui não é a aparência, é o que você sente quando ouve”.
Quando a internet encontra o sertão
João Gomes começou a fazer sucesso de verdade quando sua voz começou a circular pelas redes sociais, especialmente no TikTok. Foi lá que músicas como “Meu Pedaço de Pecado” (2021) e “Se For Amor” (2021) passaram a embalar vídeos de todo tipo, de coreografias a desabafos sentimentais. Sem grandes estratégias de marketing, seu som foi ganhando espaço na base do compartilhamento espontâneo. Era só alguém postar um vídeo com aquela voz diferente ao fundo e, pouco tempo depois, milhares de pessoas já queriam saber quem era aquele cantor de chapéu que parecia saído de um lugar onde o tempo corre mais devagar.
Apesar de o estouro ter vindo pelas redes, João não é exatamente o que se espera de um “artista da internet”. Ele não faz música pensada para viralizar, nem força presença online com conteúdo fabricado. Sua força digital está justamente no fato de que ele não tenta performar nada. É natural, do jeito que fala, do jeito que se expressa. Ele agradece aos fãs, posta um vídeo do ônibus de turnê, mostra uma oração antes do show — tudo com uma simplicidade que dá ao público a sensação de estar acompanhando a vida de alguém real.
As plataformas também abriram espaço para que o trabalho dele cruzasse fronteiras. Não demorou para que seu nome começasse a aparecer fora do Nordeste, chegando a públicos que antes talvez nunca tivessem ouvido falar de forró de vaquejada. No YouTube, em comentários de seus clipes, é comum encontrar mensagens de fãs do Sul e Sudeste dizendo que descobriram o estilo por causa dele. No Spotify, ele se manteve por semanas entre os artistas mais ouvidos do país, mesmo sem o apelo visual ou as colaborações bombásticas que costumam impulsionar números na plataforma.
Mais do que um meio de divulgação, a internet se tornou o ambiente onde João consolidou sua identidade artística. É lá que ele conversa com o público, divulga novas músicas, compartilha vitórias e que também mostra vulnerabilidades. O digital, no caso dele, não substituiu o palco, mas serviu como ponte entre o sertão e os fones de ouvido de milhares de jovens em todo o país. Um espaço onde a vaquejada encontra o algoritmo… e vence.
Do interior para os maiores palcos do país: como João Gomes ultrapassou barreiras regionais sem abrir mão de sua essência
O sucesso de João Gomes foi além das redes sociais e ganhou as ruas, as rádios e, principalmente, os palcos do Brasil. Em poucos meses, o menino de Serrita já se apresentava nos maiores festivais, eventos e casas de shows das grandes capitais. O que poderia parecer uma ascensão típica foi, na verdade, um movimento que quebrou muitos paradigmas. João não precisou mudar sua forma de cantar, seu sotaque ou seu jeito simples para conquistar um público que, até então, pouco tinha contato com o forró de vaquejada.
Essa conquista nacional também refletiu na maneira como o gênero é visto. O forró, que por décadas foi associado a festas locais e a uma cultura regional pouco valorizada em outros lugares, passou a ser celebrado. João trouxe uma visibilidade inédita para o piseiro e o forró nordestino, mostrando que eles dialogam com as dores, os amores e as festas da juventude brasileira como qualquer outro ritmo. Sem perder sua essência, ele expandiu o alcance da música nordestina para públicos que até então pouco ouviam esses sons.

Além disso, as parcerias com artistas de diferentes estilos ajudaram a consolidar ainda mais esse movimento. João já dividiu estúdio e palco com nomes do sertanejo, do pop e do rap, criando conexões que atravessam gêneros e regiões. Essa troca não dilui sua identidade, mas reforça a ideia de que a música popular contemporânea pode ser plural e rica, sem perder suas raízes. A voz do sertão ressoa, agora, em diferentes ritmos, dialogando com outras expressões culturais do país.
E, talvez o mais importante, João não deixou o sucesso subir à cabeça. Continua o mesmo garoto tímido, com jeito simples, que fala com o público sem intermediários. Essa naturalidade é o que mantém a relação próxima com os fãs e faz com que seu som continue sendo um retrato autêntico do sertão e, ao mesmo tempo, da juventude brasileira como um todo. A vaquejada nunca esteve tão presente na cena pop nacional, e ele é o responsável por isso.
Como João Gomes abriu caminho para uma nova geração de artistas nordestinos que misturam tradição e modernidade
João Gomes não é só um fenômeno isolado, ele faz parte de uma nova cena que vem ganhando força no Nordeste e em todo o país. Essa geração de artistas, em sua maioria jovens, tem algo em comum: o desejo de valorizar a cultura regional sem abrir mão da contemporaneidade. Com eles, o forró, o piseiro e outros ritmos tradicionais deixaram de ser sons distantes ou restritos a festas específicas, para se tornarem trilha sonora de uma juventude conectada e diversa.
O impacto de João vai além do sucesso pessoal. Ao conquistar espaço nas grandes mídias e plataformas digitais, ele mostrou que dá para crescer sem abandonar o sotaque, a estética simples ou as letras que falam do cotidiano nordestino. Isso abriu portas para que nomes como Mari Fernandez, Tarcísio do Acordeon, Nattan e Zé Vaqueiro também conquistassem espaço nacional. Juntos, eles formam uma renovação que valoriza tanto a autenticidade quanto a inovação.
Essa nova geração aproveita os recursos da tecnologia para dar voz a histórias que antes ficavam restritas ao seu território. Com produção moderna, melodias que dialogam com o pop e letras que falam tanto de festa quanto de saudade, esses artistas constroem uma identidade híbrida, que respeita o passado sem ficar presa nele. João Gomes, como um dos pioneiros desse movimento, serve de inspiração para quem quer mostrar o Nordeste de um jeito atual e plural.
Mais do que isso, eles ajudam a ressignificar o orgulho regional para um público jovem, que cada vez mais valoriza suas origens e quer vê-las representadas de forma verdadeira e vibrante. João é a voz que conecta esse sentimento com o grande público, tornando-se símbolo de uma geração que canta sua própria história, com o pé fincado no chão e o olhar aberto para o futuro.
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