Pode parecer bobo, mas escrever esta crítica, pouco mais de uma hora depois de assistir a Superman, foi uma tarefa bem desafiadora. Não apenas pelo prazo de publicar o texto assim que o embargo for liberado, mas porque, no caminho de volta para casa, eu refletia sobre como separar o fã do crítico. Por sorte, a resposta para esse dilema estava no próprio filme, quando Superman – ou Clark (David Corenswet) – é entrevistado por Lois Lane (Rachel Brosnahan). Eu, assim como Clark, posso até tentar fazer essa divisão, mas, como jornalistas, essas marcas permanecem no texto. Afinal, um não vive sem o outro.
Essa contextualização – e até mesmo a aproximação entre um personagem fictício e o meu trabalho – diz muito sobre como James Gunn conduz essa nova abordagem do Homem de Aço nos cinemas. O diretor e roteirista quer que esse ser superpoderoso não seja visto apenas como um super-herói ou um alienígena, mas sim como um humano. Claro, essa não é uma proposta inédita, mas, considerando a última versão do personagem no cinema, há uma ênfase muito maior nesse aspecto – e, felizmente, funciona.
São muitas cenas que reforçam o amor que ele tem pela humanidade, salvando crianças, animais e evitando o máximo de destruição em Metrópolis, mesmo que para isso, ele use seu corpo como escudo. Em contrapartida, a humanidade também o abraça, seja para pedir ajuda num momento de desespero, como oferecendo uma refeição após um salvamento. Toda essa construção narrativa leva ao espectador a entender que ele é um herói com muita experiência e essas pessoas o amam.

Pensando na temporalidade Superman, o filme, começa ignorando qualquer história de origem. O longa abre com um breve texto explicando o básico e já mostra o Superman como um herói popular e consolidado. Vamos direto para sua primeira derrota em batalha, motivada por sua interferência em um conflito geopolítico que poderia resultar em um genocídio étnico. É a partir daí que ele começa a ganhar seus primeiros haters e a dividir a opinião pública com suas ações.
Obviamente, todo esse cenário é orquestrado por Lex Luthor (Nicholas Hoult), representado aqui como uma versão jovem e invejosa do maior antagonista do herói. Ao lado da Engenheira (María Gabriela De Faría) e de Ultraman, o Luthor parece estar prestes a concluir um plano megalomaníaco de anos para deter Superman enquanto consolida seu próprio poder globalmente.
Pelo enredo, fica claro que Superman abraça o fantástico e os absurdos do Universo DC. Monstros, seres de outra dimensão, grupos paramilitares e até heróis financiados por empresas terceirizadas fazem parte dessa realidade. A ausência de uma estrutura de filme de origem dá a Gunn tempo para explorar os (muitos) personagens, suas dinâmicas e o cotidiano do protagonista.
Falando em personagens, há três destaques claros, movidos por ótimas atuações: Corenswet, Brosnahan e Hoult. O filme usa o antagonista como uma versão oposta do herói, assim como Lois é o oposto de Clark, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Esses contrastes funcionam muito bem para definir quem cada personagem é e o que deseja.

Já a participação de outros personagens, como Guy Gardner, o Lanterna Verde (Nathan Fillion), a Mulher-Gavião (Isabela Merced), o Senhor Incrível (Edi Gathegi) e o Metamorfo (Anthony Carrigan), além da redação do Planeta Diário – com Perry White (Wendell Pierce) e Jimmy Olsen (Skyler Gisondo) –, é mais funcional. Eles não são apresentados ao público; o filme assume que todos já fazem parte daquele universo e Gunn confia que o público, por mais que não conheça alguns desses personagens, entenderá sua intenção em contar uma história a partir de um universo que parece já ter vida própria antes mesmo de sua cena inicial em tela.

Por fim, não posso deixar de citar Martha e Jonathan Kent (Neva Howell e Pruitt Taylor Vince, respectivamente). Os pais adotivos de Clark têm pouco tempo de tela, mas são fundamentais para sua evolução no desfecho do filme. Gunn acerta na forma como usa narrativamente os pais terrestres do protagonista, e isso é intensificado por um diálogo emocionante entre pai e filho – Taylor Vince rouba a cena e me fez chorar.
Krypto por sua vez não é interpretado por nenhum ator canino, no entanto, o personagem digital têm o potencial de se tornar um sucesso para além do longa – como um “Baby Yoda” – devido a sua personalidade e cenas de extrema fofura.
Se, por um lado, há muito coração nesta história, por outro, acredito que ela pode não ser tão acessível justamente por isso. Como disse no início, sou fã e já li mais páginas de quadrinhos do Superman do que livros teóricos de jornalismo. Portanto, conceitos absurdos do universo das HQs são mais fáceis para pessoas como eu digerirem; e apesar de o roteiro ser expositivo em alguns momentos, o excesso de informações compactadas em pouco mais de duas horas pode ser um obstáculo para o público geral, especialmente o acostumado com a fantasia mais moderada do Universo Cinematográfico Marvel (MCU).
Nada aqui me incomodou profundamente – na verdade, é um alívio ver uma proposta tão ousada em um blockbuster. No entanto, o que mais me pareceu deslocado foram alguns aspectos técnicos, como o design de produção (com alguns cenários pouco inventivos de Beth Mickle), a fotografia inconsistente (em algumas cenas lindas, em outras padrão) de Henry Braham e a trilha sonora de David Fleming e John Murphy, que, embora emocionante, bebe muito da fonte do tema de John Williams e do Superman de 1978, dando uma impressão de acomodo pro parte da dupla.
Falando em música, surpreendeu-me a cena final ser embalada por “Punkrocker”, balada indie da banda Teddybears com participação do lendário Iggy Pop. A escolha dialoga com a representação do personagem em 2025 e ecoa um diálogo entre Lois e Clark sobre “ser punk”. Num mundo movido pelo individualismo, pensar no coletivo e se sacrificar pela segurança dos outros – isso sim é punk rock.

Por fim, em Superman, James Gunn se mostra mais maduro e parece ter feito um filme com muita liberdade criativa. Suas escolhas ousadas podem até impactar a bilheteria – afinal, é a grande aposta da Warner em 2025. Mas, como não sou acionista e sim um crítico (e fã), saio feliz desta experiência. Sim, há excessos, mas eles são consequências de um coração gigante.
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