Como fã da carreira em bandas de Eric Clapton, com John Mayall & the Bluesbreakers, The Yardbirds — que contava com os também lendários guitarristas Jeff Beck e Jimmy Page —, mas principalmente com Cream, recebi a notícia da série de shows do músico no Brasil com um “se der eu vou”, e foi mais ou menos assim que acabei indo ao show de domingo (29), no Allianz Parque, em São Paulo.
Com uma esperada excelente banda de apoio, participação especial do brasileiro Daniel Santiago, poucas palavras entre as músicas, uma guitarra diferente no bis, eu poderia dizer que além de presenciar um dos maiores guitarristas de todos os tempos ao vivo, que vi um excelente som, mas na verdade, esse foi o grande problema do show: o sistema de som no Allianz Parque.
Show do Eric Clapton e lambança do Allianz
Eu sou uma pessoa que vai constantemente assistir a shows, seja em casas menores — com maior frequência —, seja em locais de porte médio, como nas unidades do Sesc, e até mesmo em grandes festivais e apresentações de arenas. Por isso, acredito ter alguma propriedade para falar sobre a experiência de show.
Mesmo numa arquibancada bem distante do músicos, o mais frustrante é você notar que o som não está bom o suficiente, e no caso do que presenciei ontem na casa do Palmeiras, foi algo que quase devastou a experiência, principalmente pela péssima mixagem do baixo — e não fui o único, visto que as pessoas ao redor também reclamavam.
Mesmo o som geral ter melhorado no decorrer da apresentação, a quase ausência do baixo, um instrumento basilar do blues, quase estragou minha experiência, ainda mais quando o baixista de apoio de Clapton é a lenda Nathan East.
Por falar em qualidade de áudio, mesmo saindo de um show grandioso em uma arena, o som que mais me marcou essa semana saiu da guitarra do Lucas Diniz, no show do MALVISTO, na Porta Maldita, uma casa de shows independentes, que comporta cerca de 90 pessoas.
Aliás, além de East, a banda de apoio de Clapton foi composta por Doyle Bramhall II (guitarra), Chris Stainton (piano e teclados), Tim Carmon (órgão e teclados), Sonny Emory (bateria) e Sharon White e Katie Kissoon (vocais).
Voltando à música
Musicalmente, Clapton é o inglês mais estadunidense — seguido pelos caras do The Rolling Stones — que, após sair do Cream, fincou o pés mais fundo no blues. Assim, ninguém melhor que Gary Clark Jr., um representante da nova geração do gênero, para abrir o show. Infelizmente não pude estar presente na apresentação do texano e nem na abertura com o clássico “Sunshine of Your Love”.
Mas já estava sentado numa arquibancada quando o músico fez a dobradinha “Key To The Highway” e “I’m Your Hoochie Coochie Man”. Apesar de perder a primeira música do show, como um fã de Cream, fui recompensado com “Badge”, canção composta ao lado de George Harrison. Algo notável já nesses primeiros momentos é como Clapton ainda consegue cantar bem apesar dos seus 79 anos, já que eu não duvidava sobre suas habilidades com a guitarra.
Eric é frio sobre o palco. Não se dirige ao público, não sorri, não acena, não deixa a plateia cantar sozinha em momento algum. Restringe-se a cumprimentar os fãs com um “boa noite” e a agradecer vez ou outra. Mas ninguém dá muita importância para isso. Os solos e improvisos — seus e de seus músicos — parecem fazer o trabalho no lugar das palavras.
Sessão acústica
Muito se pode dizer sobre a história de Clapton como uma lenda do rock e do blues, mas com o decorrer dos anos, alguns de seus maiores hits se aproximaram da chamada world music, que em português pode ser traduzida como “música de pai” — aliás, existe também os filmes de pai. Para ficar mais fácil de entender, as canções “Change the World” e “Tears in Heaven” compõem esse tipo de música, que provavelmente estavam na playlist de fim de semana de muitos dos leitores daqui.
De forma muito inteligente, as músicas acima citadas estavam nessa sessão acústica, que tinha um clima ideal para curtir ao lado do parceiro ou dos seus pais. Com um público composto majoritariamente de pessoas a partir da casa dos 40 anos, eles tinham que ter seu momento.
Que Eric Clapton é esse?
Mesmo sendo um desses músicos lendários e até chamado de “Deus” nos anos 60, Clapton perdeu muitos admiradores com seu negacionismo sobre a vacina contra a Covid-19. Fora isso, ele tem um histórico de declarações racistas — que chega a ser cômico de um cara que vive até hoje de ‘música negra’. O mais impressionante foi ver que, no bis, o músico tocava com uma guitarra com as cores da Palestina. Embora essa atitude seja até inesperada por alguém com seu histórico, ele não disse uma palavra sequer a respeito.
Por fim, algumas pessoas esperaram até as luzes começarem a apagar, na vaga esperança do músico voltar ao palco para pelo menos tocar “Layla”, que incrivelmente ficou fora do setlist do show, mas que contou com outros clássicos, como “Crossroads Blues” e “Cocaine”, que finalizou a apresentação.
O saldo final, tanto pessoal, como de comentários de pessoas ao sair do estádio, é que vivemos uma noite histórica e, visto que Clapton tem 79 anos, essa pode ter sido a última visita ao nosso país. Contudo, até agora, enquanto finalizo este texto, ainda lamento não ter conseguido ouvir as linhas de baixo de East.
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