Cresci em uma época em que filmes de terror eram considerados ruins e de baixo. Eu costumava pensar que não gostava do gênero porque o que estava disponível no cinema era quase sempre terrível.
Quando me tornei adolescente e comecei a explorar o gênero, tudo o que havia disponível eram intermináveis sequências de “torture porn”, remakes vazios ou qualquer número da franquia Atividade Paranormal. Vi e gostei de alguns filmes clássicos de terror, mas achava que o gênero estava morto e em grande parte desinteressante. Mas então, há 10 anos, fui assistir A Corrente do Mal, e minha opinião mudou drasticamente.
Com o filme comemorando este aniversário e o anúncio de que uma sequência está em desenvolvimento, percebi que A Corrente do Mal continua tão brilhante quanto era há uma década.
No entanto, ele também foi responsável por inaugurar a era do “terror elevado” produzido pela A24, e, embora esse termo sequer faça sentido e o subgênero possa flertar com o pretensioso, o terror está em uma condição muito melhor agora do que quando eu estava crescendo em meados dos anos 2000.
Uma fábula de horror moderna
Após uma relação sexual com seu novo namorado, Jay (Maika Monroe) se vê sendo seguida por uma força maligna imparável que pode assumir a forma de qualquer pessoa, seja um estranho ou alguém querido, enquanto caminha em direção à sua vítima. É um conceito simples, mas repleto de temas e camadas adicionais.
A interpretação mais básica e popular é que a maldição é uma metáfora para uma IST, mas acho essa leitura simplista demais. O filme vai muito mais além. Ele trata da vida adulta e da perda da inocência infantil.
Todos os personagens estão no limiar da vida adulta e agora são puxados inexoravelmente para essa fase, uma marcha existencial implacável em direção ao crescimento, personificada por essa entidade de sexo e morte. No início do filme, Jay fala sobre seu sonho de infância de como seria ser adulta, e agora ela se depara com a realidade aterrorizante. Ela dizia que queria liberdade, mas agora vê o envelhecimento como nada além de uma armadilha.
Uma vez que essa ideia se enraizou na minha cabeça, comecei a vê-la em todos os lugares. O primeiro plano após o prólogo é de um papel de presente rasgado na rua e um movimento de câmera para revelar um velho jogo de amarelinha desenhado na calçada: o resíduo esquecido da infância.
Na primeira metade do filme, Jay e seus amigos agem como crianças. Ela é confortada com sorvete e granulados quando está preocupada, e o primeiro lugar que pensa em ir para se esconder é o parque, para sentar nos balanços. Quando todos os jovens adultos se reúnem para discutir essa maldição sexual, eles sentam no quintal em círculo, de pernas cruzadas, bebendo de latas com canudos, parecendo caixas de suco.
Maika Monroe parece afetar uma voz ligeiramente mais aguda ao longo do filme, o que a faz soar mais jovem, como uma menininha. O amigo de Jay, Paul, relembra encontrar revistas pornográficas quando criança, uma experiência formativa, e depois encontra mais delas no decorrer do filme, sentando no chão e olhando para elas como se fosse aquele garoto novamente.
Os mundos da infância e da vida adulta colidem ao longo do filme, de maneiras grandes e pequenas, com resultados confusos e traumáticos. Assistir ao filme pela primeira vez aos dezoito anos foi a idade perfeita para mim. A Corrente do Mal evoca tão bem aquele limiar entre a infância e a vida adulta que é muito mais estreito e breve do que se imagina.
Os monstros da vida real
O monstro, seja o que for, é propositalmente sexual. Ele frequentemente assume a forma de pessoas nuas, incluindo a mãe de uma das vítimas, o que só adiciona mais uma camada de confusão sexual. Sem mencionar a forma altamente sexual com a qual ele mata.
As comparações entre perder a virgindade e ser sobrecarregado por essa maldição são talvez o aspecto menos sutil do filme, mas funcionam bem. Destacando a mudança de ações inocentes da infância para as mais carregadas da vida adulta, Paul, desesperadamente apaixonado por Jay, diz: “Eu não passava a noite aqui desde que éramos crianças”, e os dois acabam dormindo juntos: a primeira vez de Paul com alguém. A fala de Jay, “Você se sente diferente?”, se refere tanto a ele ter perdido a virgindade quanto a ter recebido a maldição.
Esses limiares não são apenas abstratos e metafóricos, mas também muito literais e físicos. O filme se passa em Detroit, e muito se fala sobre os prédios abandonados e o colapso social. Nesse sentido, A Corrente do Mal seria um filme perfeito para ser assistido em sequência com “O Homem nas Trevas” e “Noites Brutais”. Agora, para derrotar a maldição, ela e seus amigos, realmente se tornando adultos, atravessam esse limiar e entram em uma terra proibida.
Jay, no entanto, parece ter passado mais tempo nessa zona intermediária entre a infância e a vida adulta do que seus amigos, forçada a isso pela morte de seu pai. O filme faz um ótimo trabalho ao mostrar sutilmente a ausência do pai e os problemas que isso parece ter causado em casa.
A mãe de Jay está em grande parte ausente, tendo que trabalhar o tempo todo, e nunca temos um vislumbre claro de seu rosto. Há garrafas de vinho e um cinzeiro no quarto da mãe, e uma vizinha comenta: “Aquelas pessoas são um desastre.” Uma das imagens mais marcantes do filme é Jay alinhando lâminas de grama em sua perna.
Pode ser apenas um detalhe inócuo, uma distração infantil, ou uma referência à automutilação, com as lâminas parecendo cortes em sua coxa. O pai de Jay é revelado em uma fotografia no final do filme, e percebemos que a entidade já havia assumido sua forma, causando uma reação em Jay quando ela se recusa a descrevê-lo para sua irmã. Assumir aquela forma é apenas um truque para se aproximar de Jay ou um ataque mais profundo e pessoal à memória de seu pai e à sua morte?
Outro tema-chave recorrente no filme é a presença de piscinas e água. A água pode ser calmante, como um útero, mas também perigosa e mortal. Jay é apresentada em sua piscina no quintal. É uma cena pacífica e tranquila, onde ela parece estar em sintonia com a natureza ao seu redor, mas logo descobrimos que ela está sendo observada lascivamente por alguns jovens da vizinhança. Yara diz: “Eu não vou à piscina desde que tinha 14 anos.”
Ela não responde quando lhe perguntam quem a levou lá, como se algo tivesse acontecido que ela não quer discutir. A irmã de Jay, Kelly, revela que a piscina foi onde ela tomou sua primeira cerveja. A piscina parece simbolizar a transição para a vida adulta, uma espécie de batismo.
O anti-clímax
O grande confronto final com a entidade acontece em uma piscina abandonada, uma cena que me lembrou do episódio mais assustador de Clube do Terror?. O tema da água continua na cena seguinte, onde está chovendo e as gotas na janela se refletem nas paredes do quarto de Jay, como se ela estivesse continuamente, metaforicamente submersa.
Mais cedo no filme, há um momento ambíguo em que Jay nada em direção a um barco com três homens a bordo. Ela dorme com eles para atrasar a maldição ou não? A piscina em seu quintal está danificada e vazia quando ela volta. Isso poderia ser um símbolo de sua virtude e inocência destruídas?
Mas, assim como uma piscina, A Corrente do Mal tem uma parte rasa e uma parte profunda. Eu poderia discutir os temas e ideias, mas é um filme de terror: ele é assustador? Absolutamente. É um filme muito perturbador que toca em um terror humano profundamente enraizado. Grande parte do medo vem de ser seguido e observado, uma paranoia constante e a incapacidade de descansar. Mesmo quando não há nada lá, o filme faz com que você olhe ao longe, procurando algo fora do campo de visão, porque você sabe que, eventualmente, a entidade alcançará Jay.
Sempre achei que pessoas lentamente emergindo das sombras são muito mais assustadoras do que sustos repentinos, como aquele homem nu no final de “Hereditário”, e A Corrente do Mal tem vários sustos desse tipo. A direção e a cinematografia se encaixam perfeitamente no enredo, com longos planos abertos de locais que fazem você examinar o fundo, e tomadas em 360 graus com a câmera girando lentamente, reforçando que a entidade pode vir de qualquer direção e ser qualquer pessoa.
O filme tem uma vibe dos anos 80, com referências a “Halloween” em algumas cenas, mas também é estranhamente atemporal. É impossível definir exatamente quando os eventos estão acontecendo, tornando o filme quase onírico em alguns momentos.
O final de A Corrente do Mal oferece o máximo de encerramento possível em uma situação como essa: muito pouco. Embora o desfecho literal possa decepcionar alguns espectadores, o desfecho temático é forte, e eu o interpreto como muito sombrio e cínico.
Embora esse cinismo tenha tomado conta do cinema de terror e deixado o fantástico de lado – ou tratando-o como menor – sua aplicação há dez anos foi muito bem-feita e como embasado nos parágrafos acima, são totalmente justificáveis. A Corrente do Mal pode até virado um modelo de um modelo de produção, mas ele é o original e isso o torna tão especial.
Leia também:
Deixe uma resposta