Como Contos do Dia das Bruxas se tornou o melhor filme de Halloween do cinema
(Reprodução/Legendary Pictures)

Como Contos do Dia das Bruxas se tornou o melhor filme de Halloween do cinema

Doces ou travessuras? Atualmente, o Halloween é celebrado em diversos países, incluindo o Brasil, mas sua origem tem pouco a ver com o significado moderno que a cultura pop a levou. Ela, na verdade, representa uma fusão de tradições antigas e influências da sociedade ao longo do tempo.

A celebração tem raízes antigas na Europa e evoluiu ao longo da história para se tornar o que conhecemo. Sua origem remonta ao festival celta de Samhain, que ocorria no final do verão europeu e celebrava a abundância de comida após a colheita. No cinema poucas pessoas se relembram do obscurantismo e da densa atmosfera trazida por essa época do ano – e o diretor Michael Dougherty propôs levar o público a um lado não muito conhecido dessa comemoração em Contos do Dia das Bruxas, um clássico moderno que melhor sinteliza o que é o Halloween.

Contos do Dia das Bruxas parte da premissa das inúmeras antologias de terror que se tornaram populares na literatura urbana da Inglaterra do século XIX e que viralizariam com a chegada de “American Horror Story”. Em outras palavras, a narrativa desmembra-se em cinco pequenos núcleos criativos que se entrelaçam por um mesmo tema ou pela convergência de personagens – e deixando de lado o âmbito mais teórico, cada uma dessas subtramas é contada por perspectivas nem um pouco premeditadas e que renegam quaisquer clichês do gênero de terror. Dougherty também entra como o responsável pelo roteiro, fornecendo sua própria visão dos fatos e até mesmo facilitando uma linguagem que poderia ceder às previsíveis fórmulas.

Resgatando as antologias

Embora o formato de antologia permaneça vivo até hoje – não apenas no terror – e ele tenha gerado alguns títulos que são moderadamente populares, lá em 2007, principalmente cinema de terror, o formato era algo considerado de produções de segundo, terceiro escalão. No entato, a obra de Dougherty é uma grande produção, que remete a antologias como a clássica italiano “Black Sabbath” (I tre volti della paura) de Mario Bava, lançada em 1963 e “Na Solidão da Noite”, de 1945, mas trazendo elementos do Halloween e melhor, não só fazendo menções às suas origens, mas fazendo paralelos com a festa moderna raptada pela sociedade oridental.

O espírito do Halloween

É comum assistirmos filmes de natal no fim de ano, aqueles que contém consigo o famoso espírito natalino. E esse tal espírito, cinematogramente falando, vai além de adereços, mas em composições convencional desse período do ano. Esses filmes geralmente são ambientados com cenários decorados, neve, representações do Papei Noel, Jesus e outros símbolos da data. Mas o principal é o que ele representa. Com tramas simples, pouco teor dramático, com ninguagem simples, que seja ideal para curtir com toda a família.

Agora, quando falamos de Halloween, pensamos em filmes de terror de uma maneira ampla. Não existe exatamente esse tipo de filme que além de usar narrativamente da data, elementos que compõe o espírito do Halloween. E é justamente esse o diferencial de Contos do Dia das Bruxas. Nada mais é do que uma espécie de narrativa referente a uma noite na qual, segundo lendas e mitos, coisas estranhas realmente podem acontecer.

O roteiro, costura quatro histórias e um prólogo que se passam na noite do dia 31 de Outubro. Aqui não temos um assassino, mas espíritos, seres misteriosos e uma série de acontecimentos macabros de uma noite que, antes de mais nada, deve ser considerada mística e, por isso, respeitada pelos vivos.

Sobre Contos do Dia das Bruxas

Em Contos do Dia das Bruxas, temos a jornada de uma jovem virgem (Anna Paquin) em busca do amor verdadeiro que cede a reviravoltas cruéis; o desabrochar de um professor de colégio (Dylan Baker) em um serial killer perigoso; um velho senhor ranzinza (Brian Cox) que recebe a visita de um demônio fantasiado que fará de tudo para matá-lo; e a desventura de um grupo de adolescentes que deseja prestar homenagem a um trágico evento que ocorreu em sua pequena cidade.

Dougherty toma cuidado para que os blocos não sejam jogados de uma só vez para os espectadores, fazendo bom uso da montagem paralela ao lado de Robert Ivison – fundamental para o ressultado final – para nos impedir de cair numa monotonia linear e buscar referências e certos elementos mais sutis que podem indicar o final de cada história. O resultado é surpreendentemente positivo, moderno, assustador, mas estranhamente… agradável.

O horror, os pontos das tradições pagãs e das festas ocidental, os elementos visuais constroem toda uma mise en scène, criam uma atmosfera quase única. A gente “sente” que esse não é só um filme de terror, mas um filme de Halloween – e não me referindo a franquia de filmes protagonizada pelo Michael Myers.

O texto

O roteiro de Contos do Dia das Bruxas segue uma linha bem metafórica e que renega o uso da clareza cênica. As opções de enquadramento e ângulo sempre prezam pelo foreshadowing [artificio literário pelo qual um autor insinua fragmentos da história que ainda está por vir], deixando aberto para que o público, através de elementos sinestésicos, conclua o desfecho sem uma certeza absoluta.

Esse recurso narrativo faz com que histórias que deixem, propositalmente, pontas soltas, sejam as minhas favoritas – e o sentimento angustiante de desejar ver mais e mais é logo substituído por uma satisfação às avessas, suprimida pela próxima história. Em um ciclo infinito, podemos até perceber um fechamento – não com os créditos finais, mas sim com o momento em que a personagem de Paquin chega à sua revelação máxima.

Sombra, luz e atmosfera

Ainda que restringindo-se a referências claramente expressionistas, a direção de arte e de fotografia fazem um papel importante para aumentar o peso da atmosfera. A densidade é reafirmada pelo uso excessivo da névoa, do jogo de luz e sombra, da presença de árvores secas e retorcidas que imediatamente nos transportam para um cenário de horror clássico – a floresta assombrada ou o castelo medieval abandonado.

Por vezes, os personagens são embebidos sem nenhuma explicação por feixes de luz dura que acentuam suas delineações e os tornam elementos invasivos dentro de uma construção caótica. É claro que essas escolhas são feitas para permitir o máximo de conexão com o público-alvo, mas optar pela saturação é redundante, ainda que estranhamente satisfatório.

Assista nesse Halloween, imediatamente!

Definitivamente, Contos do Dia das Bruxas é um daqueles filmes que entrega mais do que promete. Afinal, se olharmos por cima, parece que veremos a simples histórias que em nada irão adicionar a um gênero tão maltratado; mas olhando com cuidado, trata-se de uma obra que busca ser uma representação audiovisual do sentimento do Halloween. Ele não é meu filme de terror favorito, mas definitivamente é o melhor filme de Halloween já feito. Agora, assista!

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.