Crítica | A Estrada é um ótimo quadrinho, mas peca como adaptação
Crítica | A Estrada é um ótimo quadrinho, mas peca como adaptação

Crítica | A Estrada é um ótimo quadrinho, mas peca como adaptação

A adaptação em quadrinho do livro A Estrada, de Cormac McCarthy, feita pelo francês Manu Larcenet (“Relatório de Brodeck”), foi um sucesso absoluto desde o seu lançamento. Na França foram vendidas mais de 140 mil cópias somente na pré-venda. Ela teve um lançamento quase que simultâneo em diversos países, como França, Portugal, Estados Unidos, entre outros. No Brasil, quem publicou o quadrinho foi a editora Pipoca & Nanquim, que pode ser chamada de casa editorial do autor aqui no país.

Nesta história pós-apocalíptica, acompanhamos um pai e um filho, que nunca descobrimos os nomes, tentando sobreviver no fim do mundo. Em momento nenhum é explicado exatamente o que ou como aconteceu, mas sabemos que praticamente o mundo inteiro pegou fogo e a imensa maioria da população mundial morreu. Quando o fogo cessou, cinzas tomaram o céu e bloquearam o sol, fazendo com que a terra ficasse fria o tempo todo.

O grande objetivo dos dois é chegar no litoral, porque lá, aparentemente, é um lugar mais habitável, que não é tão frio e que eles poderiam achar alguma ajuda e ter uma vida um pouco melhor do que eles tiveram até agora. Os poucos pertences que os dois têm, como comida, cobertores e uma arma com apenas duas balas, estão em um carrinho de supermercado que os acompanham durante toda a jornada.

Então, acompanhamos os dois personagens nessa estrada, sempre desesperados, à procura de comida, abrigo e provisões, que estão cada vez mais escassas nesse mundo destruído. Algumas dessas cenas de desespero do pai e do filho são realmente de deixar o leitor angustiado, torcendo para que eles cheguem em algum lugar seguro.

(Foto: Pipoca & Nanquim/Reprodução)

Várias passagens do quadrinho são lindas e tocantes, principalmente em alguns diálogos dos dois em que podemos ver a inocência e medo dessa criança em um mundo horrível que não tem como melhorar, e do pai, que faria qualquer coisa para manter seu filho seguro. E que, apesar de amoroso com o filho, tem que ser ríspido e frio para que o menino aprenda a sobreviver nessa nova realidade, já que ele não vai viver para sempre.

Já as partes em que os personagens estão em perigo, são de deixar o leitor na ponta na cadeira, tamanha é a habilidade do Manu Larcenet de criar uma cena de tensão com maestria.

O quadrinho também tem diversas cenas chocantes que chegam a ser perturbadoras em alguns momentos. Elas servem muito bem para mostrar como as pessoas podem ser más nesse novo mundo sem regras, em que o único objetivo é sobreviver.

(Foto: Pipoca & Nanquim/Reprodução)

Um dos pontos altos do livro é a parte de narração, aqui no quadrinho o Manu Larcenet faz essa narração unicamente por meio dos desenhos que são um show à parte. A maior parte do quadrinho é feito em tons de preto, branco e cinza, mas, em algumas cenas pontuais, aparecem cores como laranja e amarelo, que dão um destaque maior para o que está acontecendo e faz o leitor ficar de boca aberta em algumas partes.

Apesar do quadrinho ser muito bom, quando comparado com o livro, fica impossível não torcer o nariz para algumas decisões tomadas na história. No livro, além da temática pós-apocalíptica, diversas vezes é abordado o tema da religiosidade, que faz muito sentido para a história, desenvolvimento dos personagens e para o final do livro, que ficou um pouco diferente no quadrinho, justamente por deixar totalmente de fora essa questão da religião.

Outras partes que no livro são importantes para a história e desenvolvimento dos personagens, são resumidas em questão uma página, às vezes até menos, e, para quem leu o livro, deixa a impressão de que está faltando alguma coisa ali.

O autor do quadrinho também faz algumas alterações em alguns fatos que, ao meu ver, não teria porque ser mudado, uma vez que não mudaria em nada o andamento da história.

Em 2009, A Estrada também ganhou uma adaptação cinematográfica dirigida por John Hillcoat (“A Proposta”) e estrelada por Viggo Mortensen (“Green Book: O Guia”) e Kodi Smit-McPhee (“Ataque dos Cães”). O filme, apesar de ser bom, é a pior entre das duas adaptações, deixando de fora partes cruciais da trama, como o fator de religião, que é citado em uma parte ou outra mas não aprofundado como no livro, e adicionando outras que não acrescentam em nada ao enredo.

A Estrada, de Manu Larcenet, é um ótimo quadrinho, que deve ser lido tanto por fãs do livro, como por fãs de histórias de apocalipse. Mas quando comparado com A Estrada, de Cormac McCarthy, fica visível que ele poderia ser melhor do que é.