Apesar de A Profecia ser um clássico, a franquia nunca alcançou o mesmo patamar de suas contrapartes como “O Exorcista”, “A Morte do Demônio” ou mesmo “Halloween”. Para ser justo, a maioria dessas franquias de terror também teve pouca sorte com sequências e remakes, – exceto A Morte do Demônio, todos os seus filmes são bons. Mas, ao contrário da maioria dos remakes e prequelas, o novo filme da franquia, A Primeira Profecia, consegue ser o melhor de todos, incluindo o original.
Muitos títulos de terror dos anos 70 e 80 geralmente recorriam a tropos, que eram repetidos à exaustão, como crianças que precisavam de um exorcismo, fantasmas que assombravam uma casa e seus novos habitantes, ou um assassino implacável. Já em A Profecia o negócio sempre foi megalomaníaco. O primeiro girava em torno de Damien Thorn (Bradley James), uma criança que por acaso era o Anticristo e filho do Diabo, que, de acordo com a profecia, quando adulto, tentaria se tornar uma pessoa influente, poderosa o suficiente para alcançar a presidência dos Estados Unidos (EUA). Em A Primeira Profecia, aprendemos sobre as origens profanas desta criança e as forças que trabalham a favor e contra o processo.
O Santo e o Profano
Existem dois elementos que permeiam boa parte dos medos ocidentais e, na maioria das vezes, estão interligados: o medo da morte e o medo que a religião provoca. O medo da morte nos faz questionar o que há no além, o que acontece quando morremos, como podemos lidar com o fim da nossa existência, como lidar com a desconfiança de que não existiremos depois daqui. E as religiões ajudam a trazer algum conforto com suas crenças, mas principalmente as religiões cristãs – que ocupam a maioria das casas do Ocidente -, trabalha com o medo de que existe um céu – ou um paraíso, ou uma forma de retornar ao mundo dos vivos – se você for bom, e de que existe o inferno se você for mau, para ser punido pelas coisas erradas que fez por aqui. Esse conjunto de crenças alimenta muitos filmes de terror também.
Os conceitos de “bem” e “mal” apresentados na Bíblia influenciam obras desde o surgimento dos primeiros movimentos artísticos clássicos e não foi diferente com o terror. O gênero, funciona como uma espécie de válvula de escape para se questionar convenções e tabus da sociedade, usa bastante as ideias presentes nas próprias escrituras: punição, danação eterna, tormentos e até fenômenos naturais, como enchentes, traições e assassinatos.
Não é de se surpreender que o horror e elementos característicos religiosos possam compartilhar o mesmo trilho tantas vezes. Há algo de assustador em algumas religiões, na forma como ela pode liderar uma população, na forma como seus ídolos observam os atos daqueles que vivem neste planeta. E isso é um terreno fértil para a ficção de horror.
A religião auxilia no controle do mal. Cruzes são usadas para espantar vampiros, igrejas são territórios sagrados e oferecem proteção, a oração pode manter os espíritos longe, ou, quando já é tarde demais, é através de uma oração que um padre pode exorcizar uma garotinha. Os filmes de horror utilizam a temática religiosa porque ela serve, ela dialoga com o ser humano em algum nível.
Basta olhar para alguns dos considerados melhores filmes do gênero e como eles utilizam do temor católico em prol do horror. “O Exorcista”, “O Exorcismo de Emily Rose”, “O Bebê de Rosemary”, entre outros. A Profecia utiliza deste mesmo medo e A Primeira Profecia aprimora, adicionando novos elementos para a franquia.
A Primeira Profecia
O novo – mas, cronologicamente, o primeiro – filme é ambientado em 1971, nos apresenta Margaret Daino (Nell Tiger Free), uma noviça americana que chega a Roma em meio a protestos pelos direitos civis. Ela é recebida pelo Cardeal Lawrence (Bill Nighy), que explica como a nova geração “rejeitou a autoridade” e perdeu a fé no conceito de instituições, incluindo a Igreja. O que mais preocupa Margaret são as visões horríveis que ela tem tido ao longo dos anos, que a levaram a uma infância conturbada. Ela se vê em Carlita (Nicole Sorace), uma das crianças mais velhas do Orfanato Vizzardeli, onde Margaret fará seus votos. Margaret percebe uma série de acontecimentos estranhos que são respondidos quando ela conhece o padre Brennan (Ralph Ineson), e na busca para desvendar os segredos guardados dentro dos que estão no orfanato, ela acaba descobrindo muito sobre si.
Outro ponto a destacar é a excelente atuação da nossa atriz brasileira Sônia Braga (“Bacurau”) como Irmã Silvia. Sem muito esforço, ela nos envolve em sua personagem cruel e vilanesca.
Com assistência da fotografia granulada e de alto contraste de Aaron Morton, Stevenson gera uma série de composições nebulosas, onde os elementos, ou a câmera, podem se mover e assustar. Em mais de um momento, ela parece conseguir enganar nossos olhos; seus quadros direcionam nossa atenção para um ponto, e a surpresa — e por tabela, o terror — vêm de outro. A diretora nos contou em entrevista que encarou seu primeiro longa com a mesma abordagem de seus curtas e episódios televisivos, e a julgar pelo resultado isso inclui preencher cada decisão técnica com o máximo de criatividade possível.
A Primeira Profecia respeita muito o filme original mas também se mostra muito ambicioso. O roteiro, que é uma dobradinha da diretora Arkasha Stevenson e Tim Smith, que trabalharam juntos na série “Channel Zero” é muito bem amarrado, traz tensão e cenas imprevisíveis do início ao fim. Não serão muitos sustos que você levará ao assistir o filme, mas tenha certeza que a atmosfera pode fazer você querer sair desse ambiente “pesado” – principalmente se sua experiência for no cinema.
Ainda sobre Arkasha, é impressionante o domínio dela com a câmera, ao criar mise-en-scènes e em extrair um horror genuíno de seus atores. A elegância que ela imprime nas cenas, sempre como uma movimentação de câmera muito ritmada, é admirável. Já quando a história exige, a câmera se move freneticamente, quase mimetizando a presença de uma força sobrenatural.
Contudo, entende-se que, de fato, A Primeira Profecia se mostrou como um terror cativante, perturbador e envolto por uma aura de mistério, suspense e agonia. Os grandes momentos são quando a protagonista enfrenta questões que são aterrorizantes porque soam como uma reflexão ao que a mulher e seu corpo são constantemente submetidos, seja por serem livres, pela castidade ou pela maternidade, há sempre algo que temer, e Arkasha Stevenson consegue explorar muito bem diferentes tipos de violência que uma mulher sofre sem transformar num torture porn misógino.
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