Quando jornalistas cobrem um acontecimento político existe um grande desafio de mostrar a verdade e se atentar a neutralidade dos fatos. Mais desafiante ainda é representar uma grande e acirrada cobertura através de um filme e essa foi a missão bem concretizada de Philip Martin (“O Impostor”) ao dirigir o longa A Grande Entrevista. A produção original da Netflix mostra os bastidores da cobertura de uma das entrevistas mais assistidas na BBC News.
A história se passa no ambiente de 2019 em que o Príncipe Andrew, Duque de York, se envolve em uma das maiores polêmicas que a Família Real já presenciou na mídia. O irmão do Rei Charles III é mal visto pelo público por conta de sua amizade com Jeffrey Epstein, que foi condenado por abuso e pedofilia. A relação entre os dois levou a uma investigação em que coloca o político em posição de muitas suspeitas quanto a seu caráter e os crimes cometidos pelo então amigo.
Epstein é encontrado morto em 2019 no meio das denúncias e investigações quanto seu envolvimento com abuso sexual de menores e tráfico de pessoas. O cenário de acusações estava movimentado, uma vez que as atrizes de Hollywood se levantaram poucos anos antes e levaram a condenação de Harvey Weinstein. O movimento “Ela Disse” também repercutiu muito na mídia e redes sociais, como é possível também enxergar através do filme “Ela Disse” (2022).
Já a produção da Netflix retrata bem esse ambiente, que colaborou com uma grande preocupação dos políticos quanto a sua imagem nas redes sociais e dentro das notícias dos veículos de comunicação. Andrew estava com uma péssima imagem, ele precisou recorrer a diversos meios para que essa notícia não atrapalhasse mais ainda sua carreira e relação com o público. No entanto, A Grande Entrevista” deixa claro que suas tentativas não obtiveram muito sucesso, uma vez que ele se complicou demais nas respostas.
As cenas do longa representam de forma muito semelhante o protagonismo de jornalistas mulheres que lutaram por essa pauta na BBC, na época a empresa estava passando por um layoff que colocou em risco a segurança de todos os funcionários em todos os setores. Ainda assim, Sam McAlister, interpretada por Billie Piper (“Doctor Who”) aproveitou um furo de uma imagem que mostrava Epstein e Andrew juntos e levou para uma investigação em equipe. Após uma grande luta, elas conseguiram emplacar uma entrevista com a âncora Emily Maitlis, interpretada por Gillian Anderson (“Arquivo X”).
A Grande Entrevista mostra perfeitamente o clima tenso de uma redação jornalística
O roteiro de Peter Moffat (“A História de Stephen Hawking”) merece destaque por retratar muito bem a forma jornalística de lidar com um grande furo. A tensão da redação foi bem explorada através do jogo de cenas e da sequência dos acontecimentos que destacavam as discussões e os problemas internos antes da pauta ser aprovada. É comum que os filmes sigam essa dinâmica, mas dessa vez, os bastidores da importante reportagem deram o protagonismo merecido desse feito: as três jornalistas por trás da pauta, começando por Sam que lutou pelo furo, seguido da chefe Esme Wren (Romola Garai) e também a apresentadora Emily.
O direcionamento do longa conduz aos detalhes dessa entrevista e sua negociação, destrinchando a dificuldade de conseguir a informação completa e todo o processo de preparação para que conseguissem extrair o máximo de fatos pertinentes. O assunto da produção é de sumo interesse para quem é da área e também desperta muita curiosidade para quem não conhece como funciona um ambiente de notícias, ainda mais relatando fatos da BBC News que é um dos maiores veículos de informação da contemporaneidade.
No entanto, a produção se apressa ao mostrar a repercussão no pós-entrevista. É como se uma bomba fosse estourada nas mãos do Duque de York e sua repercussão piora entre o público e as autoridades. Ele é afastado de seu cargo político e recebe uma série de críticas preocupantes. Por outro lado, o jornal se beneficia com a audiência e relevância após conseguir esse conteúdo exclusivo. A trama inicia mostrando a instabilidade da redação com as demissões que estão por vir e termina sem mostrar de fato quais foram os efeitos dessa grande conquista. Essa pressa perde o contexto de continuação, focando apenas no processo.
O filme é baseado na história de Sam McAlister, descrita no livro “Scoops”. Além da relação parecida com o livro “Ela Disse”, de Jodi Kantor e Megan Twohey, a produção tem alguns efeitos próximos ao que enxergamos na série original da Netflix “The Crown”. Isso também se justifica pelo fato do diretor Philip Martin também ter colaborado com sete episódios da série britânica.
Olhando para esse parâmetro, é possível enxergar três produções que retratam os casos de abuso que estamparam muitos tabloides da mídia e envolveram homens de poder que negaram as acusações: Jeffrey Epstein, Harvey Weinstein e o príncipe Andrew, esse último não teve alguma acusação confirmada, mas estava envolvido nesse trio e nas festas organizadas entre eles.
A Grande Entrevista é uma aula de jornalismo contemporâneo e consegue exprimir bem o clima de tensão e suspense ao lidar com uma notícia relevante. As práticas de entrevista foram expostas, tais quais as técnicas de reportagem e o formato de se chegar em uma importante pauta política. Além disso, o longa desperta interesse e curiosidade do telespectador que segue comprando a ideia das jornalistas principais e sua luta para que as informações sejam esclarecidas com prioridade de seu veículo.
A produção se arrasta em algumas informações do meio para o fim e em consequência disso, apressa o final que poderia ter uma extensão digna. Com mais tempo de tela, era possível ver um desfecho detalhando os retratos de como a redação ficou após uma grande reportagem como essa. Mesmo com a superficialidade das realidades da personagem principal Sam, o longa atende bem a proposta sugerida e entrega um drama de alta qualidade.
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