Kieran Culkin and Jesse Eisenberg in A REAL PAIN. Photo Courtesy of Searchlight Pictures, © 2024 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Crítica | A Verdadeira Dor que nunca se esvai e permanece até o final

Um filme sobre trauma geracional que instiga, mas não entrega tudo que promete

A verdadeira dor acompanha dois primos que decidem conhecer um pouco mais sobre sua descendência. Após a morte da avó, de origem polonesa e judia, sobrevivente da Segunda Guerra, a dupla decide viajar até o país e a cidade natal dela para se conectar com esse lado não explorado. Subjetivamente, o filme aborda a relação entre os primos, seu afastamento ao longo dos anos e como, hoje, eles vivem e enxergam a vida de maneiras completamente diferentes. Confira o trailer.

Os primos, interpretados por Jesse Eisenberg (David) e Kieran Culkin (Benji), já foram muito próximos, passando seus vinte e poucos anos em aventuras de bebedeira no Brooklyn. Porém, após as responsabilidades da vida adulta baterem à porta, a vida os levou a caminhos distintos, David construiu sua própria família, enquanto Benji acabou no porão da mãe, em Binghamton, NY, fumando grandes quantidades de maconha.

Logo na primeira cena, o filme desperta uma estranheza e curiosidade que se mantém ao longo da trama por meio do personagem de Kieran. No entanto, com o tempo, essa curiosidade lentamente se dissipa e dá lugar à apatia. Na cena, ele já se encontra no aeroporto, onde se junta ao primo David para a viagem. Ao chegarem ao destino, os dois se integram a um grupo em uma excursão sobre herança judaica: a recém-divorciada Marcia (Jennifer Grey), o casal Mark (Daniel Oreskes) e Diane (Liza Sadovy), o sobrevivente do genocídio de Ruanda e judeu convertido Eloge (Kurt Egyiawan) e o guia britânico James (Will Sharpe), que não é judeu, mas se considera um estudioso da experiência judaica.

A narrativa de A Verdadeira Dor que continua se perdendo

O filme constrói uma narrativa que tenta dar peso à viagem para a cidade natal da avó dos personagens, mas, no fim, essa jornada não acrescenta tanto à trama quanto deveria. Os outros personagens da excursão apresentam histórias muito mais interessantes do que os protagonistas, e ficamos com uma curiosidade que nunca é satisfeita. A verdadeira dor que senti foi perceber que, enquanto o filme me fazia criar perguntas com base no que apresentava, ele não me dava nenhuma resposta. O resultado foi uma sensação de vazio e tédio, já que as poucas situações que chamam atenção não levam a lugar nenhum. Minhas expectativas foram sendo quebradas ao longo da narrativa, tornando a experiência mais frustrante do que qualquer outra coisa.

O filme tenta explorar a relação entre os dois primos, mas, na maior parte do tempo, foca na visão de David sobre Benji, sem se aprofundar verdadeiramente na construção do personagem de Benji ou na dinâmica entre eles. David é frustrado. Ele tem simpatia pelo primo, mas também sente uma estranha inveja, pois controla tanto suas próprias emoções que não consegue expressar o que sente. Como ele mesmo diz: “Sei que minha dor não é excepcional, então não sinto a necessidade de sobrecarregar todo mundo com ela.”

E os Oscars de A Verdadeira Dor?

Os prêmios mais recorrentes que o filme tem recebido destaque são nas categorias de Roteiro Original e Ator Coadjuvante, com Kieran. Pensando no primeiro, o roteiro do filme é simples e, como mencionado antes, sempre tenta ir, mas nunca vai de verdade. Ele se assemelha muito à sensação de inquietação que Jesse sempre traz em seus personagens.

Porém, ao longo do filme, essa inquietação não se transforma em um sentimento que nos faz ansiar por onde a história nos levará. No início, até que sim, mas depois surgem várias sensações de “é isso?”. Os personagens não se desenvolvem, a relação entre eles até muda um pouco em relação ao começo do filme, mas nada muito significativo — não se sente que eles evoluíram.

Dando mérito ao filme, terminei a história entendendo melhor as situações dos personagens e sinto que eles também passaram a se entender. Mas, ainda assim, não acho que foi o suficiente.

Seria esse realmente o filme de Jesse?

Como mencionado anteriormente, Kieran tem sido o grande Ator Coadjuvante da temporada de premiações. Engraçado que, ao assistir ao filme, tive a plena sensação de que ele era o protagonista, mas já sabemos que os produtores fazem essa jogada para aumentar as chances de levar o prêmio com mais facilidade. No fim, Kieran é um excelente coadjuvante, e carrega o filme nas costas.

Kieran transmite a sensação de estar absorvendo tudo ao seu redor ao mesmo tempo: o que os outros personagens estão passando e tudo que está acontecendo. Em cada cena, fiquei esperando sua próxima reação ou ação. Já Jesse Eisenberg, por outro lado, parece sempre interpretar o mesmo nerd incompreendido, desconfortável em todas as situações. Talvez seja impressão minha, mas seus trejeitos, repetidos de outras obras, me fizeram sentir que não via um personagem, e sim ele mesmo.

Minha conclusão sobre A Verdadeira Dor é que ele trata de um tema que aflige tanto os millennials e que tem ganhado mais força nos últimos anos: o trauma geracional. A ideia de que nossas vidas, mentes e até nossos próprios corpos ainda são afetados por forças do nosso passado coletivo, mesmo que, no dia a dia, tudo siga sem grandes agitações. Que lendo aqui você deve ter pensado o mesmo que eu, já vi esse tema em tantos filmes que até já perdi as contas. Mas, não deixa de ser válido, pois traumas conectam e podem ser ótimas historias, inclusive uma temática como a de A Verdadeira Dor. Acredito em seu potencial, porém ele é pouco explorado.

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