Não tão conhecido no Brasil, mas presente na lista dos best-sellers (mais vendidos) nos EUA, Os Garotos no Ônibus é um livro de não-ficção do autor Timothy Crouse que detalha a vida na estrada para os repórteres que cobrem a eleição presidencial dos Estados Unidos em 1972. Um dos principais personagens presentes no livro é o renomado autor Hunter S. Thompson.

Thompson é frequentemente reconhecido como o criador do jornalismo Gonzo, um estilo de escrita que mescla ficção e não ficção. Seu trabalho e estilo são considerados partes essenciais do movimento literário do Novo Jornalismo das décadas de 1960 e 1970, que buscou escapar do estilo estritamente objetivo das reportagens mainstream da época. Thompson quase sempre escrevia na primeira pessoa, usando suas próprias experiências e emoções para dar vida à “história” que ele estava contando.

Crítica | As Garotas do Ônibus: Atrás das câmeras e dos segredos do jornalismo político… será?

Sua influência no jornalismo é tão marcante que ele se tornou um dos personagens principais na nova série da Max, As Garotas do Ônibus. Como o nome sugere, a série é inspirada no poderoso livro jornalístico mencionado anteriormente, mas com um foco feminino, e Thompson é retratado como a voz da consciência da personagem principal, principalmente devido à semelhança de estilos jornalísticos. No entanto, sua presença vai além disso; ele se torna uma figura experiente que a orienta nas decisões corretas e a mantém focada em seu trabalho.

A série de drama político, co-criada por Amy Chozick e Julie Plec, também se baseia no livro de memórias de Chozick, “Chasing Hillary”, de 2018, que foi comparado a Os Garotos do Ônibus na época. O livro relata a cobertura de uma década de Chozick sobre os esforços de Hillary Clinton para se tornar presidente. No entanto, os personagens em As Garotas do Ônibus são completamente fictícios, assim como sua história.

A série apresenta um humor perspicaz, embora não tão afiado quanto se esperaria. Mesmo ambientada no meio político, ela opta por ser um pouco menos catastrófica que outras séries do gênero. As Garotas do Ônibus é uma combinação de comédia feminina com um toque de maturidade social. Aqui, a política é retratada de forma canônica, contribuindo para uma narrativa que prioriza a amizade entre mulheres e as adversidades que enfrentam ao longo de suas jornadas. Com o cenário eleitoral como fio condutor que conecta todos os arcos, incluindo os dos personagens secundários, a nova produção não se leva muito a sério e oferece uma aposta suave e divertida para os fãs do gênero e jornalistas curiosos.

Personagens e atuações

A série tem como protagonista principal Sadie McCarthy, interpretada por Melissa Benoist (“Supergirl”), uma correspondente do New York Sentinel (uma versão fictícia do Times), que precisa superar um momento profissional difícil depois de se tornar viral por razões ridículas durante a eleição anterior. É a personagem de Melissa, Sadie, que tem visões recorrentes de Hunter S. Thompson aparecendo para ela, como mencionamos anteriormente.

Junto de Sadie estão outras três protagonistas que seguimos ao longo dos 10 episódios. Grace, interpretada por Carla Gugino (“A Maldição da Residência Hill”), um ícone jornalístico mais velha, sábia e direta de um jornal concorrente (presume-se que seja o Washington Post), conhecida por conseguir furos de reportagem até mesmo na campanha. Juntas delas estão Kimberlyn (Christina Elmore, conhecida pela série Insecure), repórter de uma emissora de TV conservadora, e Lola (Natasha Behnam, conhecida pelo filme American Pie: Meninas ao Ataque), uma influenciadora em busca de patrocínios que apoia abertamente uma candidata democrata bem progressista.

O primeiro pensamento que tive quando terminei o último episódio é como Benoist e Carla Gugino carregam a trama nas costas. A perspectiva jornalística é muito mais presente nas tramas das duas; os melhores momentos de tensão na série são proporcionados por elas. Quando a história se volta para as outras personagens, perco totalmente o interesse, mesmo com muitas (muitas mesmo) cenas da vida pessoal, que definitivamente são as menos interessantes. Quando Grace e Sadie enfrentam seus dilemas, isso traz uma real questão a ser entendida e descoberta por elas e por nós.

Crítica | As Garotas do Ônibus: Atrás das câmeras e dos segredos do jornalismo político… será?

Grace é de longe a personagem mais interessante, não só pelo seu jeito de se portar, que é diferente do que costumamos ver em séries sobre mulheres à frente de suas carreiras. Ela não usa o feminismo; ela é o feminismo. Em nenhum momento ela duvida de suas capacidades, e sua confiança é tão palpável graças à atuação perfeita de Carla Gugino, que mesmo mostrando-se durona na maioria das cenas, transparece todas as emoções com o olhar.

Não posso dizer o mesmo sobre a atuação de Natasha e Christina… Ambas interpretam personagens que parecem ter características bidimensionais, e isso se reflete em suas performances na tela. Natasha interpreta uma tiktoker da geração Z com uma história pessoal importante, mas é abordada de forma rasa. Por outro lado, Christina representa uma mulher negra tentando provar seu valor em uma emissora conservadora e racista.

Elas não conseguem capturar as nuances de suas personagens, algo que Benoist e Gugino conseguem habilmente com seus papéis.

Um pouco sobre as partes técnicas

Tecnicamente, a série é boa e entrega o que propõe, porém apresenta diversas falhas, como as dessas personagens ao longo do caminho. Outra falha é como os relacionamentos, e não as reportagens, impulsionam As Garotas do Ônibus, o que é surpreendente porque Chozick sabe melhor do que ninguém o quanto as mulheres tiveram que lutar para serem levadas a sério como jornalistas (em Os Garotos do Ônibus, Crouse descreve as poucas mulheres cobrindo a campanha como “bonitas” ou “comuns”).

Embora repleta de referências rápidas a uma infinidade de questões importantes – duplos padrões, autenticidade versus imparcialidade, cultura do cancelamento -, a série foca nos relacionamentos emocionais dos repórteres. Incluindo o maior número possível de iterações desses relacionamentos, juntamente com um mistério emergente sobre o dinheiro e os inevitáveis envolvimentos amorosos na campanha. Esses relacionamentos são importantes para nos importarmos mais com as personagens, mas poderiam ter sido abordados de outra forma, pois toda a ladainha dramática tira o foco das partes mais interessantes da série, e como profissionais, elas também têm personalidades marcantes, não só na vida pessoal.

Um incômodo constante que tive ao assistir à série era como as personagens pareciam não entender seu próprio ambiente, algo que elas claramente já deveriam saber. Emburrecer personagens para criar drama ou piadas na trama NUNCA é uma boa escolha.

Falando em piadas… a série tenta ser engraçadinha algumas vezes, o que não é ruim e ajuda a deixar a série mais leve. No entanto, às vezes também tira o clima de tensão da corrida política e acaba soando deslocado com as outras coisas que estão acontecendo. A série tenta ser engraçadinha várias vezes, com momentos cômicos, alguns bons, outros não. Há piadas bem fortes com os estereótipos de políticos, o que é divertido quando percebemos.

Agora preciso falar sobre os meus dois maiores problemas com a série, que contêm um pouco de spoiler, mas nada que estrague a sua experiência. Revelaram para o telespectador o plot principal da série antes das protagonistas descobrirem na própria série. Isso pode ser interessante se bem executado, mas a série não soube fazê-lo. Quando descobrimos, não faz diferença alguma além do sustinho um pouco óbvio quando paramos para pensar, e depois o assunto só volta quando as protagonistas descobrem também. Nesse meio tempo, se passam cerca de 3 episódios com aquilo, então podemos dizer que não foi bem executado. A história se confundiu aos poucos, tentando ter vários plots, mas dá para entender que a política é assim mesmo, só na série um pouco romantizada.

Algo também romantizado é o plot de gravidez no meio da temporada. Essa é uma crítica totalmente pessoal minha, acho totalmente clichê e sem nenhum tipo de criatividade. Outra parte sem criatividade é o final da série, que deixa um cliffhanger para a próxima temporada, porém não te deixa querendo mais, e sim com raiva porque parece que você só rodou e foi parar em lugar nenhum.

Mas não se engane, eu tenho elogios também. A série usa cores neutras e bem escuras nos ambientes, trazendo o ar de seriedade da temática política, mais formal e “sombria”. O mais próximo de cor que chegamos na série são nas roupas da Lola. A série também tem diversos cortes muito bruscos, o que prejudica um pouco a narrativa, especialmente quando esses cortes são para passar da história de uma protagonista para a outra.

E não posso deixar de ressaltar o meio da temporada, a pegada do meio para o final da temporada com a investigação é perfeita, gerando muita tensão, curiosidade e cenas boas.

Críticas construtivas, ou nem tanto em As Garotas do Ônibus

Uma série política não poderia deixar de abordar críticas sociais ao longo dela, e isso a série faz abundantemente. As conversas de Sadie com o “fantasma” do antigo Os Garotos do Ônibus mostram as diferenças na realidade contemporânea e na vivência feminina como profissional. A série traz algumas comparações feitas de forma simplificada com o que as protagonistas estão enfrentando em suas vidas. Isso inclui o fato das personagens também estarem apoiando uma candidata a presidente mulher, em um país que nunca elegeu uma representante desse gênero, o que tem um peso especial no final da série.

Outra crítica da série é sobre o jornalismo atual, frequentemente comparando com a personagem Lola, que é uma criadora de conteúdo inserida no mundo jornalístico político. Essa é uma discussão atual, que não se limita somente ao meio jornalístico, mas é levantada por muitos: como o jornalismo pode se modernizar e alcançar as massas novamente, além de abordar temas como a mudança para o consumo online e a dificuldade contemporânea das pessoas em se ouvirem, refletindo a polarização de opiniões e como o ato de ouvir se tornou algo complicado e até mesmo ofensivo.

No entanto, mesmo com tantas oportunidades para se aprofundar em temas desafiadores, a trama da série às vezes parece superficial sempre que tenta explorar uma crise ou um ponto específico. É uma série cheia de energia e que eu recomendaria a um colega jornalista assistir, mas espero que sua exploração pelo jornalismo político ou pela causa feminista não se limite ao que foi mostrado, pois esses temas são muito mais complexos. Assistiria a série novamente, principalmente pelas cenas envolvendo Grace, e talvez para rever (agora com conhecimento completo) toda a manipulação política dos personagens.

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