Crítica | Em '12.12: O Dia', o golpe é apenas um espetáculo
Sato Company/Divulgação

Crítica | Em ‘12.12: O Dia’, o golpe é apenas um espetáculo

Assistir a 12.12: O Dia é como entrar em um palco onde a luz incide apenas sobre a ação, deixando as sombras da reflexão e da complexidade políticas nas margens. O filme tenta narrar um dos episódios mais críticos da história moderna da Coreia do Sul: o golpe militar de 12 de dezembro de 1979, que consolidou a ditadura de Chun Doo-hwan. No entanto, o que parecia ser uma análise sobre as consequências desse evento para a democracia sul-coreana se transforma em um espetáculo vazio, onde o foco está em cenas de ação e adrenalina, sem contexto histórico e político que as sustentam.

O diretor Kim Sung-soo escolhe o caminho mais seguro para contar essa história, seguindo à risca as convenções de um thriller de ação hollywoodiano. A trama é acelerada, com cortes rápidos e uma sucessão de cenas intensamente cinematográficas, como tanques nas ruas, soldados marchando e generais trocando ameaças com expressões de pura determinação. A música explodindo a cada movimento dos personagens, os discursos enfáticos e as câmeras tremendo durante as perseguições criam um ritmo frenético, mas vazio. O que poderia ser uma imersão no drama político se perde em uma sequência ininterrupta de imagens e sons desenfreados, que não permitem ao espectador refletir – tampouco entender – sobre o que está realmente esteve em jogo.

O filme opta em não profundar o golpe de 12 de dezembro. Não sabemos as nuances políticas que motivaram esse golpe tudo por conta de uma construção narrativa maniqueísta. Os vilões, representados por Chun Doo-hwan (Hwang Jung-min), são figuras grotescas e caricaturais, quase uma personificação do mal. Já os heróis, como o general Lee Tae-shin (Jung Woo-sung), são desprovidos de profundidade, figuras que se sacrificam movidos por um ideal elevado e um amor inquestionável pela pátria. Ambos os lados são despojados de qualquer profundidade, transformando a história em um duelo simplificado de bons contra maus, sem espaço para uma análise do que realmente aconteceu.

Este tipo de tratamento da história não é único. A estética dos filmes de ação norte-americanos da década de 1980, com sua glorificação do heroísmo masculino e da luta armada, é reproduzida de forma desconcertante em 12.12: O Dia. Embora o filme tente sugerir uma crítica ao autoritarismo, a maneira como ele trata o golpe — com uma ênfase excessiva em cenas de ação e sem a devida reflexão sobre os seus impactos — acaba validando, inadvertidamente, a mesma ideologia autoritária que deveria criticar.

Crítica | Em '12.12: O Dia', o golpe é apenas um espetáculo
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Embora antagonistas na história, tanto Lee quanto Chun, são vítimas de Kim Sung-soo — que também assinou o roteiro ao lado de In-pyo Hong, Young-jong Lee e Hong Won-chan. O vilão é tão maléfico quanto o Grinch no Natal, já o protagonista é o herói prototípico, aquele que não hesita em tomar decisões difíceis e se sacrificar pela pátria, mas suas motivações nunca são exploradas de forma mais profunda. Lee é movido apenas pela “causa”, e sua humanidade é completamente ausente. O público, ao invés de ser convidado a questionar sua liderança, é levado a aplaudir sua coragem inquestionável, um erro típico de filmes de ação onde os personagens são reduzidos a arquétipos de virtude ou vilania.

Além disso, as técnicas cinematográficas utilizadas pelo filme tornam a imersão ainda mais superficial. O uso de câmeras instáveis e cortes rápidos, tão comuns em filmes modernos de ação, não aumenta a tensão dramática, mas sim cria uma sensação de urgência artificial. O filme perde uma chance preciosa de explorar os dilemas morais e políticos daquele período, ao invés disso, priorizando um ritmo frenético que desvia a atenção de questões mais profundas. A violência, retratada de maneira direta e sem contextualização, se torna um fim em si mesma. Em vez de utilizar a ação para fortalecer a narrativa, o filme a usa para cobrir a falta de substância, tratando o golpe como um espetáculo de força militar.

Crítica | Em '12.12: O Dia', o golpe é apenas um espetáculo
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Essa superficialidade na abordagem histórica é ainda mais evidente quando se pensa na maneira como o filme lida com o contexto político da época. O golpe de 12 de dezembro não foi apenas um confronto entre facções militares, mas uma ruptura brutal com a democracia que ainda existia na Coreia do Sul, uma revolução autoritária que resultou na imposição de uma ditadura militar que perdurou por anos. Mas 12.12: O Dia ignora tudo isso, preferindo apresentar os eventos como uma disputa entre líderes militares, sem se aprofundar nas consequências desse ato para a sociedade sul-coreana. A política, no filme, é apenas um cenário, não uma discussão.

Essa superficialidade impacta até no que é bom no filme. Por exemplo, mesmo com o filme se dedicando em recriar os cenários e figurinos da época com precisão, esses elementos servem mais para criar uma “reconstrução de época” do que para contextualizar os conflitos sociais e políticos que estavam em jogo, deixando o espectador à margem, observando os eventos como se estivesse assistindo a uma encenação, e não sendo transportado para a tensão política vivida pelos cidadãos sul-coreanos durante aquele período.

Portanto, em 12.12: O Dia, a história se transforma em um filme de ação genérico, sem espaço para a reflexão histórica e política. Com personagens unidimensionais e uma trama rasa, o longa reduz um evento que mudou o rumo da Coreia do Sul a uma simples batalha entre bons e maus. Ao fazer isso, o filme não só omite a complexidade do período, mas também contribui para a perpetuação da cultura autoritária que deveria criticar.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.