Empate é um documentário que aborda a luta e legado ambientalista de Chico Mendes. O longa é potente na mensagem, mas tropeça em sua forma.
Saci Filmes/Divulgação

Crítica | Empate: a resistência que ecoa no tempo

Empate é o tipo de documentário que abre um portal para o passado e o presente de uma luta quase invisível, mas essencial. Focado na resistência dos seringueiros do Acre, o filme revisita a história de Chico Mendes e seu movimento, buscando capturar a essência de uma luta pela preservação da floresta amazônica. Sérgio de Carvalho, seu diretor, constrói uma narrativa que, apesar de tradicional e expositiva, é capaz de resgatar a importância de um ícone ambientalista que permanece, mesmo após sua morte, uma referência na resistência contra a exploração predatória da natureza.

Logo no início, somos transportados para imagens de arquivo em que Mendes, com a calma de um líder que sabia o peso de suas palavras, fala sobre as ameaças dos fazendeiros no Acre e a necessidade urgente de salvar a floresta.

As imagens históricas se misturam com a atualidade, e vemos as lideranças do movimento, cujas vozes ainda ecoam a mesma mensagem de Chico, agora adaptadas às novas ameaças que enfrentam. É como se o documentário fizesse uma ponte entre a memória da luta e as novas gerações que continuam a batalha.

A estrutura do filme é simples, quase didática, e segue um formato clássico de documentário expositivo. Não há grandes artifícios estéticos ou narrativos, mas a escolha do diretor em não sobrecarregar a obra com elementos extravagantes pode até ser lida como chata, mas é efetiva. Ele aposta na força da mensagem, na veracidade das entrevistas, nas imagens do presente e do passado, e na continuidade de uma luta que nunca teve o devido reconhecimento. O público, mais do que um espectador passivo, é convidado a refletir sobre o que foi conquistado e, o mais urgente, o que ainda está em risco.

Empate é um documentário que aborda a luta e legado ambientalista de Chico Mendes. O longa é potente na mensagem, mas tropeça em sua forma.
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O que Empate faz de maneira impressionante é não só trazer o legado de Chico Mendes à tona, mas também mostrar como esse legado é, ainda hoje, parte vital da resistência no Norte do país. Contudo, embora o filme nos ofereça um retrato fiel da luta, ele se perde um pouco em seu ritmo.

À medida que a narrativa avança, o espectador pode sentir a repetição das mesmas imagens e cenas cotidianas dos seringueiros – momentos tranquilos, como idas à igreja ou conversas simples no cotidiano – que, por mais que humanizem e tragam a intimidade do movimento, acabam tornando a experiência cansativa.

É nesse ponto que a falta de uma linha narrativa mais estruturada começa a ser sentida. O filme, ao priorizar o testemunho direto, corre o risco de perder um fio condutor claro. A alternância entre momentos de falas de protagonistas e a paisagem exuberante da floresta podem até ser poéticas, mas por vezes o ritmo parece arrastado.

Faltam momentos de virada, de clímax, que tiram o espectador do torpor contemplativo. E se as imagens do filme pretendem ser testemunhais, talvez pudessem ser mais provocadoras, mais desafiadoras, como a luta dos seringueiros, que é tudo, menos mansa.

A morte de Chico Mendes é tratada de forma reverente e com o devido respeito que a figura do ativista merece. Um dos momentos mais emocionantes do filme é a sequência que mostra o velório de Chico com o discurso de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda deputado, reverenciando a luta do líder sindicalista. É uma cena de pura emoção, um ponto alto do filme que sintetiza o peso de sua morte e o que ela significou para o Brasil e o mundo. Essa cena, acompanhada por imagens que capturam a dor da comunidade, é de uma potência rara e traz à tona toda a luta que se perpetuou após sua partida.

Apesar disso, o filme não é apenas sobre o passado. A obra também se insere no debate atual sobre a preservação ambiental, especialmente no contexto das ameaças à Reserva Extrativista Chico Mendes, que continua a ser invadida por fazendeiros. A decisão de mostrar as ameaças presentes no contexto político atual do Brasil, especialmente após o governo Temer, é um toque importante. Mesmo que o filme não trate diretamente do governo Bolsonaro – o filme foi produzido antes de seu governo –, ele antecipa o retrocesso que viria, destacando o aumento das tensões e da violência contra os seringueiros.

Empate é um documentário que aborda a luta e legado ambientalista de Chico Mendes. O longa é potente na mensagem, mas tropeça em sua forma.
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Esse aspecto político, embora não tenha o mesmo foco que a figura de Chico Mendes, é essencial para entender a relevância do filme. O documentário não se contenta apenas em falar sobre um passado distante; ele tenta também alertar sobre o futuro, mostrando que a luta continua e que a história de Chico Mendes não é uma história do passado, mas uma batalha em andamento, que precisa ser enfrentada com urgência.

Porém, a forma como o filme transmite essa tensão entre o passado e o presente poderia ser mais direta. A narrativa se limita a mostrar os testemunhos dos protagonistas e algumas imagens de assembleias, mas não há uma dramatização mais concreta dos confrontos enfrentados pelos seringueiros.

Além disso, o fato de o filme ser em grande parte composto por depoimentos dos próprios seringueiros cria uma atmosfera íntima, mas ao mesmo tempo expositiva. Aqui, o diretor se abstém de recorrer ao estilo de talking heads, preferindo filmar as interações entre os entrevistados e ouvindo atentamente suas opiniões. Isso é um ponto positivo em termos de construção de subjetividade, mas também pode afastar o espectador mais interessado em um recorte mais formal da realidade.

O estilo visual do filme é, no entanto, coerente com o tema que propõe. A câmera de Carvalho, sempre fixa e atenta, captura os rostos dos seringueiros de maneira honesta, sem interferir muito no que é dito. Há uma leveza no olhar, que evita transformar os entrevistados em meros objetos de exibição, e que confere um certo respeito pela sua luta.

Contudo, o filme peca ao não investir em mais recursos visuais que quebrassem a linearidade do discurso. O uso de letreiros e frases impactantes, como “Fazedores de deserto”, não são suficientes para estruturar a narrativa e acabar com a sensação de que o documentário é mais uma ruminação contínua sobre a realidade do que uma reflexão mais aguda sobre o futuro.

É importante reconhecer que o filme tem um grande valor simbólico, por ser uma produção de cinema acreano, feito por profissionais locais, e voltado para os interesses do povo daquela região. Isso já o coloca em um espaço único dentro da cinematografia brasileira, onde as vozes das populações do Norte são frequentemente silenciadas pela mídia do Sudeste. Empate se propõe a ocupar esse vazio e, ao fazê-lo, traz à tona uma história muitas vezes esquecida, mas que merece ser contada.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.