Crítica | Família tá cheia das boas intenções, mas peca pelo excesso
Sato Caompany/Divulgação

Crítica | Família tá cheia das boas intenções, mas peca pelo excesso

Poucos conceitos são tão importantes na cultura pop quanto a família, seja a que temos de laços sanguíneos, como aquela que escolhemos, e é passeando nesses dois aspectos que Família, filme dirigido por Izuru Narushima (“Renascimento”) e protagonizado por Koji Yakusho (“Dias Perfeitos”), que o longa se sustenta. O que, curiosamente, acaba sendo o maior problema do longa, seus excessos.

Em Família, Yakusho interpreta Seiji Kamiya, um artesão que vive sozinho, trabalhando com cerâmica, cuja mulher morreu há um tempo. Seu filho Manabu (Yoshizawa) vive na Argélia, onde trabalha como engenheiro numa grande empresa e se casou com uma refugiada, Nadia (Malyka Ali), que tem uma história de força e superação, desde que ficou órfã ainda criança.

Quando Manabu cogita abandonar o trabalho e voltar para o Japão para trabalhar como o pai como ceramista, Seiji acha arriscado para o futuro do casal, mas Nadia embarca na ideia para tentar uma nova vida e uma nova família ali.

No Japão, eles conhecem Marcos (Lucas Sagae), um jovem brasileiro que vive num conjunto habitacional Ho-oka, onde sofre um acidente quando está fugindo de uma gangue e acaba sendo ajudado por Seiji e sua família. O rapaz, por sua vez, foi para o Japão aos 5 anos com os pais, que esperavam fazer uma vida melhor no país. Como nada disso aconteceu, Marcos passou a odiar os japoneses.

Esse grupo, formado por uma família tradicional japonesa e um brasileiro com fortes crises de identidade, um novo núcleo familiar é, lentamente, criado.

Não tá fácil aqui, nem no Japão

Talvez o melhor aspecto do filme é esse olhar nada romantizado sobre a imigração. Todos os brasileiros que conhecemos vivem nesse conjunto habitacional, que trabalham em subempregos mal renumerados, ou optam entrar no mundo do crime, como com a venda de drogas e a prostituição.

Marcos é um personagem muito intrigante. Pelo tempo de tela, sabemos que é uma pessoa boa, mas é um refém de sua própria existência. Não importa os caminhos que faça, o destino trágico de imigrante o persegue. Até por isso sequer esquece que tem sonhos quando lhe é questionado.

Os vários filmes dentro do filme

Embora Família siga uma fórmula até bem tradicional, a diferença dos mundos entre Lucas, Seiji e principalmente Manabu, acabam subdividindo de maneira meio estranha e desconexa no filme. Há algo muito legal explorado no núcleo brasileiro, mas para costurar tudo o filme não tem tempo suficiente para dar profundidade cada uma das histórias e deixar o espectador totalmente a par de todos os personagens que considera importantes para a trama, o roteiro, ao invés disso, deixa todas as tramas muitos superficiais.

Além disso, há uma sensação de falta de costura entre cada uma das histórias. Talvez se o foco fosse mais somente em Marcos e Seiji, o filme tivesse mais liga e facilitaria o envolvimento do espectador com os personagens.

Há também todo um segmento na Argélia e sem entrar no conteúdo, é no mínimo, problemática a representação de um grupos terrorista.

Um show de estereótipos

Se o momento acima já era complicado, principalmente pela influência da cultura dos Estados Unidos e da cultura pop ocidental nos estereótipos grupos terroristas, o mesmo acontece com a gangue antagonista, que parece ter saído de um anime de baixa qualidade e da representação dos brasileiros que vivem no Japão, com todos sambando um samba genérico.

Crítica | Família tá cheia das boas intenções, mas peca pelo excesso
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Tudo isso tira o peso da trama, sobretudo no que diz respeito dos membros da gangue que infernizam a vida de Marcos dois grandes amigos seus e Érica, sua namorada. Pior ainda quando eles tentam traçar um paralelo entre ambos. Enquanto Kaito Enomoto, interpretado pelo conhecido músico Miyavi, odeia brasileiros por conta de uma tragédia cometida por um imigrante, Marcos odeia japoneses por tudo que sofreu desde migrou criança. Isso não é equivalente.

Koji Yakusho

Crítica | Família tá cheia das boas intenções, mas peca pelo excesso
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Um dos grandes destaques do filme, seja em tela, como no próprio marketing, é a presença do ator Koji Yakusho, que recentemente encantou o mundo em seu trabalho muito sensível e cheio de vida em Dias Perfeitos. Mesmo com pouco texto ele segura muito bem o personagem, que por muitas vezes é tranquilo, mas tem seus momentos de desespero e angústia. Aliás, alguns dos melhores momentos do filme é quando a câmera de Narushima fica parada, trabalhando o não dito.

Tem o seu valor

Embora tenha dedicado uma boa parte do texto citado alguns problemas na narrativa, sua linguagem e força no melodrama ainda consegue sustentar o longa. O tema dos imigrantes brasileiros, a quebra do sonho que é sair do Brasil para ter uma vida melhor e a força da atuação, sobretudo de Yakusho e do estreante Lucas Sagae, fazem desse filme uma obra convidativa. Que peca sim pelos excessos, mas jamais tenta caminhar pelo caminho mais óbvio.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.