Crítica | Guerra Civil: Alex Garland evita falar sobre política em seu filme político

Crítica | Guerra Civil: Alex Garland evita falar sobre política em seu filme político

Muita gente pode dizer que Guerra Civil, novo filme de Alex Garland (“Men: Faces do Medo”), é, fundamentalmente, sobre os horrores da guerra. De fato, esse é um dos aspectos do longa. No entanto, é impossível não falar sobre o motivo desse conflito. Bom, e eles são políticos. Não estou dizendo que o filme deveria ser uma espécie de comentário excessivamente político sobre a atual polarização política dos Estados Unidos (EUA), apenas queria que o filme tivesse coragem que ser mais e passar uma menagem além de que guerrear é ruim.

Contexto político

Antes das eleições de 2024 nos EUA, não é controverso dizer que o país se está no fio da navalha. Comentaristas políticos, jornalistas e acadêmicos falam regularmente sobre os perigos da guerra civil. O filme é nada mais que um exercício criativo a partir dessas previsões. Por evitar a falar sobre política, o filme se ancora captar a brutalidade da guerra, especialmente entre vizinhos, familiares e amigos se enfrentam uns contra os outros.

Dentro desse prisma, o filme de Garland também pode ser visto como um aviso, pois nos leva a uma América (EUA) dividida entre facções em conflito e estados que se separaram da união. A mais poderosa delas é a Frente Ocidental, um exército brutal e organizado que se aproxima de Washington DC e da Casa Branca.

Escondido no prédio está o extremamente impopular presidente do país, interpretado por Nick Offerman (“The Last of Us”), que parece negar a situação. Na verdade, o filme começa com ele praticando um discurso com um pronunciamento assustadoramente trumpiano: “Alguns já a consideram a maior vitória da história da humanidade”.

Sobre Guerra Civil

Crítica | Guerra Civil: Alex Garland evita falar sobre política em seu filme político

O filme acompanha os jornalistas Lee Smith (Kirsten Dunst), Jessie (Cailee Spaeny), Joel (Wagner Moura) e Sammy (Stephen McKinley Henderson). Sammy é um repórter veterano do New York Times, enquanto Lee é uma fotógrafa de guerra, que trabalha junto com Joel para a Reuters, com a novata Jessie acompanhando-os. Os quatro estão a fazendo uma corrida desesperada e perigosa através do país, numa tentativa de chegar a Washington antes que caia nas mãos da Frente Ocidental.

Marcas da guerra

As cenas impressionantes de um EUA distópico refletem na violência brutal. Alguns dos melhores filmes de guerra não fazem nada para glorificar a brutalidade do conflito, e Guerra Civil é definitivamente caminha por esse caminho. Embora falho, a modo que é filmado e criando ótimas mise-en-scène é acertado perante sua proposta, ser uma espécie de conto de advertência sobre onde o abuso de poder poderá levar os EUA e o mundo.

Desde um estacionamento abandonado de um armazém, até um estádio da NFL (National Football League. É a liga esportiva profissional de futebol americano) usado como campo de refugiados, um monumento dizimado em Washington, o cenário é impressionante por toda parte.

O diretor de fotografia Rob Hardy frequentemente colaborador de Garland, trabalhando nos filmes “Ex_Machina: Instinto Artificial” e “Aniquilação”, sai da sua zona de conforto ao entregar uma fotografia que posso classificar como uma tentativa de entrega de “realismo em situações fantasiosas” para algo maior. Assim como as fotos que os jornalistas tanto buscam capturar no longa, o trabalho de Hardy, busca o mesmo impacto. Porém, isso não é uma constante, e o visual um tanto “limpo demais” do longa, sem filtros, acaba por dar um visual um tanto artificial.

Marcha de Guerra

Garland está tentando dar uma ideia do que os jornalistas de guerra passam em seu filme. E dentre todos os aspectos, foi o som que mais me chamou a atenção ao assistir Guerra Civil. São frequentes as cenas em que Lee e Jessie tirando fotos da guerra. No meio do caos ou da luta, sempre que uma foto é feita, tudo fica em silêncio, exceto que você ouvirá o obturador da câmera. A tela mostrará a foto tirada por alguns segundos ou mais. Isso dá ao público tempo para deixar as fotos afundarem antes de retornarem ao campo de batalha. As “pequenas pausas” da guerra também separam de alguma forma os jornalistas – neste caso, Jessie – do caos que está acontecendo. Porque no final das contas, o trabalho do jornalista é registrar os acontecimentos sem nunca intervir na situação.

Guerra Civil não toca muita música, embora haja algumas exceções. Novamente, eles não são sem motivo. O filme mostra o crescimento de Jessie como jornalista. No início, ela fica com muito medo de tirar fotos quando encontra dois homens sendo torturados. Lee então diz a Jessie que não é função deles intervir, conselho que a jovem fotojornalista segue mais tarde. Como alguém que viveu o jornalismo de rua diariamente e até ter tido minha parcela de matérias que me colocaram em algum nível de perigo, ver a construção da personagem, por meio do jornalismo, me soa extremamente real.

Pouco tempo depois, vemos a equipe cobrindo um combate entre milicianos e soldados legalistas. Enquanto os legalistas são executados – um momento que Jesse tem coragem de fotografar – ouvimos uma música animada tocando na trilha sonora. À primeira vista, a música pode parecer deslocada, considerando as imagens perturbadoras e como só podemos ouvir tiros em combates anteriores. Mas a escolha otimista de uma música é adequada ao crescimento de Jesse.

Os soldados

O quarteto protagonista é muito forte. Dunst, numa atuação minimalista, mostra o quão excelente e experiente ela é no que faz. Sua apatia pela guerra mostra que ela já normalizou o absurdo – não é muito diferente de pessoas que normalizaram ver gente em situação de rua nas grandes metrópoles. Já Wagner Moura entrega uma das cenas mais fortes do longa ao lado de Jesse Plemons (“Ataque dos Cães”), que consegue criar personagens repugnantes, mesmo pouco tempo de desenvolvimento, desde os tempos de “Breaking Bad”. Sammy é um personagem interessante, mas dentro da equipe é o de menor destaque. O inverso acontece com a Jessie, de Cailee Spaeny, como já mencionado acima. Toda essa jornada do filme constrói o que ela se tornará no final do filme.

E se há uma palavra para descrever Guerra Civil que eu escolheria, ficaria entre o covarde e explosivo. Durante os momentos de guerra, você só poderá ouvir o barulho dos tiros e dos explosivos, fazendo com que pareça que você também está na zona de guerra. A forma como o filme muda rapidamente de momentos calmos de camaradagem para os de conflitos intensos e vice-versa, mantém você na ponta da cadeira. Uma pena que para a construção brutal da guerra e uma ótima jornada o diretor resolveu se isentar, mas só se esqueceu que não se posicionar também é uma ação política.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.