Um bar francês que acende a rua com sua fachada: conheça o Estrela Cadente. O título refere-se a um ambiente casual, mas enigmático; afinal, após “Perdidos em Paris”, Dominique Abel e Fiona Gordon retornam às telas com um drama que reforça a assinatura cinematográfica da dupla.
Em A Estrela Cadente, Boris (Dominique Abel) é um bartender e ex-ativista fugitivo há 35 anos. Suas memórias do evento, que faz alusão à crise terrorista na Bélgica na década de 80, vêm à tona quando um homem, Georges (Bruno Romy), surge no estabelecimento armado em busca de vingança. O espectador, então, conhece Kayoko (Kaori Ito) e Tim (Philippe Martz), que o ajudam a despistar o atirador ao trocar o militante por um substituto idêntico a ele que, dopado, começa a viver como Boris. O alvo é Dom — também interpretado por Dominique — que usa adesivos antidepressivos como placebos.
Conflitos
O tema político-social é o que desengatilha a trama. Embora não seja uma causalidade expressa diretamente por meio dos diálogos, há um magnetismo que impulsiona os personagens a agirem metodicamente em seus planos e movimentos. Esta atração pauta vingança; violência; fuga e busca… motivações que fazem o universo do longa evidenciar sua segunda camada. Todo este conteúdo é retratado com leveza por meio do humor, façanha aplaudível de Abel e Gordon.
Isso porque A Estrela Cadente consegue construir falas em que o ator profere, a exemplo, “Síndrome de Lima e de Estocolmo” coexistente a cenas cômicas, como o “naufrágio hospitalar” com enfermeiros “nadando” no asfalto em um ato de greve. Uma maneira única de lidar com temas densos, como o luto e a depressão, por outra perspectiva.
Uma dança
Embora o filme invoque o drama e o suspense para retratar decisões ousadas e paranoicas dos personagens, as emoções são brandas. Salvos os lampejos de Dom em meio à forte tempestade que ilumina e encharca o assoalho do quarto. A perturbação certamente vem das lacunas, completas por doses de informação diminutas sobre o enredo. Desdobramentos que fluem como ritmos coreografados, o aspecto mais chamativo de seu roteiro.
Nesse sentido, vale destacar os movimentos circenses dos personagens pensados e ensaiados como um elemento adicional de expressão. Kayoko e Tim realizam este aspecto com maestria, o que atribui graça em grande parte das cenas. Suas ações são encorpadas pela dança. É divertidíssimo! Não por acaso, a escolha, principalmente da atriz, deve-se a sua familiaridade com esta arte e à habilidade de abarcar os movimentos com facilidade em suas representações. Romy também se destaca ao executar deslocamentos milimetricamente ensaiados; como os da sua (irônica) habilidade em atirar.
Ademais, a mesma concepção segue no deleite das cenas de desencontro entre Fiona (Fiona Gordon) e Boris. A posição fixa da câmera sugere descontração, mas também agonia, dualismo em que a contraposição se torna mais emocionante do que se os personagens perceberem um ao outro no espaço. Ações que remetem a um cuidado pitoresco em meio às paisagens urbanas e bucólicas que compõem o estilo Noir da obra.
Ambiguidade
Em defluência direta ao gênero literário, Kayoko imprime absolutos traços de uma femme fatale, que usa perspicácia para manipular e favorecer aquilo que lhe convêm como contraparte de Boris. Este, junto a Tim, são como peças usadas pela moça não só para agir a favor do bartender, mas conflui numa demonstração de poder e autoridade. A exemplo, podemos citar o repentino envolvimento amoroso da personagem com Dom e o medo de Tim em recusar seguir os planos e ordens da mulher. Ademais, sua presença imponente a exclui de ser uma marionete, sensação que tive com os demais personagens — Dom, Boris, Tim e Georges. Seu vestido vermelho marcante alia-se a sua suntuosidade, em uma obra em que os visuais de seus componentes são delimitados.
Mas sua imagem ganha ainda mais sinuosidade à medida em que a detetive Fiona busca solucionar seu impasse amoroso. É inevitável dizer que a figura é totalmente oposta à Kayoko. Embora uma investigadora secreta componha o tom dramático da obra, suas decisões e ações são por muito tempo pouco aplaudíveis e instigantes. Sua incansável busca por Dom só ganha vislumbre após encontrar sua maior pista: o seu amado com outra mulher.
Técnica
Diante do drama narrativo, todo este universo fica ainda mais interessante graças à estética das cenas. A exemplo podemos citar o uso contrastante de luz e sombra para criar uma atmosfera sombria e misteriosa; a escolha da paleta de cores voltada a fluorescência do amarelo das lâmpadas em contraste à noite; o enquadramento simples e fixo nos personagens em compasso aos tons claros durante o dia; bem como a mise-en-scéne marcante, a exemplo do momento em que Boris, Tim e Kayoko olham para Dom pela janela do carro — cenografia que estampa o pôster do longa. Sendo assim, a fotografia é, sem dúvidas, o ponto chave do filme.
Ao término do filme, é possível destacar facilmente sua singularidade. A começar por Fiona e Dominique que são, respectivamente, homônimo dos personagens. De impressionar e emocionar, ainda, que sejam um casal na vida real. A linguagem narrativa é envolvente nos 98 minutos de duração, e sua subjetividade faz com que permanecemos na experiência mesmo após a lista de créditos. A mise-en-scéne e a proposta do longa referenciam nomes como Jacques Tati (“Meu tio”) e Aki Kaurismaki (“Folhas de Outono”) inseridos em um estilo próprio que manuseia o clichê como forma de se reinventar. Diante disso, é imprescindível dizer que A Estrela Cadente é surpreende. Uma simbiose completa que remonta poesia de forma pertinente em uma obra que se constitui-se realmente necessária.
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