Crítica| Filme Propriedade trata desigualdade social de forma confusa e exagerada

Crítica | Propriedade trata desigualdade social de forma confusa e exagerada

Antes de mais nada, o filme Propriedade, é uma produção que definitivamente não agrega muito ao seu valor. Contudo, a direção de Daniel Bandeira (“Amigos de Risco”), garante alguns pontos positivos à sua obra, que trata da desigualdade social, um tema de extrema relevância no nosso país.

Propriedade

Tereza (Malu Galli) é uma mulher que se fechou ao mundo após passar pelo trauma de um assalto em que quase perdeu a vida. Na tentativa de ajudar a esposa, Roberto (Tavinho Teixeira), leva a mulher para uma viagem à fazenda do casal. Contudo, momentos antes da chegada dos dois, houve uma rebelião entre seus funcionários. Estes estavam descontentes com a notícia de que a tal fazenda fecharia suas portas. Nesse sentido, a rebelião foi se tornando cada vez mais violenta, que culminou em mortes. Em uma tentativa de fuga, Tereza se abriga em seu carro blindado enquanto assiste o horror desencadeado diante dos seus olhos em sua propriedade.

Ambientação do caos

Recheada de furos e exageros, a trama conta a história assustadora da vida de Tereza. Apesar do roteiro muito confuso, a direção de Daniel Bandeira entregou muitos pontos positivos à obra. Para garantir a tensão e claustrofobia ele utiliza de muitos planos fechados e detalhe, colocando a câmera próximo do rosto dos personagens.

Ainda sob o ponto de vista das cêmeras do competente Pedro Sotero (“Bacurau”) na direção de fotografia, o acontece basicamente em dois cenários: A fazenda e o carro de Tereza. Nesse sentido, mesmo com a personagem estando muito parada, as cenas rodadas dentro do carro garantem seu ritmo, o que em boa parte é possível por conta da atuação de Malu Galli. Sua expressividade, e novamente, os planos próximos a atriz tornam possível essa sensação de pânico e claustrofobia que a personagem passa, mas ao mesmo tempo não à deixa travada.

Já no primeiro cenário comentado, a Fazenda, a confusão corre solta junto aos personagens desesperados. A medida que Bandeira tenta retratar o desespero dos funcionários, ele acaba por transformá-los em bárbaros agressivos que agem de forma quase animalesca. As atitudes repulsivas dos funcionários, apesar de bem retratadas e atingirem um nível alto de tensão, não se justificam ou fazem sentido algum. As cenas mais abertas, apesar de manterem o padrão de movimentação, assim como no carro, acabam se tornando paradas muitas vezes.

Ações nada revolucionárias

Contém spoilers

Um dos personagens que se envolve no motim deixa claro o seu objetivo, que é pegar o seu dinheiro e documentos e ir sair de lá. Contudo, o mesmo, diversas vezes toma atitudes contrárias ao seu propósito inicial. Em primeiro lugar, ele mata o proprietário das terras, Roberto. Além disso tenta quebrar o carro de Tereza e mais tarde à salva de seus parceiros. Tudo isso para, em uma cena seguinte, tentar matá-la mais uma vez, o que não dá certo e ele é quem morre.

A líder do Motim, Dona Antônia (Zuleika Ferreira), por vezes cria planos para tentar conversar com Tereza e Roberto, e ao mesmo tempo, faz de tudo para tirá-los de cena, causando uma incerteza sobre seus motivos e ambições, apesar de repetidamente ela dizer que quer as terras para si. Nesse sentido, o que pode ser observado, é o fato de que os personagens secundários, envolvidos no motim, não são nada explorados. Os seus desejos são expressos pelas suas falas, mas não condizem com as suas ações. Por mais que a intenção do filme seja retratar o desespero destes que se encontram em situação análoga a escravidão, às ações e falas à eles atribuídas, constroem uma imagem completamente exagerada e que foge a realidade em alguns aspectos.

Assim também, não se pode descartar o fato de que, infelizmente, ainda hoje, existe situações de trabalho análogo a escravidão e sim existem mortes nesse meio. Porém, cortar a cabeça de um cavalo somente de raiva, criar uma fogueira de baixo de um carro e depois enterrá-lo com a motorista dentro. Isso com certeza foge da realidade.

Propriedade esburacada

Sob o mesmo ponto de vista, apesar de existirem exageros, estes são tecnicamente muito bem construídos. Maquiagens e jogos de cena, luz e câmera, conseguem captar a tensão desses momentos aflitivos. Contudo, quando nem tudo parece perdido, os furos de cena aparecem.

Um deles que se destaca, é o fato de, no início da rebelião, todos não possuírem sequer seus documentos, o que os faz invadirem a casa sede a procura destes. Juntamente aos documentos, estes relatam não ganhar salário para poderem sair da fazenda. Todavia, mais tarde, ao tentar outro método de fuga da fazenda. Visto que não existia sinal para pedir ajuda e haviam esvaziado o tanque de combustível de seu carro, Tereza foge a pé e é encurralada em um estábulo, afastado da casa, onde, para se defender, ela acaba matando um homem. Nesse cenário, do nada, aparece outra rebelde, com um smartphone, gravando o ocorrido.

Até ai, tudo bem! É extremamente plausível eles terem celulares sob suas posses, mesmo sem muita verba, mas, esta mulher imediatamente envia o vídeo à todos os participantes do motim. Como ela enviou o vídeo, se não existia sinal? E como todos, que estavam em diversos pontos da fazendo, receberam o vídeo?

E seguindo esta mesma linha, no início do filme, um dos trabalhadores é ordenado a retirar a gasolina do carro de Tereza. Relembrando: O carro é blindado!

O que eu quero dizer com isso? Em um carro blindado, não é possível abrir a portinha do tanque de combustível! Cenas antes, os rebeldes tentam abrir o capô do carro, na tentativa de desligar a sua buzina, mas sem sucesso, justamente por conta da blindagem.

Vitória?

Por fim, apesar de muitos furos, algumas situações apenas são desconexas à trama. Um exemplo, ao final, após quase ser morta nos estábulos, Tereza consegue regressar ao seu carro. Nesta hora, ela é cercada pelos seus funcionários que pedem por socorro pois ela havia fechado a mãozinha de um garoto na porta. Sem confiar, Tereza não abre a porta e em meio à esse caos regado a choro e gritaria, ao longe na estrada que dá acesso à fazenda, aparece uma viatura da polícia. Instantes depois, esta dá meia volta e se vai.

Por que Tereza não buzinou para chamar a atenção dos agentes? Afinal, é explicito que ela viu a viatura. Como consequência, na manhã seguinte, seu carro, junto a ela, é enterrado em uma vala. Neste momento, carros entram na propriedade e mais uma vez passam reto. Se Tereza foi salva, não saberemos tão cedo, ainda mais que não está programado um segundo volume da produção.

Em um geral, Propriedade é uma trama que nos entrega muito conteúdo, gera diversas perguntas e quase não entrega respostas. O roteiro confuso e a falta de profundidade em personagens secundários, atrapalham a direção de Daniel Bandeira. Exageros muito fortes e absurdos geram inverdades e uma visão distorcida e teatralmente dramática do interior do nosso país. Assim, um tema de estrema relevância se perde em meio a produção. Talvez um segundo volume possa trazer as respostas que faltam e amenizar os exageros apresentados na primeira versão de Propriedade.

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