Conheci a Jangada Pirata de forma casual, num daqueles encontros que só a vida musical proporciona. Um amigo baterista me chamou para vê-lo tocar com uma banda cearense de passagem por São Paulo, no ano passado. A princípio, fui apenas para apoiá-lo, mas saí de lá completamente fisgado pelo som da Jangada. Desde então, acompanhei a banda com curiosidade, esperando ansiosamente pelo lançamento de “Sal da Casa”, seu disco de estreia. E, agora, posso dizer: valeu a espera.
A Jangada Pirata, formada por Cecília Mesquita (voz), João Vitor Fidanza (guitarra), Ricardo Arraes (baixo) e Jefferson Castro (bateria), tem uma sonoridade que é um verdadeiro caldeirão de influências. O disco transita entre o rock psicodélico dos anos 60, o samba, a bossa nova, o stoner rock e até toques de música tropical latina. O resultado é uma mistura que consegue ser dançante, introspectiva e, ao mesmo tempo, cheia de energia.
Sal da Casa é um disco que fala de causos, desejos e inquietações do ser contemporâneo, mas sem perder o humor e a leveza. A produção do disco é impressionante, sobretudo para um primeiro disco. Com camadas de guitarras distorcidas, efeitos psicodélicos e sintetizadores que criam uma atmosfera ao mesmo tempo nostálgica e moderna.
O primeiro grande destaque do disco é “Santos Dias de Luz”, sabiamente escolhido como 1º single do de Sal da Terra. A canção já já entrega o tom do disco, com a guitarra de Fidanza cria um clima sonhador, enquanto o baixo de Arraes e a bateria de Nascimento garantem um ritmo dançante. Cecília Mesquita, com sua voz versátil, conduz a música com uma doçura que contrasta com a letra, que traz metáforas o balanço da água do mar com a dança.
Em “Formas e Pensamento”, a banda mergulha em um som mais experimental e bucólico. Os sintetizadores ganham destaque, criando uma textura densa e alucinante. A letra, cheia de imagens poéticas, fala de transformações e da busca por um sentido na vida. Aqui, a Jangada Pirata navega por águas turvas.
Ainda dentro do especto mais bucólico do disco, temos logo em seguida “Bandeira”, que traz outro nome destaque do cenário cearense: Mateus Fazeno Rock. Essa mistura trouxe vocáis dobrados numa canção melancólica, mas crescente, tendo seu clímax um solo de guitarra cheio de efeitos e uma percussão bem marcada.
Mas é em “Mentes” que a banda apresenta seu veia mais rockeira. A faixa é a mais pesada do disco, com um refrão que gruda na cabeça e uma letra ácida sobre relacionamentos tóxicos. Cecília, alternando entre um tom doce e outro sarcástico, como quem diz: “Mentes pra mim, tão bem”. A guitarra distorcida e a bateria marcante fazem dessa música um dos pontos altos do disco.
No entanto, o maior destaque do disco é, sem dúvidas, “Tenho Sonhado com o Mar”. Essa música é simplesmente arrebatadora. Começa com um arranjo suave, quase melancólico, e vai crescendo até se transformar em uma explosão de sentimentos. A letra, que fala de saudade e de conexão com a natureza, é tocante, e a interpretação de Cecília é de tirar o fôlego. Ela consegue transmitir uma gama de emoções, da tristeza à esperança, em poucos minutos. A produção da faixa é impecável, com camadas de instrumentos que se sobrepõem de forma harmoniosa, criando uma experiência sonora que é quase cinematográfica.
Tenho Sonhado com o Mar é, para mim, a melhor música lançada pela Jangada Pirata até aqui — superando “Último Gole”. É uma daquelas faixas que você ouve e imediatamente quer compartilhar com alguém, como se fosse um segredo precioso.
O conceito artístico de Sal da Casa é claro: é um disco que fala de pertencimento, de busca e de identidade. A Jangada Pirata não se prende a rótulos ou gêneros específicos. Eles navegam entre o urbano e o bucólico, entre o íntimo e o coletivo, criando um som que é ao mesmo tempo universal e profundamente pessoal.

A banda conseguiu capturar a energia ao vivo de seus shows, mas sem perder a riqueza de detalhes que um trabalho de estúdio permite. As colaborações também são pontuais e bem-vindas, como os toques de percussão que lembram o mangue beat e os arranjos de cordas que aparecem em momentos estratégicos.
Sal da Casa é um disco que faz quadris balançarem e conquista corações, como a própria banda promete. É impossível ficar parado ao ouvir essas músicas, que transbordam energia e paixão. Mas, ao mesmo tempo, é um trabalho que convida à reflexão, à introspecção. Conduzindo bem seu lema, a Jangada Pirata consegue equilibrar esses dois lados com uma maestria impressionante.
Desde aqueles shows em São Paulo, sabia que a Jangada Pirata era uma banda especial. Agora, com Sal da Casa, eles confirmam que estão entre os nomes mais promissores da nova geração da música brasileira, sobretudo do cenário cearense. E eu, por minha vez, já estou ansioso para ver onde essa jangada vai aportar da próxima vez.
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