Crítica | minissérie de Ripley traz sombras e reinventa clássico

O mundo das falcatruas, estelionatos e roubos sempre esteve presente no Cinema. “Onze Homens e Um Segredo” (2001), “Prenda-me Se For Capaz” (2002) e “O Lobo de Wall Street” (2013) são rápidos exemplos que fizeram sucesso tendo esse universo como pano de fundo. Entretanto, difícil algum cinéfilo não conhecer os filmes que envolvem Ripley, personagem do romance psicológico criado pela escritora Patricia Highsmith em 1955.

No Cinema, ele já esteve presente em diversos filmes trazendo um elenco bem famoso que engloba desde Alain Delon (“O Sol Por Testemunha”, 1960), Matt Damon (“O Talentoso Ripley”, 1999) e John Malkovich (“O Retorno do Talentoso Ripley”, 2002).

Quem é Tom Ripley?

Um personagem tão emblemático e que atravessa décadas acaba de ganhar uma minissérie com 8 episódios que estreou neste mês na Netflix. Steven Zaillian, conhecido por filmes como “Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres” (2011) e “O Irlandês” (2019), foi o responsável pela criação e direção dos episódios.   

Em 1960, Herbert Greenleaf, um rico empresário de Nova Iorque, confunde Tom Ripley (Andrew Scott) como um amigo de seu filho Dickie (Johnny Flynn). Problema é que Dickie foi morar na Itália e nunca mais voltou para os Estados Unidos. Herbert então pede a Ripley que ele siga para a Itália e tente convencer o filho a voltar. Com as despesas custeadas e um salário adiantado, difícil não aceitar a proposta.

Mas Ripley, ao se aproximar de Dickie e de sua namorada Marge Sherwood (Dakota Fanning), vê uma forma de ir além de sua missão. Tentando ganhar a confiança de ambos, o vigarista sabe que pode aplicar um golpe que tomará proporções gigantescas e que envolverá uma teia de mentiras sem fim.

Estética estupenda

Nada melhor que capturar a essência de um livro dos anos 1950 e de toda uma atmosfera noir do que trazer uma nova narrativa com Ripley em preto e branco. E isso a série faz bem. Nosso personagem ganha uma caracterização mais imersiva, torna-se mais frio e calculista. Seja num quarto com varandas de frente para o mar, seja nas vielas noturnas da Itália, os cenários transportam o espectador para dentro da história.

Acrescente a isso uma bela captura de época. Transitando entre cidades como Nápoles, Veneza e Palermo, a fotografia é cativante tanto na belíssima paisagem costeira de Atrani como nas ruas mais modernas de Roma.

Aqui, o cinema convive em sintonia com outras artes. A todo instante, detalhes arquitetônicos como estátuas e fachadas são realçados mesmo através de simples movimentos dos personagens. A pintura está presente em muitas cenas. Inclusive, Ripley torna-se um apaixonado pelas pinturas de Caravaggio e a série chega a falar sobre a trajetória do famoso pintor italiano. Por fim, a literatura tem seu espaço. As constantes cartas que fazem parte da rotina do vigarista, muitas importantes em sua estratégia de continua enganando a todos.

Um personagem complexo

Mas, atenção, a série é indicada para quem gosta de investigações policiais e de narrativas que exploram o psicológico de seus personagens. Inclusive, o diretor conseguiu criar um único episódio retratando uma das mortes da série e de todo o “sacrifício” de Ripley para se safar do corpo e para lidar com as pistas que poderiam ter ficado.

Para alguns cinéfilos, o método citado acima pode ser monótono, entretanto, em se tratando de um personagem que cresce em sua perspicácia e nos atos minuciosos que executa, é um charme presenciar como a construção das cenas se amarra de forma soberba (e que faz o arremate competente sobretudo no último episódio).

Os diálogos da série nos permitem afundar na psique de Ripley, que não é tão fácil assim de interpretar. Um personagem de dupla personalidade, astuto, minucioso, que não faz questão de matar se assim for preciso, mas que sente pena de um mendigo pedindo esmolas. Caracteriza bem a psicologia de um seria killer, sem soar tão brutal e sem depender de jorros de sangue.

Simbologias e um gostinho de segunda temporada

E nada mal o trabalho com as simbologias. As obras de Caravaggio, algumas inclusive que se encaixam como referência para os atos de Ripley. Inclusive, o próprio pintor vai influenciar num dos disfarces do personagem para seguir com seu plano adiante.

A água, elemento frequente na trama (mares, canais de Veneza, chuva, banheiras) também reflete as sensações que frequentemente invadem o personagem (seja o medo, seja a culpa). Até John Malkovich surge num dos episódios fazendo um personagem misterioso (referência perfeita aos filmes do próprio Ripley).

E no final, quando chega aquele soco no estômago no final da minissérie fica aquela ideia de que uma segunda temporada não seria nada mal.

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