Crítica | O Homem dos Sonhos e o terror da fama viral

Uma estranha viagem cômica baseada em nosso fugaz ciclo moderno de fama instantânea, da idolatria ao cancelamento repentino, O Homem dos Sonhos funciona como uma versão distorcida, hilária e melancólica, no estilo Charlie Kaufman (“Adaptação”) de nosso momento cultural atual.

Nicolas Cage (“Pig”) interpreta Paul Matthews, um educado professor universitário da Costa Leste, que se torna uma celebridade da noite para o dia pela mais improvável das razões: ele começa a aparecer aleatoriamente nos sonhos de todos, de uma só vez. Não por nenhum motivo específico, ele apenas está ali, passando ou rondando passivamente ao fundo. O fenômeno faz dele uma celebridade por não fazer absolutamente nada.

A publicidade só não tem anunciantes nos sonhos, por enquanto

Essa nova celebridade, que não sabe lidar com tamanha fama logo é cooptada por um marketeiro. Interpretado por Michael Cera (“Barbie”), Trent é o chefe de uma empresa de marketing que segue tendências virais, o que Paul é. O protagonista vê isso como uma oportunidade de publicar suas descobertas no campo da biologia, Trent o vê mais no papel de porta-voz de Sprite. Enquanto isso, a sorte de Paul muda, à medida que sua novidade desaparece rapidamente e sua presença nos sonhos das pessoas se torna sinistra.

Novamente, ao não fazer absolutamente nada, ele se torna um flagelo, passando de viral a vírus num único ciclo de sono.

O escritor e diretor norueguês Kristoffer Borgli (“Doente de Mim Mesma”) usa a história de Paul para desconstruir nossa relação atual com a fama e nossa tendência de ficar obcecados, construir e destruir figuras que cruzam nossos olhos.

A história de Paul vai do estranho ao encantador e ao trágico. Desse modo, você pode substituir Paul por um garoto que gravava vídeos num campo de futebol de terra batida e gritando “receba”, que se tornou fenômeno mundial por causa de algumas frases de efeito, ao mesmo tempo que acumula haters, que usam até por seu analfabetismo. A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Borgli concede a Paul a fama por nada e lhe dá, logo em seguida, uma série de consequências dos problemas percebidos de todos os outros com o que ele representa. O Homem dos Sonhos não é tanto uma argumentação contra a cultura do cancelamento, mas sim um exame do paradoxo moderno da notoriedade repentina e do que acontece com aqueles que a vivenciam por dentro. Ele também ataca a cultura do consumo com um olhar de Spike Jonze (“Ela”) voltado para o surreal, e acredita muito que o sono é o último cenário inexplorado para os anunciantes.

Cage é o cara certo pra isso

Depois de passar anos à margem de Hollywood, aceitando todo tipo de papel para pagar dívidas, é notório que Cage está reduzindo os papéis excêntricos, que mais exigiam canastrise do que exatamente talento interpretativo.

Em O Homem dos Sonhos ele faz praticamente o inverso do que vínhamos acostumando com ele nos últimos anos. Junto a um grande trabalho da equipe de maquiagem e direção de arte, temos um novo Cage.

Seu queixo pontiagudo foi suavizado por uma barba rasa e grisalha. Seu cabelo penteado com topete está raspado até formar um couro cabeludo careca. Seu ousado senso de moda – geralmente marcado por jaquetas de couro- foi abandonado por camisas de botão, calças cáqui e suéteres insípidos. Sua elocução eletrizante suavizou-se em murmúrios, risadas autoconscientes e ocasionais apelos de pânico. Esse personagem de Nic Cage não é apenas chato, ele é o tipo de cara que poderia muito bem ser invisível.

A emoção inerente em ver um filme de Nicolas Cage pela primeira vez é a sua imprevisibilidade. Aqui está um ator que não tem medo de ir longe demais ou balançar muito. Mas, como o thriller terreno Pig nos lembrou em 2021, Cage também é capaz de nuances. Como Paul, ele embaralha em vez de se gabar. Seus ombros se curvam em um pedido de desculpas quase constante por existir. Ele fala – mesmo em suas palestras para estudantes – como se estivesse prestes a recuar. Até que ele entre em seus sonhos.

Com esta situação inexplicável, Paul cresce em confiança e no seu senso de direção. Cage endireita a postura, move-se com mais convicção e flerta com um tom mais autoritário. Mas esta é uma pose que Paul não consegue manter, e nisso há um constrangimento agonizante.

Esse é o tipo de trabalho que não ganha premiação, mas todo que apreciam um grande ator reconhecem que Paul do Cage tem muita mais substância e entrega que muitos indicados ao Oscar.

Nesse ponto da crítica é notório que o longa usa o protagonista como um sol, onde o resto do elenco, que mesmo bem, fica eclipsado por Cage. É o caso de Julianne Nicholson (“Mare of Easttown”), a doce e discreta como a esposa de Paul, e Dylan Gelula (“O Calouro”) brilha em uma cena verdadeiramente estranha.

O Homem dos Sonhos erra o alvo em sua crítica social

O desempenho de Cage é desenvolvido e vivo, mas a construção do mundo de Borgli é irritantemente fraca. Embora se diga que a internet está enlouquecendo com Paul, há pouco na tela para mostrar isso. Em vez disso, Borgli mostra reações do Twitter – ou X, se preferir – e se voltando para uma equipe de marketing idiota, que está ansiosa para capitalizar a fama da noite para o dia de Paul.

Enquanto Michael Cera e Kate Berlant (“Desculpe Te Incomodar”) são extremamente divertidos nesses papéis satíricos, os outros personagens coadjuvantes variam de desenhados de forma tênue a renderizados causticamente.

Paul tem duas filhas, que se definem principalmente por serem aquelas que sonham com ele e aquelas que não sonham. Seus alunos são um bando boquiaberto destinado a zombar da Geração Z, enquanto Paul faz um discurso inflamado, soltando palavras da moda como “trauma” e “experiência vivida” com desdém, como se fossem calúnias. A “Cultura do Cancelamento” também surge com toda a sutileza de uma martelada na cabeça, ridicularizando este conceito como uma guerra cultural injusta contra vítimas indefesas como o pobre Paul.

Embora a primeira hora ofereça uma premissa intrigante, além do grande trabalho de Cage em toda obra, Borgli queima possibilidades e interesse com seus desenvolvimentos macabros de enredo que criam metáforas cada vez mais instáveis.

No terceiro ato, ele lança críticas preguiçosas sobre tudo, desde influenciadores até cultura de bem-estar. O Homem dos Sonhos mira em Adaptação, dos já citados Kaufman e Jonze, mas acaba indo em direção aos filmes virais feitos pela máquina de algoritmo Netflix “Não Olhe para Cima” e O Mundo Depois de Nós. Pra ser sincero, dada as mensagens e críticas que o filme quer fazer, isso soa até bem irônico.

Leia também:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.